Medida provisória 764/2016 descaracteriza prática abusiva considerada pelo STJ na cobrança de valores superiores quando do pagamento através de cartão

 

Prezados alunos da EBEJI,

Com a finalidade de ampliar os temas de estudo no blog da Escola, trazemos um relevante e atual tema sobre o direito do consumidor que poderá ser cobrado nos próximos concursos públicos.

Em dezembro de 2016, foi publicada a medida provisória nº. 764/2016, cujo inteiro conteúdo, resumido em um artigo e seu parágrafo, admite a cobrança de preços diferenciados conforme a forma de pagamento. Vejamos:

Art. 1º Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público, em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado.

Parágrafo único.  É nula a cláusula contratual, estabelecida no âmbito de arranjos de pagamento ou de outros acordos para prestação de serviço de pagamento, que proíba ou restrinja a diferenciação de preços facultada no caput.

Tal medida, cuja intervenção é notória na economia, repercute, evidentemente, no cenário do direito do consumidor, uma vez que afasta a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que configura prática abusiva a cobrança a maior em virtude de o instrumento de pagamento ser o cartão de crédito.

O atual entendimento do Tribunal Cidadão foi firmado em sede de Recurso Especial, que segue:

Recurso Especial n.º Nº 1.479.039 – MG (2014/0223163-4)

CONSUMIDOR E ADMINISTRATIVO. AUTUAÇÃO PELO PROCON. LOJISTAS. DESCONTO PARA PAGAMENTO EM DINHEIRO OU CHEQUE EM DETRIMENTO DO PAGAMENTO EM CARTÃO DE CRÉDITO. PRÁTICA ABUSIVA. CARTÃO DE CRÉDITO. MODALIDADE DE PAGAMENTO À VISTA. “PRO SOLUTO” . DESCABIDA QUALQUER DIFERENCIAÇÃO. DIVERGÊNCIA INCOGNOSCÍVEL. 1. O recurso especial insurge-se contra acórdão estadual que negou provimento a pedido da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte no sentido de que o Procon/MG se abstenha de autuar ou aplicar qualquer penalidade aos lojistas pelo fato de não estenderem aos consumidores que pagam em cartão de crédito os descontos eventualmente oferecidos em operações comerciais de bens ou serviços pagos em dinheiro ou cheque. 2. Não há confusão entre as distintas relações jurídicas havidas entre (i) a instituição financeira (emissora) e o titular do cartão de crédito (consumidor); (ii) titular do cartão de crédito (consumidor) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor); e (iii) a instituição financeira (emissora e, eventualmente, administradora do cartão de crédito) e o estabelecimento comercial credenciado (fornecedor). 3. O estabelecimento comercial credenciado tem a garantia do pagamento efetuado pelo consumidor por meio de cartão de credito, pois a administradora assume inteiramente a responsabilidade pelos riscos creditícios, incluindo possíveis fraudes. 4. O pagamento em cartão de crédito, uma vez autorizada a transação, libera o consumidor de qualquer obrigação perante o fornecedor, pois este dará ao consumidor total quitação. Assim, o pagamento por cartão de crédito é modalidade de pagamento à vista, pro soluto, implicando, automaticamente, extinção da obrigação do consumidor perante o fornecedor. 5. A diferenciação entre o pagamento em dinheiro, cheque ou cartão de crédito caracteriza prática abusiva no mercado de consumo, nociva ao equilíbrio contratual. Exegese do art. 39, V e X, do CDC: “Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (…) X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”. 6. O art. 51 do CDC traz um rol meramente exemplificativo de cláusulas abusivas, num “conceito aberto” que permite o enquadramento de outras abusividades que atentem contra o equilíbrio entre as partes no contrato de consumo, de modo a preservar a boa-fé e a proteção do consumidor. 7. A Lei n. 12.529/2011, que reformula o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, considera infração à ordem econômica, a despeito da existência de culpa ou de ocorrência de efeitos nocivos, a discriminação de adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços mediante imposição diferenciada de preços, bem como a recusa à venda de bens ou à prestação de serviços em condições de pagamento corriqueiras na prática comercial (art. 36, X e XI). Recurso especial da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte conhecido e improvido.

(Grifei)

Vejamos. Prevista no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, nos dizeres de Antônio Herman Benjamin[1], a prática abusiva “é a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor”. É saber, trata-se de conceito aberto que abarca inúmeras práticas que aproveitam a posição de hipossuficiência do consumidor para auferir vantagens das ordens mais variadas. Em outras palavras, as práticas abusivas configuram-se nas hipóteses em que o fornecedor abusa da boa-fé e inferioridade do consumidor.

Segundo o STJ, a cobrança de preços mais favoráveis ao consumidor que paga em dinheiro (ou cheque) é prática abusiva e revela-se, também, como forma discriminadora para com os consumidores que optam pelo pagamento através do cartão. No entender do Superior Tribunal, a prática em comento enquadra-se nas hipóteses previstas no art. 39, incisos V e X:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…)

V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

(…) X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”.

Pois bem. Interferindo na ordem econômica, e aqui não entraremos no mérito, se positiva ou negativa tal intervenção, a medida provisória recém publicada vem para aquilatar esta questão, dispondo exatamente no sentido contrário do entendimento jurisprudencial supra transcrito. Passa-se, desta forma, a permitir que o consumidor possa ser cobrado a mais quando optar pelo pagamento através do cartão. Isto porque, como é sabido, as administradoras de cartões cobram determinado percentual do valor da compra do fornecedor de produtos e serviços quando do repasse dos créditos, o qual evidentemente é imbuído no preço.

Desta feita, entendeu o STJ no sentido puro de proteção ao consumidor, que tal prática deveria ser coibida, na medida em que representaria injusta discriminação e infração à ordem econômica. Vedado o repasse desta taxa aos usuários de cartão, o efeito, naturalmente, foi o repasse universal e indiscriminado para todos os consumidores, vindo incorporado no preço final. A proibição, por óbvio, não fez desaparecer a cobrança que, ao contrário, continuou sendo repassada, mas de forma geral.

Com a edição da medida provisória em comento, o que era considerado prática abusiva, a teor do disposto no art. 39 do CDC, não só deixou de ser visto de tal forma, como passou a ser prática legítima e permitida pela legislação em vigor.

Desta forma, atualmente, com a vigência do artigo 1º da Medida Provisória 764/2016, o fornecedor não só pode, como é estimulado a estipular preço diferenciado de acordo com a forma de pagamento. Assim, embora o prazo para pagamento seja o mesmo, à vista, a escolha pelo dinheiro, cheque ou cartão, influencia no valor final do produto ou serviço. Ou seja, a única variável de preço que era admitida – prazo para pagamento – passou a coexistir com o modo como a aquisição será quitada. Logo, o custo do que se adquire poderá ser incrementado pela forma como o consumidor escolher realizar o pagamento, arcando exclusivamente aquele que opta pelo cartão de crédito (ou débito) com o repasse das taxas das administradoras embutidas no valor, ao passo que o cliente que deseja utilizar o dinheiro será beneficiado com preço menor.

Destarte, no quadro exposto, a tendência é que a jurisprudência do STJ, já consolidada, seja alterada no sentido de não considerar mais a prática de preços diferenciados para pagamento em cartão como prática de mercado a ser coibida porque abusiva, adotando, então, a nova normativa em vigor.

[1]Benjamin, Antônio Herman e outros: Manual de Direito do Consumidor, 5ªa Edição: Revista dos Tribunais.