A imunidade parlamentar material, prevista no art. 53, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estabelece que os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões palavras e votos.

Também conhecido como inviolabilidade, este instituto preserva o parlamentar quando, no exercício do seu mandato, externar opiniões, palavras e votos que, de alguma forma, venham a atingir a honra de terceiros.

O STF possui entendimento consolidado no sentido de que a imunidade parlamentar é absoluta caso as manifestações do pensamento do congressista sejam externadas dentro da Casa Legislativa a qual estiver vinculado. Dito de outro modo, ainda que a manifestação seja totalmente dissociada do exercício do mandato, o fato de ter sido proferida dentro do ambiente legislativo, por si só, é capaz de fazer incidir a imunidade parlamentar em seu viés material.

Eis ementa de julgado nesse sentido:

EMENTA QUEIXA. IMPUTAÇÃO DE CRIME CONTRA A HONRA SUPOSTAMENTE PRATICADO POR SENADOR DA REPÚBLICA NO RECINTO DO SENADO FEDERAL. IMUNIDADE MATERIAL ABSOLUTA. ART. 53, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. 1. O reconhecimento da inviolabilidade dos Deputados e Senadores por opiniões, palavras e votos, segundo a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, exige vínculo causal entre as supostas ofensas e o exercício da atividade parlamentar. 2. Tratando-se de ofensas irrogadas no recinto do Parlamento, a imunidade material do art. 53, caput, da Constituição da República é absoluta. Despiciendo, nesse caso, perquirir sobre a pertinência entre o teor das afirmações supostamente contumeliosas e o exercício do mandato parlamentar. Precedentes. 3. Queixa rejeitada. (Inq 3814, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 07/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-207 DIVULG 20-10-2014 PUBLIC 21-10-2014)

Todavia, ao julgar o INQ 3932/DF e a PET 5243/DF, o STF recebeu denúncia e queixa-crime propostas contra o Deputado Jair Bolsonaro pela prática dos crimes previstos nos artigos 286 e 140 do Código Penal.

No caso analisado pela Suprema Corte, as primeiras declarações do parlamentar foram reverberadas da tribuna da Casa Legislativa a qual pertence, fazendo incidir, portanto, a já mencionada imunidade parlamentar material de forma absoluta. No entanto, as declarações foram repetidas a veículo de imprensa, o que elimina o elemento espacial referente ao ambiente do Congresso Nacional, transmudando a imunidade de absoluta para relativa, conforme entendimento do STF.

Nesse sentido, tratando-se de declarações externadas a veículo de imprensa, cujo conteúdo não possui qualquer vinculação com o exercício da função legislativa, ainda que a entrevista tenha se dado dentro do gabinete do parlamentar, não incide a imunidade prevista no art. 53 da CFRB/88.

Assim, parece precipitado afirmar que a Suprema Corte superou seu entendimento acerca da imunidade parlamentar material absoluta, vez que, no voto do Min. Relator Luiz Fux ficou claro que a denúncia apenas estava sendo recebida porque as manifestações foram repetidas à veículo de imprensa, em momento posterior ao pronunciamento da Tribuna da Casa Legislativa. Eis trecho da ementa do julgado:

PENAL. DENÚNCIA E QUEIXA-CRIME. INCITAÇÃO AO CRIME, INJÚRIA E CALÚNIA. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO OFERECIMENTO. MANIFESTAÇÃO DE DESINTERESSE PELO ACUSADO. IMUNIDADE PARLAMENTAR. INCIDÊNCIA QUANTO ÀS PALAVRAS PROFERIDAS NO RECINTO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS. ENTREVISTA. AUSENTE CONEXÃO COM O DESEMPENHO DA FUNÇÃO LEGISLATIVA. INAPLICABILIDADE DO ART. 53 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL QUANTO AOS DELITOS DE INCITAÇÃO AO CRIME E DE INJÚRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E REJEIÇÃO PARCIAL DA QUEIXA-CRIME, QUANTO AO CRIME DE CALÚNIA.

(…) In casu, (i) a entrevista concedida a veículo de imprensa não atrai a imunidade parlamentar, porquanto as manifestações se revelam estranhas ao exercício do mandato legislativo, ao afirmar que “não estupraria” Deputada Federal porque ela “não merece”; (ii) o fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em que concedeu a entrevista é fato meramente acidental, já que não foi ali que se tornaram públicas as ofensas, mas sim através da imprensa e da internet; (iii) a campanha “#eu não mereço ser estuprada”, iniciada na internet em seguida à divulgação das declarações do Acusado, pretendeu expor o que se considerou uma ofensa grave contra as mulheres do país, distinguindo-se da conduta narrada na denúncia, em que o vocábulo “merece” foi empregado em aparente desprezo à dignidade sexual da mulher.

(…) (i) A imunidade parlamentar incide quando as palavras tenham sido proferidas do recinto da Câmara dos Deputados: “Despiciendo, nesse caso, perquirir sobre a pertinência entre o teor das afirmações supostamente contumeliosas e o exercício do mandato parlamentar” (Inq. 3814, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unânime, j. 07/10/2014, DJE 21/10/2014). (ii) Os atos praticados em local distinto escapam à proteção da imunidade, quando as manifestações não guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato parlamentar.

(…) Ex positis, à luz dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, recebo a denúncia pela prática, em tese, de incitação ao crime; e recebo parcialmente a queixa-crime, apenas quanto ao delito de injúria. Rejeito a Queixa-Crime quanto à imputação do crime de calúnia. (Inq 3932, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 21/06/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-192 DIVULG 08-09-2016 PUBLIC 09-09-2016)

Para demonstrar a manutenção do entendimento, em 2017 o STF assim decidiu em caso análogo:

EMENTA: DIREITO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE PARLAMENTAR. PRECEDENTE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a imunidade parlamentar material incide de forma absoluta quanto às declarações proferidas no recinto do Parlamento e os atos praticados em local distinto escapam à proteção absoluta da imunidade somente quando não guardarem pertinência com o desempenho das funções do mandato parlamentar. 2. Esta Corte entende que, embora indesejáveis, as ofensas pessoais proferidas no âmbito da discussão política, respeitados os limites trazidos pela própria Constituição, não são passíveis de reprimenda judicial. Imunidade que se caracteriza como proteção adicional à liberdade de expressão, visando a assegurar a fluência do debate público e, em última análise, a própria democracia. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo interno a que se nega provimento. (RE 443953 ED, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 19/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-143 DIVULG 29-06-2017 PUBLIC 30-06-2017)

Portanto, em síntese: a imunidade parlamentar material será absoluta caso a manifestação se dê dentro do Parlamento; por sua vez, será relativa caso a ofensa ocorra em ambiente espacial diverso da Casa Legislativa, devendo guardar consonância com o exercício do mandato.

Por fim, apenas a título de complementação do tema ora em análise, cumpre destacar que a imunidade material do vereador se restringe aos limites da circunscrição do município, devendo guardar pertinência temática com o exercício do mandato. Assim decidiu a Suprema Corte em repercussão geral:

CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INVIOABILIDADE CIVIL DAS OPINIÕES, PALAVRAS E VOTOS DE VEREADORES. PROTEÇÃO ADICIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO. AFASTAMENTO DA REPRIMENDA JUDICIAL POR OFENSAS MANIFESTADAS NO EXERCÍCIO DO MANDATO E NA CIRCUNSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Vereador que, em sessão da Câmara, teria se manifestado de forma a ofender ex-vereador, afirmando que este “apoiou a corrupção […], a ladroeira, […] a sem-vergonhice”, sendo pessoa sem dignidade e sem moral. 2. Observância, no caso, dos limites previstos no art. 29, VIII, da Constituição: manifestação proferida no exercício do mandato e na circunscrição do Município. 3. A interpretação da locução “no exercício do mandato” deve prestigiar as diferentes vertentes da atuação parlamentar, dentre as quais se destaca a fiscalização dos outros Poderes e o debate político. 4. Embora indesejáveis, as ofensas pessoais proferidas no âmbito da discussão política, respeitados os limites trazidos pela própria Constituição, não são passíveis de reprimenda judicial. Imunidade que se caracteriza como proteção adicional à liberdade de expressão, visando a assegurar a fluência do debate público e, em última análise, a própria democracia. 5. A ausência de controle judicial não imuniza completamente as manifestações dos parlamentares, que podem ser repreendidas pelo Legislativo. 6. Provimento do recurso, com fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: nos limites da circunscrição do Município e havendo pertinência com o exercício do mandato, os vereadores são imunes judicialmente por suas palavras, opiniões e votos. (RE 600063, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 25/02/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-090 DIVULG 14-05-2015 PUBLIC 15-05-2015).