LEI PROCESSUAL NO TEMPO E INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS
A Lei nº 11.232/2005, ao tornar a execução de obrigação de pagar decorrente de título executivo judicial um procedimento sincrético, alterou também a regra referente ao instrumento de defesa do executado, que passou a ser a impugnação ao cumprimento de sentença, previsto no art. 475-L do CPC, em substituição aos embargos do devedor.
Como é consabido, as leis processuais aplicam-se de imediato aos processos em curso (vide art. 1.211 do CPC).
Nesse sentido, em execuções de sentença iniciadas antes da vigência da Lei nº 11.232/2005, os embargos à execução opostos após o início da vigência da referida lei devem ser recebidos como impugnação ao cumprimento de sentença, quando o juiz não tenha convertido expressamente o procedimento, alertando as partes?
O STJ firmou posição de que, nesses casos, os embargos devem ser recebidos como impugnação ao cumprimento de sentença, e o julgado abaixo, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, faz referência expressa à necessidade de se entender o processo como um instrumento para viabilizar a melhor aplicação do direito material, em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas:
Terceira Turma
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECEBIMENTO DE EMBARGOS DO DEVEDOR COMO IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
Em execuções de sentença iniciadas antes da vigência da Lei 11.232/2005, que instituiu a fase de cumprimento de sentença e estabeleceu a “impugnação” como meio de defesa do executado, os embargos do devedor opostos após o início da vigência da referida lei devem ser recebidos como impugnação ao cumprimento de sentença na hipótese em que o juiz, com o advento do novo diploma, não tenha convertido expressamente o procedimento, alertando as partes de que a execução de sentença passou a ser cumprimento de sentença. De fato, no direito brasileiro, não se reconhece a existência de direito adquirido à aplicação das regras de determinado procedimento. Por isso, a lei se aplica imediatamente ao processo em curso. Vale a regra do tempus regit actum e, nesse sentido, seria impreciso afirmar que a execução da sentença, uma vez iniciada, é imune a mudanças procedimentais. Ocorre que a aplicação cega da regra geral de direito intertemporal poderia ter consequências verdadeiramente desastrosas e, diante disso, temperamentos são necessários. Observe-se que o processo civil muito comumente vem sendo distorcido de forma a prestar enorme desserviço ao estado democrático de direito, deixando de ser instrumento da justiça para se tornar terreno incerto, repleto de arapucas e percalços, em que só se aventuram aqueles que não têm mais nada a perder. Todavia, o direito processual não pode ser utilizado como elemento surpresa, a cercear injusta e despropositadamente uma solução de mérito. A razoabilidade deve ser aliada do Poder Judiciário nessa tarefa, de forma que se alcance efetiva distribuição de justiça. Não se deve, portanto, impor surpresas processuais, pois essas só prejudicam a parte que tem razão no mérito da disputa. O processo civil dos óbices e das armadilhas é o processo civil dos rábulas. Mesmo os advogados mais competentes e estudiosos estão sujeitos ao esquecimento, ao lapso, e não se pode exigir que todos tenham conhecimento das mais recônditas nuances criadas pela jurisprudência. O direito das partes não pode depender de tão pouco. Nas questões controvertidas, convém que se adote, sempre que possível, a opção que aumente a viabilidade do processo e as chances de julgamento do mérito da lide. Nesse contexto, transpondo o quanto exposto até aqui para a hipótese em discussão – na qual é patente a existência de dúvida em relação ao procedimento cabível –, conclui-se, em respeito ao princípio da segurança jurídica, serem os embargos do devedor cabíveis caso inexista a expressa conversão do procedimento. REsp 1.185.390-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/8/2013 (Informativo nº 0528).
A decisão traz à baila a discussão acerca da aplicação da lei processual no tempo. Não obstante o ordenamento jurídico pátrio haver adotado o sistema do isolamento dos atos processuais, determinando a aplicação imediata da lei processual aos processos em curso (como dispõe o art. 1.211 do CPC), no caso em abordado no julgado acima colacionado o STJ fez valer a instrumentalidade das formas, como no trecho em que ficou relatado que “a aplicação cega da regra geral de direito intertemporal poderia ter consequências verdadeiramente desastrosas e, diante disso, temperamentos são necessários”.
Interessante a forma incisiva como a Ministra Nancy Andrighi se pronunciou, afirmando que “o processo civil dos óbices e das armadilhas é o processo civil dos rábulas”.
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