E aí pessoal, tudo certo?
Completamos nesse mês de agosto 12 anos da Lei 11.340/2006 (Lei da Maria da Penha) e alguns entendimentos já foram comentados por mim aqui no blog. Essa lei – que surgiu sob muita polêmica (ainda existente, porém em menor grau) e questionamentos quanto a sua constitucionalidade – é muito relevante da tessitura legal criminal dentro da ordem jurídica brasileira.
Pedro, você poderia lembrar quem foi a Maria da Penha e por qual razão essa lei recebe essa alcunha? Claro.
A Lei 11.340/2006 inseriu no sistema jurídico pátrio o que se passou a chamar de microssistema protetivo específico para as mulheres e a Maria da Penha, com sua história e batalha para a superação da violência de gênero, foi muito importante para a efetivação dessa proteção legislativa. É que, em 1983, ela foi agredida enquanto dormia, tendo sido alvejada por disparo de espingarda executado pelo seu então marido, resultando em invalidez física (tetraplegia), tendo ainda sofrido outras agressões. Nesse caminhar, o autor dos delitos fora denunciado em 1984, mas, pela lentidão do sistema de persecução criminal, somente fora preso em 2002. Diante dessa evidente violação de direitos humanos, os fatos foram levados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, tendo resultado no Relatório 54/2001[1]. A partir dele, 5 anos mais tarde, adveio a Lei 11.340/2006 visando a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Em razão da data especial, sempre atentando aos alunos e aqueles que nos acompanham pelo blog e pelas redes sociais, resolvi selecionar os 12 principais entendimentos sobre a Lei Maria da Penha, com alta probabilidade de serem cobrados em provas de concurso público!
Um entendimento para cada aniversário! Um deles vai cair na sua prova, tenho certeza! Espero que gostem! Vamos a eles:
(1) A Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial, desde que o crime seja cometido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Vale registrar aqui que há 5 formas de violência previstas nessa lei, quais sejam a violência (i) física, (ii) sexual, (iii) psicológica, (iv) moral e (v) patrimonial. Qualquer delas é suficiente para a incidência da lei especial.
(2) A Lei Maria da Penha atribuiu às uniões homoafetivas o caráter de entidade familiar, ao prever, no seu artigo 5º, parágrafo único, que as relações pessoais mencionadas naquele dispositivo independem de orientação sexual (REsp. 1183378/RS).
(3) O sujeito passivo da violência doméstica objeto da Lei Maria da Penha é a mulher, já o sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação.
(4) Para a aplicação da Lei n. 11.340/2006, há necessidade de demonstração da situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência da mulher, numa perspectiva de gênero (AgRg no REsp 1430724/RJ,Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Julgado em 17/03/2015,DJE 24/03/2015).
(5) A agressão do namorado contra a namorada, mesmo cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, está inserida na hipótese do art. 5º, III, da Lei n. 11.340/06, caracterizando a violência doméstica (REsp 1416580/RJ,Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, Julgado em 01/04/2014,DJE 15/04/2014).
(6) Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher têm competência cumulativa para o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 14, da Lei n. 11.340/2006.
(7) Até recentemente, o descumprimento de medida protetiva de urgência não caracterizava qualquer ilícito penal, especialmente a desobediência, uma vez que o STJ afirmava que o legislador previu consequências legais para tal comportamento, não ressalvando a incidência de crime. Contudo, a Lei 13.641/2018 passou a prever como crime apenado com detenção de 3 meses a 2 anos o descumprimento de decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, destacando que somente autoridade judicial tem competência para conceder fiança.
(8) Não é possível a aplicação dos princípios da insignificância e da bagatela imprópria nos delitos praticados com violência ou grave ameaça no âmbito das relações domésticas e familiares. Nesse sentido, o STJ editou o verbete de número 589, consolidando a inaplicabilidade da insignificância nos crimes e contravenções praticados no contexto da Lei Maria da Penha. Vale destacar o voto do Ministro Ribeiro Dantas no HC 333.195/MS (2016), quando afirmou que “a jurisprudência desta Corte Superior está consolidada no sentido de não admitir a aplicação dos princípios da insignificância e da bagatela imprópria aos crimes e contravenções praticados com violência ou grave ameaça contra mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal atipicidade material da conduta ou desnecessidade de pena”.
(9) O crime de lesão corporal, ainda que leve ou culposo, praticado contra a mulher no âmbito das relações domésticas e familiares, deve ser processado mediante ação penal pública incondicionada. Nesse cenário, o STJ editou também a Súmula 542, indicando justamente que “a ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”.
(10) Nos crimes praticados no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima tem especial relevância para fundamentar o recebimento da denúncia ou a condenação, pois normalmente são cometidos sem testemunhas.
(11) A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. É o teor da Súmula 589 do STJ. Vale anotar que há alguns precedentes da 2ª Turma do STF – trata-se de entendimento minoritário e que deve ser conhecido com ressalvas, sobretudo para provas objetivas – apontando pela possibilidade de conversão de PPL em PRD no caso de contravenções, ainda que praticadas no contexto da Maria da Penha (ex.: HC 131.160/MS).
(12) Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, independentemente de instrução probatória. Tema 983/STJ – Recurso Repetitivo.
Espero que tenham gostado! Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal
(instagram: @profpedrocoelhodpu)
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[1] Em 2001 a Comissão emitiu o relatório nº 54/2001 – responsabilizando o Brasil por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres. Entenderam que a violação seguia um padrão discriminatório em razão da violência doméstica contra mulheres no Brasil. Dessa forma, foram feitas recomendações ao Estado Brasileiro, a saber:
- Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável pela agressão;
- Realizar uma investigação séria, imparcial e exaustiva para apurar as irregularidades e atrasos injustificados que não permitiram o processamento rápido e efetivo do responsável;
- Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o agressor, medidas necessárias para que o Brasil assegure à vítima uma reparação simbólica e material pelas violações;
- Prosseguir e intensificar o processo de reforma para evitar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica;
- Medidas de capacitação/sensibilização dos funcionários judiciais/policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica;
- Simplificar os procedimentos judiciais penais;
- O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares;
- Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários, bem como prestar apoio ao MP na preparação de seus informes judiciais;
- Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará;
- Apresentar à Comissão, dentro do prazo de 60 dias – contados da transmissão do documento ao Estado, um relatório sobre o cumprimento destas recomendações para os efeitos previstos no artigo 51(1) da Convenção Americana;
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