Olá, saudações a todos. Eu sou Rodrigo Bentemuller, Juiz Federal do TRF 1ª, ex-Defensor Público do Estado do Ceará e ex-técnico ministerial do MP-CE, e venho integrar o quadro de professores da Ebeji na disciplina de Processo Civil.
Aqui no blog, procurarei traçar alguns pontos de aprofundamento de matérias abordadas nas aulas ou comentar questões de concursos anteriores ou ainda analisar julgados dos Tribunais pátrios, tanto em Processo Civil como em outros ramos do Direito.
Ou seja, nas minhas postagens, abordarei um pouco de cada coisa que espero que seja de grande auxílio para essa caminhada árdua dos concursos ou pelo menos que sirva como contraponto a estudos mais aprofundados na área jurídica.
Para primeira postagem, resolvi expor um pouco da evolução do direito processual civil. Para não ficar um post muito grande, dividirei o assunto em três partes, uma para cada fase metodológica do Direito Processual Civil. Neste, falarei um pouco sobre a fase imanentista. Nos próximos, abordarei a fase autonomista e a fase instrumental.
O processo civil, como não poderia deixar de ser, teve seus contornos iniciais definidos em Roma, berço de diversos institutos jurídicos modernos.
O direito romano (também chamado de quiritário) conheceu três grandes sistemas processuais, onde pode observar-se claramente a mudança de um processo privado para um com uma ingerência muito maior do poder estatal. A primeira das fases do direito romano foi a das legis actiones (ações da lei), seguido pelo per formulas (processo formulário), sendo este substituído por fim pela cognitio extraordinaria (processo extraordinário).
O sistema das legis actiones é caracterizado pelo extremo formalismo, por sua oralidade e pela natureza eminentemente privatística, decorrente do sistema da ordo iudiciorum privatorum, onde o processo se desenrola em duas instâncias: a in iure (perante um magistrado) e a apud iudicem (perante o iudex, particular designado pelas partes, não funcionário do Estado). A natureza privada desse procedimento é tão presente que o chamamento do réu a juízo (in ius vocatio) era feito pelo próprio autor, podendo este, caso o réu não lhe obedecesse, se munir de testemunhas e agarrar o demandado (igitur in capito) e, se o promovente encontrasse resistência, podia empregar a força e arrastar o réu pelo pescoço (obtorto collo)[1].
Devido ao exagerado formalismo[2] e por ser procedimento aplicado somente aos cidadãos romanos, o sistema das legis actiones foi substituído pelo processo formulário, em especial pelas Leis Aebutia e Iuliae Iudiciariae. Ainda baseado no ordo iudiciorum privatorum, o per formulas é menos formalista e mais célere, com maior atuação do magistrado no processo. A grande característica desse sistema é a “fórmula”: documento escrito (atenuando a feição oral do processo romano), onde o magistrado estabelecia os contornos da lide, outorgando ao iudex o poder de condenar ou absolver o réu, conforme fique comprovado a pretensão autoral. No sistema anterior, o juiz popular era livre na apreciação da contenda[3].
Por fim, deu-se o surgimento do processo extraordinário (cognitio extraordinaria), desvinculando de vez o processo do direito privado, passando a ser regido pelo direito público, posto que não havia mais a distinção entre instâncias in iure e apud iudicem, correndo todo o feito diante de um funcionário do Estado incumbido na função de distribuição de justiça. Nesse sistema processual, havia a possibilidade de recurso contra a sentença e a execução do julgado passou a empregar força pública, diferindo substancialmente dos outros sistemas.
Apesar das diferenças presentes em cada um dos sistemas processuais romanos, uma característica permeia todo o processo civil quiritário: a ausência de distinção entre direito objetivo e ação. Ebert Chamoun assim leciona:
“Os conceitos de ius e de actio são inseparáveis, visto que só se pode ter um ius enquanto se tem uma actio e só existe actio quando há um ius. Essa relação é tão estreita que o direito romano, posterior à lei Aebútia, se apresenta, diferentemente dos direitos modernos, não como um sistema de direitos subjetivos, mas como um sistema de actiones. A evolução do direito romano não se caracteriza pela atribuição de direitos subjetivos, mas pela concessão de actiones. Os juristas e o pretor não determinavam as hipóteses em que um direito existia, mas os casos em que havia actiones; sobretudo a atividade do pretor, que não podia criar direitos nem impor obrigações, limitou-se a engendrar meios processuais novos ou mais completos, dos quais surgiram muitos institutos. E, muitas vezes, a natureza do direito decorria da maneira pela qual estavam redigidas as fórmulas das ações. Não é possível, portanto, o conhecimento do direito privado romano sem o estudo do processo civil romano”[4].
Na fase metodológica que ficou conhecida como imanentista ou sincrética, que perdurou durante vários séculos, atravessando o direito medieval, o processo era considerado como meio de exercício dos direitos, era visto apenas em sua realidade física exterior e perceptível aos sentidos. Confundiam-no com o mero procedimento, sem suscitar problemas como a relação jurídica processual ou contraditório[5]. As normas processuais eram tidas como normas adjetivas, ante a ausência de autonomia da ciência processual, sendo este considerado mero apêndice do direito material. Assim professa o ilustre mestre Dinamarco: “(..)os conhecimentos (sobre o processo) eram puramente empíricos, sem qualquer consciência de princípios, sem conceitos próprios e sem a definição de um método”[6].
O sincretismo perdurou até meados do século XIX, onde foram lançadas as bases da ciência processual, com a famosa obra de Oscar Von Bülow, “Die Lehre von den Proceβeinreden und die Proceβvoraussetzugen” (Teoria dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias), inaugurando-se assim a fase autonomista do processo civil, tema de nossa próxima postagem.
Abraços e bons estudos!
Rodrigo Bentemuller (@rodrigoppb)
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[1] CHAMOUN, Ebert Vianna. Instituições de Direito Romano. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1962, p. 124.
[2] Moreira Alves, reportando-se às Institutas de Gaio (IV, 11), noticia que um demandante perdeu o feito, no sistema das ações da lei, por ter empregado o termo uites (videira) ao invés da palavra arbor (árvore), como preceituava a Lei das XII Tábuas com relação à actio de arboribus succisis (ação relativa a árvores cortadas), apesar de, no caso concreto, as árvores abatidas terem sido justamente videiras. In: Direito Romano, vol. I. 13ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 193-194.
[3] ALVES, op. cit., p. 207.
[4] CHAMOUN, op. cit., p. 111-112.
[5] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. I. 4ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 255.
[6] id., ib.
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