A doutrina costuma apontar as tutelas provisórias como espécies de tutelas diferenciadas, que ou antecipam a realização do direito pleiteado (tutela antecipada ou satisfativa do direito material) ou asseguram a futura realização desse direito (tutela cautelar ou não satisfativa do direito material, que resguarda os efeitos de um processo).
Tais tutelas são chamadas de provisórias pelo fato de serem produzidas em cognição sumária, em um juízo de probabilidade, não havendo definitividade e coisa julgada material.
A primeira espécie – tutela cautelar – tem a finalidade de assegurar a viabilidade da realização de um direito controvertido. É por essa razão que se diz que a tutela cautelar “não tem um fim em si mesmo, mas visa apenas à garantia do resultado útil do processo”. Por exemplo, a tutela cautelar de arresto (NCPC, art. 301) serve para evitar que os bens do devedor sejam alienados ou transferidos para terceiros, com o intuito de evitar a frustração da execução ou a lesão dos credores.
Dito isto, pode-se dizer que na tutela cautelar, há a referibilidade a um direito acautelado e, por isso, não pode ter conteúdo satisfativo, já que, uma vez realizado o direito material, nada mais restaria para ser assegurado, pela perda do objeto em litígio. Tal referibilidade existe entre a medida processual (v.g., arresto ou sequestro) e a tutela satisfativa (v.g., o direito de crédito), enquanto que na tutela satisfativa não existe essa referibilidade, pois não há um direito acautelado, podendo-se obter resultado, total ou parcialmente, coincidente com o que pode ser gerado pela decisão final.
Reunindo as principais distinções e semelhanças entre estas tutelas provisórias, colaciona-se o quadro elaborado pelo prof. Haroldo Lourenço:
Tutelas Provisórias |
Antecipada |
Cautelar |
Semelhanças |
Sumariedade, temporariedade, não definitividade, podem ser antecedentes ou incidentais, exigem fumus boni iuris e periculum in mora. | |
Distinções |
Satisfaz imediatamente o direito material; | Não satisfaz o direito material, somente assegura a futura satisfação; |
O requerente já usufrui imediatamente de parte do direito afirmado ou, pelo menos, dos efeitos da procedência; | O requerente não usufruirá, imediatamente, do direito afirmado; | |
Coincidem o conteúdo da tutela e o conteúdo pretendido com a sentença; | Não há coincidência entre o postulado na cautelar e o postulado ao final no processo principal; | |
Em regra, exige-se requerimento. | Pode ser deferida de ofício. |
Superadas tais considerações, questão que põe é se existe fungibilidade entre as tutelas provisórias (cautelar e antecipada) e, havendo, qual seria o grau desta fungibilidade.
Inicialmente, vale dizer que dois instrumentos processuais são fungíveis quando, havendo dúvida objetiva sobre qual deles deve ser utilizado, admite-se a utilização de ambos, para que a parte que poderia obter o benefício não venha a ser prejudicada.
Na legislação processual anterior, a Lei 10.444/2002 contemplou a fungibilidade entre as tutelas cautelares e antecipatória, no § 7º, do art. 273 do então CPC/73, da seguinte maneira: “Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os pressupostos respectivos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado”.
Em interpretação literal, a referida regra somente viabilizaria a concessão, no interior do processo de conhecimento, de tutela cautelar que foi, incorretamente, denominada de tutela antecipada. No entanto, o dispositivo teve exegese mais ampla, para contemplar duas situações: (i) quando fosse caso de tutela antecipatória e o demandante tivesse ajuizado ação cautelar incidental e (ii) quando fosse caso de tutela cautelar e o autor ajuizasse ação de conhecimento, com pedido de tutela antecipada.
O NCPC não prevê uma regra com alcance semelhante à do art. 273, § 7º, do CPC/73, já que o art. 305, parágrafo único, do NCPC apenas trata da fungibilidade da tutela cautelar requerida em caráter antecedente. Vejamos o dispositivo:
Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.
Tal hipótese configura uma espécie de fungibilidade progressiva, convertendo-se a medida cautelar em satisfativa (saindo de uma situação menos agressiva para uma mais agressiva).
Nada obstante o silêncio do legislador, a doutrina vem entendendo que o caminho inverso (da tutela antecipada para a cautelar) também merece acolhida, uma vez que a “fungibilidade é de mão dupla”. Ou seja: doutrinariamente, valendo-se da analogia, admite-se a fungibilidade regressiva entre as tutelas provisórias (conversão da tutela satisfativa em cautelar; saindo de uma situação mais agressiva para uma menos agressiva).
Daniel Assumpção, a despeito, pondera:
“Curiosamente, o Novo Código de Processo Civil deixa de prever expressamente o caminho inverso, mantendo a falsa impressão de que a fungibilidade entre as diferentes espécies de tutela de urgência pode ter apenas uma via de direção. A omissão legislativa, ainda que pouco elogiável, não terá força para afastar a lógica de se aplicar a fungibilidade de tutela cautelar para antecipada e vice-versa”. (Novo CPC, 2016, São Paulo, Método, p. 220).
No mesmo sentido é o magistério de Fredie Didier Jr, para o qual “fica admitida uma fungibilidade de mão dupla, exigindo-se, contudo, que venha acompanhada da conversão do procedimento inadequado para aquele que é o adequado por força de lei”.
Essa é a inteligência já consolidada, também, no Enunciado 502 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Caso o juiz entenda que o pedido de tutela antecipada em caráter antecedente tenha natureza cautelar, observará o disposto no art. 305 e seguintes”.
Com isso, podemos concluir o seguinte: se o pedido tem natureza satisfativa, mas foi postulado como tutela cautelar antecedente, cabe ao juiz examinar o requerimento de acordo com a sua verdadeira natureza. Da mesma forma, se o pedido tem natureza de tutela cautelar, mas foi chamado pelo autor de tutela antecipada, o juiz deve decidir em conformidade com a verdadeira natureza do requerimento, mesmo porque ambas são hipóteses de tutela de urgência. É nesse sentido o magistério de Marcelo Abelha:
Considerando que a tutela cautelar ou a antecipada (satisfativa) possuem os mesmos fundamentos para a sua concessão e que vivem sob o mesmo rótulo da urgência, e considerando que a distinção entre ambas está nos fins a que se destinam, é inegável que o discrimen entre uma e outra não esteja, sempre, de modo tão evidente, podendo existir situações nas quais seja difícil identificar se a hipótese é ou não cautelar ou antecipada. É claro que se deve admitir a fungibilidade entre ambas, pois foi justamente em razão dessa similitude que ambas estão sob o mesmo Título V da Parte Geral do CPC (tutelas provisórias).
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