Insignificância e Descaminho: Qual parâmetro deve ser utilizado?

Prezados,

Vamos tratar, na postagem de hoje, de mais uma celeuma firmada entre as jurisprudências dos Tribunais Superiores (STF x STJ) que, indubitavelmente, será cobrada em provas de concurso público federal de 2014! Estou falando acerca dos parâmetros de insignificância nos crimes de contrabando (art. 334 do CPB).

Em primeiro lugar, deve-se registrar que o postulado da insignificância (ou bagatela própria) é causa excludente da própria tipicidade da conduta, em sua faceta material. As Cortes pátrias, ao arrepio da lei, criaram verdadeiros vetores interpretativos para a conferência acerca da presença ou não desse princípio no caso concreto, saltando aos olhos os “famosos” (a) a mínima ofensividade da conduta, (b) a ausência de periculosidade social da ação, (c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica.

Nos crimes tributários (em sentido amplo, incluindo-se aí o descaminho, não obstante a existência de alguma divergência), não há muito questionamento acerca da possibilidade da aplicação da insignificância, variando apenas o critério acerca do quantum envolvido para o sua aplicação.

Há até pouco tempo, após um período de incerteza e divergências, STF e STJ haviam pacificado o tema, adotando de maneira uniforme o patamar dos R$ 10.000,00 (dez mil reais) como limite para a insignificância. No exemplo que nos interessa, crime de descaminho, se o tributo iludido fosse inferior ao mencionado limite, sequer deveria haver investigação preliminar e denúncia, em razão da atipicidade (material) da conduta. Essa orientação se fixou em razão do conteúdo do art. 20 Lei 10.522/2002:

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Ora, se para a Administração Pública (Poder Executivo) o valor inferior a 10 mil reais era irrelevante de modo a justificar um “não atuar”, com mais razão, tendo em vista o princípio da ultima ratio do Direito Penal, a mesma conduta não se revelaria apta a “abalar” bens jurídicos tutelados pelo referido ramo jurídico. Assim, como visto, posicionavam-se os Tribunais!

Todavia, em 2012, adveio a publicação da Portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda, editada com o intuito de atualizar os valores apresentados na Lei 10.522/02 (art. 20), fixando-os em R$ 20.000,00 (vinte mil reais):

Art. 1º Determinar:

II – o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais)

Ato contínuo, o Poder Judiciário passou a ser confrontado com a seguinte dúvida: para fins de insignificância, nos crimes de descaminho, o patamar também fora alterado pela Portaria 75/2012?

Para minha incredulidade e incompreensão, vários Tribunais Regionais Federais refutaram a tese de ampliação do parâmetro da insignificância! E, não bastasse isso, essa posição ecoou também para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve o patamar da insignificância em 10 mil reais! Vejamos um julgado de fevereiro desse ano:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. DESCAMINHO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO PARA FINS DE INSIGNIFICÂNCIA. MANUTENÇÃO DO PARÂMETRO DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). INAPLICABILIDADE DA PORTARIA N. 75/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. O agravante não apresentou argumentos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental.

2. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.409.973/SP, firmou entendimento no sentido de não ser possível a aplicação do parâmetro de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) trazido na Portaria n. 75/2012 do Ministério da Fazenda para reconhecer a insignificância nos delitos de descaminho, haja vista, num primeiro momento, a impossibilidade de se alterar lei em sentido estrito por meio de portaria.

3.  Não foi a lei que definiu ser insignificante, na seara penal, o descaminho de valores até dez 10.000,00 (dez mil reais), foram os julgados dos Tribunais Superiores que definiram a utilização do referido parâmetro, que, por acaso, está expresso em lei, não sendo correto, portanto, fazer referida vinculação de forma absoluta, ou seja, toda vez que for modificado o patamar para ajuizamento de execução fiscal estaria alterado o valor considerado bagatelar.

4. A alteração dos valores que justificam a instauração de execução fiscal é definida dentro dos critérios da conveniência e oportunidade da administração pública, o que inviabiliza a aplicação do mesmo entendimento no âmbito penal. 5. A apreciação de suposta violação de preceitos constitucionais não é possível em recurso especial, porquanto a matéria é reservada pela Carta Magna ao Supremo Tribunal Federal. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 331852/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 18/02/2014).

Pedro, posso asseverar em meu concurso que os Tribunais Superiores pacificaram a não aceitação de modificação dos parâmetros para fins de insignificância?

Não! Cuidado!

É que a 1ª Turma do STF (no meu entender corretamente), trouxe entendimento (também de 2014) no sentido de que, em razão da publicação da Portaria 75/2012, os crimes tributários (inclusive o descaminho) serão insignificantes quando o prejuízo causado for inferior a 20 mil reais! Vejamos:

EMENTA HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00, previsto no art 20 da Lei n.º 10.522/2002, atualizado pelas Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Na espécie, aplica-se o princípio da insignificância, pois o descaminho envolveu elisão de tributos federais que perfazem quantia inferior ao previsto no referido diploma legal. 4. Ordem concedida. (HC 120617, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 04/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-035 DIVULG 19-02-2014 PUBLIC 20-02-2014).

Temos, pois, que (1) para o STJ o patamar permanece em 10 mil reais, ao passo que para o (2) STF esse limite é de 20 mil reais!

Vamos nos manter ligados na evolução do tema!

Avante nos estudos!

Abraços,

Pedro Coelho

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