Prezados,

Tenho recebido muitos e-mails, telefonemas e mensagens perguntando qual o grau de “seriedade” da decisão judicial que anula questão do concurso de Procurador Federal e quais as consequências que ela pode trazer para o trâmite regular do concurso.

Bom, inicialmente, nunca é demais dizer que toda decisão judicial é séria e deve ser analisada com cautela. Sei que os aprovados estão ansiosos, mas de nada adianta roer todas as unhas se isso não altera em absolutamente nada a movimentação processual.

Importa, ainda, informar que os comentários aqui descortinados são pessoais, não refletem a opinião da Advocacia-Geral da União, instituição que integro, de forma que falo, por óbvio, como professor e processualista.

A grande problemática do tema é dar, a processo individual, contornos coletivos, o que pode tumultuar o andamento do certame e prejudicar a Administração Pública sobremaneira.

Sendo assim, analisemos, com o devido respeito, a decisão judicial em questão.

 

1. O pedido do autor

O pedido é simples, a pretensão jurídica é para anular as questões 38, 86, 166, 188 e 200 da prova objetiva do concurso mencionado a fim de que o autor possa ser aprovado e continuar prosseguindo nas demais etapas.

Perceba, desde já, que o pedido é individual. Não consigo ser mais coloquial que isso: “Veja, EU quero anular 5 questões, para que EU possa seguir nas demais etapas do concurso.”

 

2. O início da complicação

O CESPE/UnB apresenta, como de praxe em ações dessa natureza, preliminar de litisconsórcio passivo necessário, em razão da possível alteração do resultado final (mudando a ordem de classificação) e, no dizer do Centro “consequente implicações na esfera jurídica dos candidatos que foram aprovados no certame”.

Anote-se que esse tipo de preliminar sempre é apresentada em ações dessa natureza, contudo, não se trata de litisconsórcio passivo necessário, vejamos o que anota o CPC:

Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.

Assim, litisconsórcio será necessário quando as partes não puderem acordar quanto à sua existência. A natureza da relação jurídica ou a lei determina que seja formado um litisconsórcio obrigatoriamente, já que nessas hipóteses o juiz terá que decidir a lide de modo uniforme para todas as partes, conforme a leitura do art. 47 do CPC.

Abstraindo a discussão se pode ou não o Judiciário adentra no mérito de questões de concurso, ainda em sede preliminar, nesse caso, não se trata de julgamento uniforme, o juiz deve, a meu ver, decidir se, para o autor da ação, as questões devem ou não ser anuladas. Do contrário, estará utilizando a regra do art. 47 do CPC para promover tumulto processual, determinando a citação de vários candidatos, em diferentes Estados da Federação, que foram aprovados em concurso a nível nacional.

O precedente aplicado na decisão, a meu sentir, é incabível, vez que usa, no dizer do STF “o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas”. Ora, com todas as vênias do mundo, não estamos falando, nessa etapa de candidatos aprovados dentro do número de vagas, estamos falando de candidatos aprovados na prova objetiva que representa, apenas, a 1ª de 4 etapas do concurso.

Você pode estar se questionando se a posição em comento não causa certa injustiça. Sim, até concordo, mas o tumulto processual causa injustiça maior para o certame como um todo. Pergunta-se se é possível nesse caso anular a questão apenas para o candidato? Sim, plenamente possível, existem vários exemplos de decisões como essa em concursos de remoção, promoção e de ingresso em cargos em que determinados requisitos de pontuação são deferidos me processos individuais sem que a decisão atinja todos os envolvidos.

 

3. A antecipação da tutela

Diz, inicialmente, o juiz: “Como se sabe, é assente o entendimento de que não cabe ao Poder Judiciário, em regra, a apreciação dos critérios de provas e atribuições de notas estabelecidos pela comissão examinadora de um concurso, substituindo-a na valoração pedagógico-científica das respostas.

Ressalvou a possibilidade de anular questões cujo conteúdo não esteja previsto em edital, além de outros casos formais.

Esse início é comum em ações desse tipo. Depois disso, normalmente o Judiciário analisa se a questão está dentro do conteúdo programático e, se positivo, julga improcedente a ação ou nega a antecipação dos efeitos da tutela.

A decisão, no entanto, continua: “Na hipótese dos autos, verifica-se que o conteúdo das questões ora em baila está dentro da matéria passível de cobrança no referido certame, não havendo qualquer demonstração de ilegalidade nesse ponto. Em verdade, a insurreição do Impetrante versa sobre os critérios adotados pela banca examinadora, hipótese na qual é, como se disse, é geralmente vedada a intervenção do Poder Judiciário, salvo em situações absolutamente excepcionais.

Daí por diante, a decisão analisa item por item impugnado pelo autor da ação, lembrando a correção que se faz por muitos professores dos itens da prova logo após a sua realização.

Após análise dos primeiros itens chega-se a questão 200 que diz: “O STF veda o uso da reclamação quando tiver ocorrido o trânsito em julgado do ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do próprio STF, ao passo que, para o STJ, o uso da reclamação constitucional, que difere da correição parcial, pode ocorrer mesmo após o trânsito em julgado da decisão reclamada.”

O CESPE entendeu a questão como correta. Eu, em comentário feito antes do gabarito oficial também entendo, assim como o juízo que proferiu a decisão, a questão como errada, veja aqui:https://www.facebook.com/photo.php?fbid=600642269997549&set=pb.142338829161231.-2207520000.1389914933.&type=3&src=https%3A%2F%2Ffbcdn-sphotos-b-a.akamaihd.net%2Fhphotos-ak-ash4%2F1426626_600642269997549_363465165_n.jpg&size=960%2C960

Pois bem, o juiz anulou a questão em sede de antecipação da tutela.

 

4. Dos efeitos da decisão no andamento do concurso

Caso não revertida a antecipação da tutela em sede de agravo ou pedido de suspensão da tutela (doutrinariamente conhecido como pedido de suspensão de segurança, nesse caso dirigido ao Presidente do TRF da 5ª Região), o CESPE terá que anular a questão, atualizar a lista de aprovados e, em caso de inclusão de outros candidatos aprovados, proceder a correção de suas provas subjetivas. Para tanto, existem duas saídas:

a. O CESPE dá continuidade ao certame cumprindo a decisão com editais de retificação, publicando o resultado da prova subjetiva imediatamente e retificando o edital de publicação com o ingresso dos novos aprovados, se houver, nas provas subjetivas para só então passar à fase oral;

b. O CESPE cumpre a decisão sem publicar o resultado das provas subjetivas, procede a correção dos eventuais aprovados na prova subjetiva para só então publicar um único resultado de aprovados da segunda fase para, só então, pensar em prova oral.

De um ou de outro jeito, o andamento do certame está prejudicado.

Resta acompanharmos as próximas notícias, controlar a ansiedade, e esperar que as coisas se resolvam da melhor forma possível.

Ao sinal de qualquer mudança de cenário, avisaremos por este blog e pelas redes sociais da Escola.

A decisão comentada você encontra aqui:https://www.jfce.jus.br/images/noticias/docs/Decis%C3%A3o_Ordin%C3%A1ria_-_Concurso_AGU.pdf

Um forte abraço a todos, Ubirajara Casado.