Olá pessoal, tudo beleza?

Conforme vocês já sabem, essa semana novas súmulas do Superior Tribunal de Justiça foram divulgadas e, dentre elas, uma se refere à seara criminal, merecendo alguns importantes comentários.

Trata-se da Súmula 593, cujo teor aponta que “o crime de estupro de vulnerável configura-se com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante o eventual consentimento da vítima para a prática do ato, experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”.

Em período anterior à vigência da Lei 12.015/2009, que conferiu novo tratamento aos atualmente chamados crimes contra a dignidade sexual, havia um debate doutrinário intenso sobre a presunção de violência na relação sexual estabelecida com menores de 14 anos, especialmente se poderia haver flexibilizações e afastar o caráter criminoso da conduta, dependendo das circunstâncias.

A bem da verdade, é justo que se diga que, apesar de julgados isolados e pontuais apontando o caráter relativo da presunção de violência antes da reforme de 2009 nos crimes sexuais, é fato que o STJ e o STF solidificaram sua jurisprudência em sentido oposto, mesmo antes da novidade legislativa.

Vale destacar o precedente em que a 3ª Seção do STJ registrou que “a presunção de violência nos crimes contra os costumes cometidos contra menores de 14 anos, prevista na antiga redação do art. 224, alínea a, do Código Penal, possui caráter absoluto, pois constitui critério objetivo para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato sexual. Não pode, por isso, ser relativizada diante de situações como de um inválido consentimento da vítima; eventual experiência sexual anterior; tampouco o relacionamento amoroso entre o agente e a vítima. O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento “quanto a ser absoluta a presunção de violência nos casos de estupro contra menor de catorze anos nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09, a obstar a pretensa relativização da violência presumida.” (HC 105558, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 22/05/2012, DJe de 12/06/2012). No mesmo sentido: HC 109206/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/10/2011, DJe 16/11/2011; HC 101456, Rel. Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/03/2010, DJe 30/04/2010; HC 93.263, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe 14/04/2008, RHC 79.788, Rel. Min. NELSON JOBIM, Segunda Turma, DJ de 17/08/2001”. (EREsp 1152864/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 01/04/2014).

Contudo, após a novidade legislativa (de 2009), com a criação do tipo específico nomeado como Estupro de Vulnerável, o Código Penal Brasileiro passou a reprimir em seu artigo 217-A a conduta de ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

Assim, apesar de eventuais críticas doutrinárias à opção do legislador, parece-me que a dicção do mencionado dispositivo, se interpretado literalmente, afasta qualquer margem de possibilidade de flexibilização quanto à licitude de relações sexuais com menores de 14 anos!

Nesse caminhar, antes mesmo do novo verbete sumular ser formalizado, o Superior Tribunal de Justiça já apontava que “ “de um Estado ausente e de um Direito Penal indiferente à proteção da   dignidade   sexual   de  crianças  e  adolescentes,  evoluímos, paulatinamente,  para  uma  Política  Social e Criminal de redobrada preocupação  com  o saudável crescimento, físico, mental e emocional do  componente  infanto-juvenil  de nossa população, preocupação que passou  a  ser,  por  comando  do  constituinte  (art. 226 da C.R.), compartilhada  entre o Estado, a sociedade e a família, com inúmeros reflexos na dogmática penal. (…) No  caso  de crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos, o reconhecimento de que são pessoas ainda imaturas – em menor ou maior grau  –  legitima  a  proteção  penal contra todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce a que sejam submetidas por um adulto, dados os  riscos  imprevisíveis  sobre  o  desenvolvimento  futuro  de sua personalidade  e  a  impossibilidade  de  dimensionar  as cicatrizes físicas e psíquicas decorrentes de uma decisão que um adolescente ou uma criança de tenra idade ainda não é capaz de livremente tomar”, tendo aprovado a seguinte tese na sistemática de REPETITIVOS:

“Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime” (REsp 1480881/PI, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 10/09/2015).

Com a Súmula 593, o STJ não apenas afastou a possibilidade de flexibilização a partir do eventual consentimento da vítima, como também desqualificou para fins de consumação do delito a experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso! Não há, pois, que falar na “Exceção de Romeu e Julieta”, tema que já trabalhei aqui com vocês em postagem anterior!

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!