Olá, como vão os estudos para Advogado da União? Espero que estejam todos investindo pesado na preparação para o próximo concurso da AGU.

Hoje vamos falar sobre um caso interessante que define a aplicação de uma prerrogativa processual da Fazenda Pública na jurisprudência do STF.

1. Inicialmente, vamos conversar um pouco sobre as prerrogativas.

a. O que são prerrogativas processuais?

São tratamentos especiais conferidos a uma das partes do processo visando o adimplemento de valor jurídico maior capaz de afastar a isonomia processual.

Certo, mas de onde vem a regra geral, ou seja, a isonomia processual?

CPC. Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I – assegurar às partes igualdade de tratamento;

Exatamente por constituir exceção à regra geral, as prerrogativas processuais da Fazenda Pública são tão criticadas em termos doutrinários, contudo, analisando sob a ótica da Fazenda (o que você deve fazer também em provas subjetivas da Advocacia Pública), vejamos algumas justificativas para sustentar a necessidade de uma posição média diferenciada para o Poder Público em Juízo:

b. Prerrogativas não são privilégios.

Privilégios processuais são vantagens desprovidas de fundamentos jurídicos concedidas a uma das partes de forma completamente desarrazoada, como vamos ver, há fundamento jurídico para as prerrogativas do Estado quando atuando em processo judicial, razão pela qual o termo “privilégio” não deve ser usado para denominar o instituto.

c. Situação diferenciada da Fazenda Pública fundada no Interesse Público.

Ora, o Poder Público em juízo é expressão da defesa do interesse público por meio de uma relação processual, a Fazenda Pública, em último grau, preserva o interesse público ao defender o erário em juízo.

d. Necessidade de prerrogativas.

Diga-se, ainda, que as prerrogativas não representam luxo fazendário, elas são necessárias quando analisamos o seguinte:

– A Fazenda ocupa posição diferenciada no processo justamente pela defesa do interesse público;

O erário, pertencente a toda coletividade, é objeto de proteção da Fazenda Pública na sua atuação processual.

– Burocracia inerente à atividade administrativa com dificuldade de ter acesso aos fatos, elementos e dados que envolvem a pretensão autoral, uma vez que o Advogado Público está, na maioria das vezes, longe dos fatos que ensejam a pretensão autoral, necessitando diligenciar ao órgão envolvido da lide para a obtenção de informações a fim de preparar a defesa do Ente.

– A Fazenda não pode declinar a defesa de uma causa, contrariamente aos particulares.

Muito bem, esses foram apenas alguns argumentos a sustentar a manutenção das prerrogativas da Fazenda Pública no processo.

2. O art. 188 na decisão do ARE 661.288/SP.

Esse julgamento é interessante.

a. Entenda o caso.

O Município de Guararema/SP instituiu uma política pública que se resumo ao seguinte:

– Criou-se, por meio de Lei, e regulamentou-se, por meio de Decreto, o “cartão cidadão”.

– O cartão é de uso obrigatório para acesso aos serviços públicos municipais de educação, saúde, esporte, lazer e assistência social.

– Houve ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Municipal no TJ/SP.

– Da decisão do TJ/SP que declarou a inconstitucionalidade da Lei Municipal houve Recurso Extraordinário por parte do Município alegando violação dos arts. 5º, inciso II; 34, inciso VII, alíneas b e c; 37, caput; 84, inciso IV; 165, § 9º, inciso II; e 167, incisos I, II e V, todos da Constituição Federal. Em resumo, o Município alega violação ao princípio da autonomia municipal.

– O recurso extraordinário foi inadmito no TJ/SP, razão pela qual foi interposto agravo.

– O STF julgou o agravo do Município, contudo, manteve a decisão do TJ/SP pela inconstitucionalidade da lei.

b. Questão preliminar ao julgamento agravo (ATENÇÃO).

Há, contudo, uma questão muito interessante nesse julgado, qual seja, o Município ao interpor agravo o fez com prazo em dobro, com base no art. 188 do CPC, por nós bastante conhecido, eis que interpôs agravo entre o 10º e o 20º dia do prazo.

O Ministério Público emitiu parecer pelo não conhecimento do agravo, por intempestividade, ou seja, entendendo que não se aplica o prazo em dobro no caso estudado.

De onde vem o entendimento de que não cabe prazo em dobro no caso? Da própria jurisprudência do STF que diz não caber a aplicação do art. 188, CPC, aos processos do controle abstrato de constitucionalidade.

O STF diz, no próprio julgado:

A respeito desta orientação, remeto ao voto do Ministro Celso de Mello na ADI nº 2.130/SC-AgR, julgada pelo Plenário, em que se discutiu a aplicabilidade daquele dispositivo do CPC nos processos do controle concentrado de constitucionalidade. Aduziu o eminente Ministro que as regras relativas aos processos judiciais de natureza subjetiva – compreendidos como aqueles em que se discutem relações concretas e individuais – não seriam aplicáveis aos processos de índole objetiva, como o controle abstrato de constitucionalidade, em que há a análise em tese da compatibilidade entre lei e constituição (ADI nº 2.130/SC-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 14/12/01).

Pois bem! Seria apenas aplicar a jurisprudência do STF, considerar o agravo intempestivo (em processo de natureza abstrata) e pronto!

Contudo, essa não foi a decisão do STF.

O Ministro Dias Toffoli argumentou que:

  1. Inobstante a jurisprudência, não há lei que proíba a aplicação do art. 188 ao recurso extraordinário em processo de natureza abstrata.
  2. O legislador não faz distinção entre os Extraordinários interpostos em processo de natureza objetiva (aplica-se o prazo em dobro) e natureza abstrata (não se aplica, até então, o prazo em dobro).
  3. A ausência de lei distinguindo o prazo dos recursos causa insegurança entre os destinatários da prerrogativa do art. 188 da CPC.
  4. Tratando-se de recurso extraordinário, independentemente da natureza do processo em que interposto, o Código de Processo Civil tem plena aplicabilidade para todos os requisitos do recurso, não poderia ser aplicado de forma diferenciada apenas para o prazo.

Pela importância para a Fazenda Pública e para o seu concurso da AGU, duas passagens são categóricas no voto do Ministro Dias Toffoli, veja:

A primeira:

Ora, o interesse público está presente de maneira ainda mais marcante na atuação da Fazenda Pública e do Ministério Público nos recursos extraordinários interpostos nos processos de controle de constitucionalidade abstrato estadual, nos quais estão em discussão questões de grande relevância e repercussão social no âmbito dos estados ou dos municípios. Ademais, tais recursos têm como função precípua a defesa da ordem constitucional federal, visto que cabíveis somente nos casos em que estiver em discussão a suposta inobservância de norma constitucional federal de reprodução obrigatória pelos estados, conforme pacífica jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido: Rcl nº 383/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 21/5/93.

A segunda:

A doutrina também apresenta como fundamento para a norma do art. 188 do CPC o fato de a Fazenda Pública e o Ministério Público atuarem em juízo em condição de desigualdade em relação aos advogados particulares, tendo em vista as dificuldades de ordem burocrática existentes no funcionamento dos serviços públicos e o expressivo volume de trabalho (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2013. v. I p. 288). Noto que essas limitações se impõem a tais órgãos independentemente da natureza do processo em que oficiem.

Assim, o STF (1ª Turma) mudou o entendimento, por maioria, admitindo o recurso do Município, contudo, negando-lhe provimento.

Portanto, anota aí:

A Fazenda Pública possui prazo em dobro para interpor recurso extraordinário de acórdão proferido em sede de representação de inconstitucionalidade (CF, art. 125, § 2º).

A chance de cair na sua prova é grande!

Abraço, Ubirajara Casado.