Olá a todos os(as) leitores(as) do blog!

Inicio minha participação com um tema de Direito Administrativo, mais especificamente de Controle da Administração Pública, cuja tônica foi recentemente abordada no informativo 783 do STF.

Como é cediço, a nossa ordem jurídica permite o controle de legalidade e legitimidade (também chamado de controle de juridicidade) das atividades e atos administrativos do Poder Executivo e do Poder Legislativo pelo Poder Judiciário. O objetivo desse tipo de controle é o exame da legalidade e legitimidade do ato ou atividade administrativa.

A doutrina aponta que, como regra, não se admite a “invasão” do mérito de um ato administrativo praticado por um Poder. Sendo assim, o mérito do ato administrativo praticado pelo Poder Legislativo, por exemplo, em regra, não está sujeito ao controle do Poder Judiciário.

Nessa linha de raciocínio, não se deve confundir a vedação a que o Judiciário aprecie o mérito administrativo com a possibilidade de aferição judicial da legalidade ou legitimidade dos atos discricionários. Controle de mérito é sempre de controle de conveniência e oportunidade, resultando em revogação ou não do ato, nunca em sua anulação. O Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional, não revoga os atos administrativos praticados por outro Poder, somente os anula, se houver ilegalidade ou ilegitimidade.

Portanto, o Poder Judiciário, se provocado for, pode controlar a legalidade ou legitimidade de um ato discricionário, quanto a qualquer elemento desse ato, inclusive quanto ao elemento motivo e objeto. Em um ato discricionário o Poder Judiciário pode apreciar quanto à legalidade e à legitimidade, a sua competência, finalidade, forma, motivo e objeto, ressalvada a existência, nesses elementos motivo e objeto, de uma esfera privativa de apreciação pela Administração Pública (mérito administrativo), estabelecida pela lei. Em suma, o Poder Judiciário controla a legalidade e legitimidade do exercício da discricionariedade.

Segundo a doutrina, os únicos limites importantes ao controle judicial das atividades administrativas são os atos interna corporis e o ato político. Falaremos neste post somente sobre  os atos interna corporis.

Os atos interna corporis são aqueles que envolvem questões ou assuntos que entendem direta e imediatamente com a economia interna da corporação legislativa, com seus privilégios e com a formação ideológica da lei, que, por sua própria natureza, são reservados à exclusiva apreciação e deliberação do Plenário da Câmara. Tais atos são os de escolha da Mesa (eleições internas), os de verificação de poderes e incompatibilidade de seus membros (cassação de mandatos, concessão de licenças etc.) e os de utilização de suas prerrogativas institucionais (modo de funcionamento da Câmara, elaboração de regimento, constituição de comissões, organização de serviços auxiliares etc.) e a valoração das votações.

Veja o que entende o Supremo Tribunal Federal – STF sobre a (im)possibilidade do exercício do Judicial Review nos atos interna corporis:

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO LEGISLATIVO NO CONGRESSO NACIONAL.‘INTERNA  CORPORIS’. Matéria relativa a interpretação, pelo presidente do congresso nacional, de normas de regimento legislativo é imune a critica judiciária, circunscrevendo-se no domínio ‘interna corporis’. Pedido de segurança não conhecido.” (MS 20.471/DF , Rel. Min. FRANCISCO REZEK )

“Mandado  de  segurança  que  visa  a  compelir  a  Presidência  da  Câmara  dos  Deputados a acolher requerimento de urgência – urgentíssima para discussão e votação imediata de projeto de resolução de autoria do impetrante. – Em questões análogas à presente, esta Corte (assim nos MS20.247 e20.471) não  tem  admitido mandado de segurança contra atos do Presidente das Casas Legislativas, com base em regimento interno delas, na condução do processo de feitura de leis. Mandado de segurança indeferido.” (MS 21.374/DF , Rel. Min. MOREIRA ALVES )

Cabe salientar que, apesar do que fora dito, o STF considera lícito o controle judicial apenas quando há referência à Constituição Federal. Assim, considerou imune ao controle judicial a interpretação de normas regimentais (MS 24356/DF, julgado em 13/02/2003) e considerou pertinente esse controle no tocante ao processo legislativo previsto na Constituição Federal (MS-MC 25579/DF, julgado em 19/10/2005).

E trazendo tal assunto para o âmbito concurseiro, como pode cair na prova? Elaborei algumas possíveis questões:

Se a controvérsia é puramente regimental, resultante de interpretação de normas regimentais, trata-se de ato ‘interna corporis’, imune ao controle judicial. RESPOSTA: CERTA.

Em se tratando de questão “interna corporis”, deve ser resolvida, com exclusividade, no âmbito do Poder Legislativo, sendo vedada, em regra, sua apreciação pelo Judiciário. RESPOSTA: CERTA.

Questões atinentes exclusivamente à interpretação e à aplicação dos regimentos das casas legislativas constituem matéria ‘interna corporis’, da alçada exclusiva da respectiva Casa. RESPOSTA: CERTA.

A  correção  de  desvios  exclusivamente  regimentais, por  refletir tema subsumível à noção de atos “interna corporis”, refoge ao âmbito do controle jurisdicional. RESPOSTA: CERTA.

Atos emanados  dos órgãos de direção das Casas do Congresso Nacional – o Presidente da Câmara dos Deputados,  p. ex. –, quando praticados, por eles, nos estritos limites de sua competência e desde que apoiados em fundamentos exclusivamente regimentais, sem qualquer conotação de índole jurídico-constitucional, revelam-se  imunes  ao “judicial review”, pois a  interpretação  de normas de índole meramente regimental, por  qualificar-se como típica matéria “interna corporis”, suscita  questão  que  se  deve  resolver, “exclusivamente, no âmbito do Poder Legislativo, sendo vedada sua apreciação pelo Judiciário. Resposta: CERTA.

Tratando-se, em consequência, de matéria sujeita à exclusiva  esfera  da interpretação  regimental, não haverá como incidir a “judicial review”, eis  que – tal  como  proclamado  pelo  Supremo  Tribunal  Federal – a  exegese “de normas de regimento legislativo é imune à crítica judiciária, circunscrevendo-se no domínio ‘interna corporis’”. As  questões “interna corporis” excluem-se, por isso mesmo, em  atenção  ao princípio da divisão funcional do poder – que constitui expressão de uma das decisões políticas fundamentais consagradas pela Carta da República –, da  possibilidade  de controle jurisdicional, devendo resolver-se, exclusivamente, na esfera de atuação da própria instituição legislativa. Resposta: CERTA.

Diante de tudo o que foi dito, concluo este post asseverando que:

  • a-) como regra, deve haver o controle de legalidade e legitimidade (também chamado de controle de juridicidade) das atividades e atos administrativos pelo Poder Judiciário. Sendo assim,  o exercício do Judicial Review é a regra em nossa ordem jurídica;
  • b-) tal controle de legalidade e legitimidade não abrange o mérito do ato administrativo praticado pelo Poder Legislativo, pois, em regra, não está sujeito ao controle do Poder Judiciário.
  • c-) como exceção ao exercício do Judicial Review, aponta-se os atos interna corporis e o ato político.
  • d-) o ato interna corporis só estará imune ao Judicial Review se a controvérsia:
  • i-) é puramente regimental, resultante de interpretação de normas regimentais; ou
  • ii-) envolver a aplicação dos regimentos das casas legislativas; ou
  • iii-) envolver a correção  de  desvios  exclusivamente  regimentais; ou
  • iv-) disser respeito aos atos emanados dos órgãos de direção das Casas do Congresso Nacional, quando praticados, por eles, nos estritos limites de sua competência e desde que apoiados em fundamentos exclusivamente regimentais, sem qualquer conotação de índole jurídico-constitucional.
  • e-)  o ato interna corporis poderá, excepcionalmente, ser alcançado pelo Judicial Review se a controvérsia tiver conotação de índole jurídico-constitucional, ou seja, quando há referência à Constituição Federal, como por exemplo, no tocante ao processo legislativo previsto na Constituição Federal (MS-MC 25579/DF, julgado em 19/10/2005).

Para maior aprofundamento, recomendo ver o quanto decidido no MS 33558/DF, noticiado no Informativo 783 do STF.

João Paulo Cachate

Aprovado na DPU