Olá prezados, todos bem?

Hoje vamos analisar o julgado mais importante do STJ no INFO 626 para a Fazenda Pública.

1. Entenda o caso.

Imagine que determinado banco tenha cobrado dos servidores municipais uma nova tarifa bancária sob a denominação de “renovação de cadastro” e a cobrado sem autorização prévia.

Referido ato afronta o art. 39, III do CDC que diz:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(…)

III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço.

Igualmente violado o art. 51, I do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.

O Município, tomando conhecimento do fato, por meio de sua Procuradoria, ajuizou ação civil pública para a defesa de direitos individuai homogêneos, no caso, servidores públicos municipais, no sentido de que seja afastada a cobrança da referida taxa.

Em primeiro grau, a sentença foi de procedência.

Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça deu provimento à apelação interposta pela instituição financeira recorrida para reformar a sentença por ausência de representatividade adequadae de pertinência temática do Município na defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores.

Dessa decisão, foi interposto recurso especial a fim de que o STJ decida se tem ou não, o Município, legitimidade para propor ação civil pública para a defesa do interesse individual homogêneo mencionado.

O TJ se apegou ao fato de que a ACP foi proposta no interesse de servidores municipais, sendo esse o motivo maior para a provimento do apelo do banco.

2. O que pensa o STJ?

O STJ entendeu que o fato do Município ter ajuizado ACP no interesse individual homogêneo dos servidores municipais não deve ser razão do reconhecimento de sua ilegitimidade.

Disse que o produto da ACP é sentença genérica que pode ser executada individualmente por qualquer correntista da instituição financeira que instituição a taxa.

De fato, para que se possa aferir a legitimidade ativa do Município na ação de natureza coletiva, é preciso averiguar a presença de interesse social qualificado na tutela dos interesses individuais homogêneos mencionados inicial da ACP.

Assim, disse o STJ: “ainda que tenha sido mencionada como causa de pedir e pedido a cobrança da tarifa de “renovação de cadastro” de servidores municipais, o direito vindicado possui dimensão que extrapola a esfera de interesses puramente particulares dos citados servidores. De fato, foi deduzida na inicial a necessidade de tutela de alegada abusividade na fixação de cláusulas contratuais e de supostas práticas que impliquem o fornecimento de serviços ao consumidor sem solicitação prévia (arts. 39, III, e 51, I, do CDC), que podem ter se estendido a todos os correntistas da instituição financeira recorrida.”

Acerca da legitimidade extraordinária do Município para a promoção de ACP, disse o STJ:

  1. Os entes federativos ou políticos, enquanto gestores da coisa pública e do bem comum, são, em tese, os maiores interessados na defesa dos interesses metaindividuais.
  2. Trata-se, em verdade, de dever-poder, decorrente da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público, a impor aos entes políticos o dever de agir na defesa de interesses metaindividuais, por serem seus poderes irrenunciáveis e destinados à satisfação dos interesses públicos.
  3. Ademais, a legitimação dos entes políticos para a defesa de interesses metaindividuais é justificada pela qualidade de sua estrutura, capaz de conferir maior probabilidade de êxito na implementação da tutela coletiva.

Sobre a pertinência temática e representatividade adequada dos entes políticos, disse o STJ:

  1. Quanto aos entes políticos, da Administração Direta, que tem o dever-poder de defender o interesse público, não se questiona sua pertinência temática ou representatividade adequada, por serem presumidas.
  2. De fato, ainda que o art. 5º da Lei 7.347⁄85 (Lei da Ação Civil Pública) não tenha delimitado com clareza a exigência de pertinência temática e de representatividade adequada em relação aos legitimados nela previstos, é certo não existirem dúvidas de que “estão fora dessa questão os demais co-legitimados – Ministério Público e entes políticos –, posto (sic)ser inquestionável que dentre suas finalidades institucionais está a proteção de valores fundamentais, como o patrimônio cultural e ambiental, o erário público, a defesa coletiva dos consumidores” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores (Lei 7.347⁄85 e legislação complementar). 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 124, sem destaque no original).
  3. No que se refere especificamente à defesa de interesses individuais homogêneos dos consumidores, o Município é o ente político que terá maior contato com as eventuais lesões cometidas contra esses interesses, pois, “por certo, será no Município que esses fatos ensejadores da ação civil pública se farão sentir com maior intensidade […]em face da proximidade, da imediatidade entre ele e seus munícipes” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pág. 165).

 Com todos esses argumentos, concluiu o STJ:

Município tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias.

3. Resumindo

Em resumo, quais lições tiramos do julgado do STJ para nossos estudos da Fazenda Pública?

  1. Não se questiona a pertinência temática e representatividade adequada dos entes políticos nas ações civis públicas eis que presumida.
  2. Para se verificar a legitimidade em ACP proposta pelo Poder Público é preciso averiguar a presença de interesse social qualificado na tutela dos interesses coletivos.
  3. Município tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos consumeristas questionando a cobrança de tarifas bancárias, ainda que no interesse de seus servidores eis que força executiva do julgado na ACP não estará completa, pois a definição dos demais elementos indispensáveis – quem é o titular do direito (cui debeatur) e o quantum debeatur– ocorre em outra sentença, proferida na segunda fase da ação civil coletiva, na denominada ação de cumprimento, quando qualquer correntista do banco infrator pode executar individualmente o comando da ACP.

Excelente julgado para a Fazenda Pública que certamente estará nos próximos concursos da Advocacia Pública.

Forte abraço, Ubirajara Casado.

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