Imagine que você está diante do seguinte questionamento:

A União Federal está promovendo processo de licitação para a construção do edifício sede da Polícia Federal do Estado do Rio de Janeiro.

A empresa X Construções LTDA, uma das licitantes, precisa, nos termos do art. 31 da Lei 8.666/93 apresentar documentos que comprovem a sua qualificação econômico-financeira.

Ao apresentar documentos, a empresa citada deixou de acostar ao procedimento licitatório a certidão negativa de concordata (art. 31, II da Lei 8.666/93).

Justificou a ausência da referida certidão por se encontrar em processo de recuperação judicial nos termos da Lei 11.101/2005.

Assim, em razão da ausência do documento, a empresa X Construções LTDA foi considerada inabilitada a participar do processo licitatório.

Agiu com acerto a União?

EBEJI

1. Recuperação judicial

Inicialmente precisamos revisar o processo de recuperação judicial.

A recuperação judicial é o processo, previsto em lei, que objetiva afastar a situação de crise vivida pela empresa. Através desse processo, a empresa em recuperação judicial busca a todo custo a continuidade das suas atividades, mantendo sua fonte produtiva e buscando cumprir as obrigações junto aos credores de maneira facilitada.

A ideia principal é de manter a unidade produtiva, mantendo contratos trabalhistas e recuperando os ativos para que seja possível o pagamento de todos os credores.

Importante perceber que apenas as empresas que possuem viabilidade econômica podem requerer a recuperação judicial, ou seja, é preciso demonstrar aos credores que crise econômico-financeira pode ser superada, através de determinadas medidas reestruturantes da atividade. Atente-se para esse argumento, viabilidade econômica.

Assim, no plano de recuperação judicial deve contera demonstração de viabilidade econômica e a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados (art. 53, I e II da Lei 11.101/2005).

EBEJI

2. O problema questionado

Perceba que, embora em recuperação judicial, a questão que envolve a participação da empresa X Construções LTDA na licitação da União é sua frágil situação econômicae a ausência de apresentação do documento exigido pelo art. 31, II da Lei 8.666/93.

Então, agiu com acerto a União?

Para o STJ, não!

No julgamento do AREsp 309867, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a empresa em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstrem, na fase de habilitação, ter viabilidade econômica.

Assim, podemos sintetizar o entendimento do STJ (1a Turma – AREsp 309867) da seguinte forma:

1. A Lei 8.666/93, em seu art. 31, II fala em certidão negativa de concordada, que não mais existe após a lei 11.101/2005;

2. A Administração não pode realizar interpretação extensiva ou restritiva de direitos quando a lei assim não dispuser de forma expressa, ou seja, não pode transformar a exigência de certidão de concordada (art. 31, II da Lei 8.666/93) e, certidão negativa de recuperação judicial;

3. A lei 11.101/2005 não impossibilita a contratação da empresa em recuperação com o Poder Público, pelo contrário, o art. 52, II da norma abre essa possibilidade[1];

4. “A interpretação sistemática dos dispositivos das Leis 8.666/1993 e 11.101/2005 leva à conclusão de que é possível uma ponderação equilibrada dos princípios nelas contidos, pois a preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses dos credores.

Com esses fundamentos, o STJ abriu a possibilidade de empresas em recuperação judicial participarem do processo licitatório.

A decisão é importante para os concursos da Advocacia Pública justamente por envolver tema clássico em suas provas, qual seja, licitações e contratos.

Forte abraço, Ubirajara Casado.

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Quer entender como o STJ está julgando a natureza jurídica rol do art. 1.015 do CPC, assista o vídeo:

 

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[1]Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;

III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6o desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1o, 2o e 7o do art. 6o desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei;

IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;

V – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.