O tema objeto da ADC 16, já tão analisado e cobrado em provas de concursos públicos, voltou à tona mais uma vez, desta feita em razão do julgamento da Rcl 27789 AgR/BA pelo Supremo Tribunal Federal em 17/10/2017.

Em síntese, ao julgar a Reclamação acima mencionada, o STF concluiu que, para o ajuizamento de Reclamação com fundamento no julgado da ADC 16, é conditio sine qua non o esgotamento das vias ordinárias. Para entender melhor o julgado, é prudente realizar uma breve digressão histórica acerca do tema.

Em 24/11/2010, a Suprema Corte julgou PROCEDENTE a ADC 16 para reconhecer a constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, o qual impede a transferência automática dos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais à Administração, resultantes de contratos celebrados com o Poder Público. Dito de outro modo, a Corte Constitucional concluiu que a mera inadimplência do contratado no que tange aos compromissos trabalhistas, fiscais e comerciais não seria suficiente para transferir à Administração a responsabilidade pelo pagamento. Assim restou ementado o julgado:

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. (ADC 16, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00001 RTJ VOL-00219-01 PP-00011)

Em 26/04/2017 (acórdão publicado em 02/05/2017), o STF voltou a se debruçar sobre o tema objeto da ADC 16, desta vez ao analisar o RE 760931/DF. Nessa oportunidade, o STF reafirmou o entendimento segundo o qual o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, conforme preceitua o art. 71, §1º, da Lei 8.666/93. Eis excerto do julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA COM REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. TERCEIRIZAÇÃO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SÚMULA 331, IV E V, DO TST. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 71, § 1º, DA LEI Nº 8.666/93. TERCEIRIZAÇÃO COMO MECANISMO ESSENCIAL PARA A PRESERVAÇÃO DE POSTOS DE TRABALHO E ATENDIMENTO DAS DEMANDAS DOS CIDADÃOS. HISTÓRICO CIENTÍFICO. LITERATURA: ECONOMIA E ADMINISTRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO. RESPEITO ÀS ESCOLHAS LEGÍTIMAS DO LEGISLADOR. PRECEDENTE: ADC 16. EFEITOS VINCULANTES. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO EM CASOS SEMELHANTES.

(…)

6. A Administração Pública, pautada pelo dever de eficiência (art. 37, caput, da Constituição), deve empregar as soluções de mercado adequadas à prestação de serviços de excelência à população com os recursos disponíveis, mormente quando demonstrado, pela teoria e pela prática internacional, que a terceirização não importa precarização às condições dos trabalhadores. 7. O art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, ao definir que a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, representa legítima escolha do legislador, máxime porque a Lei nº 9.032/95 incluiu no dispositivo exceção à regra de não responsabilização com referência a encargos trabalhistas. 8. Constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 já reconhecida por esta Corte em caráter erga omnes e vinculante: ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010. 9. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte admitida, julgado procedente para fixar a seguinte tese para casos semelhantes: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”. (RE 760931, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-206 DIVULG 11-09-2017 PUBLIC 12-09-2017)

Finalmente, em 17/10/2017, a Suprema Corte entendeu que, a partir de 02/05/2017 (data da publicação do julgamento do RE 760931/DF), tornou-se inviável a propositura de Reclamação com fundamento no julgado da ADC 16 sem que antes fossem esgotadas as vias ordinárias. Isto porque, segundo o entendimento do STF, a decisão prolatada no RE 760931 substituiu a eficácia erga omnes e vinculante da tese firmada na ADC 16. Confira a ementa:

DIREITO DO TRABALHO E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. ART. 71, § 1º, DA LEI Nº 8.666/1993. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO POR DÍVIDAS TRABALHISTAS EM CASO DE TERCEIRIZAÇÃO. ADC 16. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO TEMA 246 DA REPERCUSSÃO GERAL. NOVO PARÂMETRO. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou, no julgamento do RE 760.931, Rel. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, a seguinte tese: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93″ (tema 246 da repercussão geral). 2. A partir de 02.05.2017, data da publicação da ata do referido julgamento, tornou-se inviável reclamação com fundamento no julgado da ADC 16. 3. A alegação de descumprimento da tese firmada em repercussão geral exige o esgotamento das vias ordinárias (art. 988, § 5º, II, do CPC/2015). 4. Agravo interno desprovido. (Rcl 27789 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-265 DIVULG 22-11-2017 PUBLIC 23-11-2017).

Ao entender que a decisão do Recurso Extraordinário, a qual possui efeitos inter partes, substituiu aquela prolatada na ADC 16, o STF passou a aplicar ao caso concreto o art. 988, §5º, II, do CPC/15, o qual assim preconiza:

  • 5º É inadmissível a reclamação: (…)

II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

Assim, a Fazenda Pública não possui mais a faculdade de ajuizar Reclamação diretamente no STF alegando suposta violação ao entendimento firmado no âmbito da ADC 16 sem antes esgotar as instâncias ordinárias. Isso porque, nos termos do art. 988, §5º, II, do CPC/15, a reclamação contra decisão prolatada em sede de recurso extraordinário exige o esgotamento das vias ordinárias. Nesse sentido, como a Suprema Corte entendeu que a decisão da ADC 16 foi substituída pelo RE 760931/DF, restou inviável o uso da Reclamação diretamente no STF na presente hipótese.

Em síntese: se houver descumprimento de decisão do STF proferida em sede de controle concentrado (abstrato) de constitucionalidade, é possível o ajuizamento de Reclamação sem a necessidade do esgotamento das instâncias ordinárias; por sua vez, caso a decisão descumprida tenha sido prolatada em recurso extraordinário (seja ele apenas com repercussão geral reconhecida ou submetido à sistemática dos recursos repetitivos), a Reclamação apenas será possível se antes restarem esgotadas as vias ordinárias.

Portanto, o tema que já era exigido exaustivamente em provas de concurso público, com toda certeza passará a abordar esta nova vertente processual.

 

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