Antes do tema, tratemos de revisar alguns pontos importantes.

“Repercussão geral:

Segundo previsão do art. 543-A do CPC, o STF não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele tratada não apresentar repercussão geral, assim considerada com a existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

O objetivo do instituto, que tem suas origens na anterior “arguição de relevância”, é limitar os casos que serão decididos pelo STF, diante de sua função primordial de guardião da Constituição. Assim, ao Supremo apenas caberá a análise de demandas que tenham forte impacto nacional, e não que se limitem às partes da demanda.

Para comprovar a repercussão geral de seu recurso, portanto, a parte deverá, em preliminar, comprovar que a questão nele tratada possui relevância econômica, política, social ou jurídica.

Nesse aspecto, é importante observar que esta comprovação, através de preliminar específica, constitui pressuposto formal de admissibilidade do recurso, de modo que sua simples ausência impedirá a própria admissibilidade, pelo Tribunal de origem, do RE interposto:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AUSÊNCIA DE PRELIMINAR DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. A parte recorrente não apresentou preliminar formal e fundamentada de repercussão geral das questões constitucionais discutidas, o que atrai a incidência do art. 327, § 1º, do RI/STF. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Questão de Ordem no AI 664.567, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, decidiu que “é de exigir-se a demonstração de repercussão geral das questões constitucionais discutidas em qualquer recurso extraordinário, incluído o criminal”. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(ARE 874785 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 19/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 02-06-2015 PUBLIC 03-06-2015)

É preciso também observar o seguinte: a existência de preliminar específica será apreciada já pelo Presidente do tribunal de origem, a fim de averiguar a admissibilidade do recurso com base no cumprimento de todos os pressupostos de admissibilidade recursal. Contudo, a efetiva existência de repercussão geral do tema somente será analisada pelo STF, exame este que se dá em Plenário virtual.

Como explica Fredie Didier, uma vez apresentada a preliminar de repercussão geral, vigorará uma presunção de sua existência, eis que apenas pelo quórum qualificado de 2/3 dos membros do STF é que ela poderá ser afastada.

Decidida a questão em Plenário Virtual, teremos o seguinte:

  • Se o STF entender que a matéria não possui repercussão geral, os recursos sobrestados serão automaticamente considerados como não admitidos;
  • Se reconhecer a existência da repercussão, os demais recursos extraordinários interpostos que versarem sobre a mesma matéria deverão ficar sobrestados na Corte de origem, aguardando posição final do STF.

E, uma vez julgado o recurso representativo da controvérsia, caberá ao tribunal de origem realizar, nos casos que tenham sido decididos contrariamente à posição do Supremo, o juízo de retratação. Nos demais casos, em que o acórdão recorrido estiver em consonância com a posição do STF, os recursos extraordinários interpostos serão declarados prejudicados.

Essa é, em linhas bem gerais, a sistemática da repercussão geral.

Recurso repetitivo:

A sistemática do recurso repetitivo não difere em muitas coisas da repercussão geral.

A diferença principal está na matéria, eis que a repercussão geral exige temática constitucional que supere o interesse das partes, enquanto a sistemática do recurso repetitivo é aplicável para os casos em que houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito.

Como se observa, o objetivo do recurso repetitivo é permitir que seja consolidada uma única interpretação para casos semelhantes que se repetem na Justiça, ainda que a matéria não possua grande impacto social, político ou econômico. Seu objetivo principal, portanto, é reduzir o número de processos com a mesma temática, ainda que o ponto de conflito seja uma questão processual, e não de mérito.

Por conta disso, não há qualquer exigência no sentido de que o recorrente apresente uma preliminar específica de que a demanda é repetitiva, até mesmo por não competir ao recorrente comprovar a semelhança do seu caso a vários outros. Será esse um juízo a ser feito pelo Tribunal de origem ou, caso não o faça, ao STJ, que determinará a suspensão dos processos que versem sobre o mesmo tema aos tribunais de segunda instância.

Uma vez realizada a afetação, os recursos sobre o mesmo tema ficarão sobrestados nos tribunais de origem.

Com o julgamento do representativo e a publicação do acórdão, os recursos especiais sobrestados na origem terão seguimento denegado, se contrários à posição fixada pelo STJ; ou serão objeto de retratação pelo próprio Tribunal de origem, caso concordantes com a posição da Corte de Justiça.”

Feitos esses esclarecimentos, analisemos a situação abaixo:

Joaquim interpôs recurso extraordinário alegando violação aos artigos x e y da Constituição, os quais versavam sobre um único ponto de inconformismo.

O tema tratado no seu recurso consistia em tema com repercussão geral reconhecida e já decidida pelo STF. O inconformismo de Joaquim residia no fato de o acórdão por ele recorrido ter decidido de forma contrária à posição fixada pelo STF.

Ao realizar o juízo de admissibilidade, então, o Presidente do TRF, sob a sistemática do art. 543-B do CPC, julga prejudicado o recurso, por entender que a matéria já está pacificada pelo STF.

Qual recurso deverá ser interposto por Joaquim para demonstrar a divergência existente entre a posição do STF e o acórdão por ele recorrido?

Agravo interno/regimental.

Segundo decidido na Questão de Ordem no AI 760.358, nas hipóteses em que a repercussão geral for indevidamente aplicada pelo Presidente do Tribunal de origem, caberá à parte afetada interpor agravo interno, a fim de que a questão seja novamente levada ao colegiado, para adequação do acórdão proferido à posição fixada pelo Supremo Tribunal Federal, isto é, para o exercício da retratação:

Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM (ART. 543-B DO CPC). INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO PREVISTO NO ART. 544 DO CPC. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA JULGAMENTO DO RECURSO COMO AGRAVO INTERNO. CABIMENTO SOMENTE PARA OS RECURSOS INTERPOSTOS ANTES DE 19/11/2009. CONFIGURAÇÃO DE ERRO GROSSEIRO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido do não cabimento do agravo previsto no art. 544 do Código de Processo Civil para atacar decisão a quo que aplica a sistemática da repercussão geral (AI 760.358-QO/SE, Rel. Min. Gilmar Mendes). II – Inaplicável o princípio da fungibilidade recursal para se determinar a conversão do presente recurso em agravo regimental a ser apreciado pela origem, porquanto esta Corte fixou o entendimento de que após 19/11/2009, data em que julgado o AI 760.358-QO/SE, a interposição do agravo previsto no art. 544 do CPC configura erro grosseiro. III – Agravo regimental a que se nega provimento.
(ARE 853222 ED, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-069 DIVULG 13-04-2015 PUBLIC 14-04-2015)

Como a ementa acima deixa claro, nesse caso, é considerado erro grosseiro a interposição do agravo do art. 544 do CPC, eis que o juízo de retratação é de competência do próprio Tribunal de origem, não se podendo pretender sua realização diretamente pelo STF, por expressa previsão do art. 543-B, §3º, do CPC.

Assim, interposto o agravo do art. 544 do CPC, não será possível a aplicação do princípio da fungibilidade, devendo o recurso ser inadmitido.”

Desse modo, fixou-se o entendimento de que, nas hipóteses em que o recurso é declarado prejudicado por força da sistemática do recurso repetitivo/repercussão geral, o agravo cabível será o interno/regimental, e não o do art. 544 do CPC, sob pena de erro grosseiro que, assim, impede a aplicação do princípio da fungibilidade.

Essa posição continua firme?

  • Para o STF: SIM

Segundo a mesma linha do julgado acima, a Corte Suprema permanece compreendendo como inaplicável o princípio da fungibilidade em tais casos, conforme destaca precedente recente:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO PREVISTO NO ART. 544 DO CPC. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. CABIMENTO SOMENTE PARA OS RECURSOS INTERPOSTOS ANTES DE 19/11/2009. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Não é cabível agravo para a correção de suposto equívoco na aplicação da repercussão geral, consoante firmado no julgamento do AI 760.358-QO/SE, Rel. Min. Gilmar Mendes. II – A aplicação do princípio da fungibilidade recursal, com a devolução dos autos para julgamento pelo Tribunal de origem como agravo regimental, só é cabível nos processos interpostos antes de 19/11/2009. III – Agravo regimental a que se nega provimento.

(ARE 674295 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 24/09/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 02-10-2015 PUBLIC 05-10-2015)

Como se observa, o limite temporal fixado em 19/11/2009 dá-se justamente com base na data em que o STF definiu a matéria. Se o agravo equivocado foi interposto antes disso, considerando que, à época, pairava dúvida relevante sobre o tema, poderá ser aplicada a fungibilidade; se interposto posteriormente, será hipótese de erro grosseiro.

  • Para o STJ: NÃO.

Segundo decidiu recentemente a Corte de Justiça, é preciso observar que o art. 544 do CPC prevê o cabimento de agravo contra a decisão que inadmite o recurso especial, sem especificar o fundamento utilizado para a negativa de seguimento do apelo extraordinário.

Assim, a adoção de interpretação restritiva, que considere erro grosseiro a interposição do agravo do art. 544 nos casos de aplicação da sistemática do recurso repetitivo, acabaria por afastar a máxima efetividade por ela buscada.

Aplicável, portanto, o princípio da fungibilidade na hipótese, considerando que a parte se vale de instrumento previsto também na lei processual:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRÂMITE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO FUNDAMENTADA NO ART. 543-C, § 7°, I, DO CPC.

Na hipótese em que for interposto agravo em recurso especial (art. 544 do CPC) contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543-C, § 7°, I, do CPC, o STJ remeterá o agravo do art. 544 do CPC ao Tribunal de origem para sua apreciação como agravo interno.No julgamento da QO no Ag 1.154.599-SP (Corte Especial, DJe 12/5/2011), o STJ assentou o entendimento de que não cabe agravo em recurso especial (art. 544 do CPC) contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543-C, § 7º, I, do CPC, podendo a parte interessada manejar agravo interno ou regimental na origem, demonstrando a especificidade do caso concreto. Entretanto, o art. 544 do CPC prevê o cabimento de agravo contra a decisão que não admite o recurso especial sem fazer distinção acerca do fundamento utilizado para a negativa de seguimento do apelo extraordinário. O não cabimento do agravo em recurso especial (art. 544 do CPC), na hipótese em que o recurso especial sobrestado na origem tiver o seu seguimento denegado quando o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ, deriva de interpretação adotada por este Tribunal Superior, a fim de obter a máxima efetividade da sistemática dos recursos representativos da controvérsia, implementada pela Lei 11.672/2008. A par disso, se equivocadamente a parte interpuser o agravo do art. 544 do CPC contra a referida decisão, por não configurar erro grosseiro, cabe ao STJ remeter o recurso ao Tribunal de origem para sua apreciação como agravo interno. AgRg no AREsp 260.033-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 5/8/2015, DJe 25/9/2015.

Lança-se, assim, nova divergência entre STJ e STF, a qual pode ser resumida da seguinte forma:

 

STF

STJ

Haverá erro grosseiro na interposição do agravo do art. 544 do CPC nas hipóteses em que o recurso extraordinário for declarado prejudicado a partir da sistemática da repercussão geral.

Assim sendo, inaplicável o princípio da fungibilidade.

Não há erro grosseiro na interposição do agravo do art. 544 do CPC nas hipóteses em que o recurso especial for declarado prejudicado a partir da sistemática do recurso repetitivo, pois o art. 544 prevê o agravo como cabível, sem especificar o fundamento da decisão de inadmissão.

Assim, aplicável o princípio da fungibilidade na hipótese.