Moeda Falsa e a agravante do artigo 61, II, h do CPB: como se posiciona a jurisprudência?
Após intensa atuação na qualidade de Defensor Público Federal, desde o ano de 2011, especialmente na seara criminal, posso dizer com tranquilidade e convicção que o crime desenhado no artigo 289 do CPB (moeda falsa) é, sem dúvidas, um dos que se revela com maior incidência no cotidiano prático do Defensor, razão pela qual deve ser cuidadosamente estudado pelos aspirantes ao ingresso na carreira.
Dentre os vários cuidados e peculiaridades que permeiam o crime de moeda falsa, após a leitura do julgado publicado no Informativo de Jurisprudência 546 do STJ e os votos dos Ministros, imperioso comentarmos com os alunos um aspecto que poderá ser questão a ser cobrada no V Concurso para o Cargo de Defensor Público Federal.
A questão apreciada pela Corte foi no sentido de saber se a agravante prevista no artigo 61, II, h do CPB (prática contra pessoa idosa) teria incidência no referido crime, uma vez que a posição majoritária aponta como vítima do crime de moeda falsa o próprio Estado. Vejamos o dispositivo:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
II – ter o agente cometido o crime: h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;
No caso em questão, o cidadão foi condenado por ter introduzido em circulação moeda falsa, inicialmente repassando uma cédula de cinquenta reais para a sua avó e, posteriormente, repassando duas notas de igual valor (também falsificadas) para uma vizinha de sua avó, ambas com idade superior a 60 anos. Indubitável, pois, que a conduta, formalmente, se adéqua ao previsto no artigo 289, § 1º do CPB[1].
Mas afinal quem é a vítima do crime de moeda falsa? Se é o Estado, como aplicar a agravante pautada na maior vulnerabilidade da vítima idosa?
De acordo com Cleber Masson, o sujeito passivo do crime de moeda falsa é o Estado, interessado na preservação da fé pública, e, mediatamente, a pessoa física ou jurídica prejudicada pela conduta criminosa[2].
Em sentido similar, advogando a prevalência do interesse do Estado na tutela do bem jurídico efetuada pelo tipo penal de moeda falsa, emblemática é a lição do professor Luiz Régis Prado, para quem:
Sujeito passivo é o Estado, ou, mais precisamente, a coletividade, a quem interessa a proteção da fé pública. Eventualmente, pode haver uma vítima imediata, que é a pessoa física ou jurídica – inclusive o próprio Estado, enquanto Administração – diretamente lesada pela conduta do agente, entretanto, como o bem jurídico diretamente protegido é a fé pública, consubstanciada na fiabilidade da moeda, e não o interesse patrimonial da pessoa que tenha, eventualmente, recebido o dinheiro falso como se verdadeiro fosse, prepondera a figura do Estado no polo passivo da conduta criminosa, e não a do particular economicamente prejudicado, visto que “quem recebe de boa-fé uma nota falsa não é a vítima do delito, nem a objetividade jurídica da infração se dirige contra a propriedade determinada de uma pessoa[3].
Essa foi a tese agasalhada pela Defensoria Pública da União no HC impetrado perante o STJ e, inicialmente, encampada pelo Ministro Sebastião Reis Júnior e pela Ministra Thereza de Assis Moura para afastar a incidência da agravante!
Todavia, ao final do julgamento, a posição prevalente na 6ª Turma foi a divergente da posição da DPU, trazida à baila, sobretudo, pelo Ministro Rogério Schietti Cruz em voto de divergência. De acordo com a tese vencedora, não obstante ser inquestionável que o bem jurídico tutelado pelo delito em questão ser a fé pública, não haveria como negar que a vítima pode ser, além do Estado, uma pessoa física ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo experimentado por eles, afinal as pessoas a quem são repassadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime é praticado e a fé pública, portanto, é atingida.
Utilizam-se ainda de arrimo para a tese vencedora, as lições do penalista gaúcho Cezar Roberto Bitencourt quando assevera que “sujeito passivo é o Estado, representando a coletividade, bem como a pessoa lesada. Com efeito, in concreto, sujeito passivo é sempre quem tem seu interesse lesado pela conduta do sujeito ativo; tanto pode ser sujeito passivo do crime a pessoa física como a jurídica”[4].
Dessa maneira, por 3 votos a 2, a tese defendida pela DPU não se saiu vencedora, prevalecendo o entendimento de que, não obstante o crime de moeda falsa tutelar a fé pública, a existência de vítima indireta ou mediata (particular) permite a aferição e aplicação da agravante desenhada no artigo 61, II, h do CPB quando envolver particular maior de 60 anos[5]. De toda forma, a própria DPU apresentou Recurso Ordinário em Habeas Corpus perante o STF, razão pela qual devemos acompanhar o andamento, a fim de saber se prevalecerá ou não a tese da instituição na Suprema Corte!
Fique ligado! O Edital do V Concurso da DPU está se aproximando!
Acompanhe as novidades aqui na EBEJI.
Grande abraço,
Pedro Coelho
Obs: Se dúvidas houver sobre o tema ou sobre o processo penal, comentem na página da EBEJI ou diretamente no meu FB https://www.facebook.com/pedro.pmcoelho
[1] Art. 289 – Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro:
Pena – reclusão, de três a doze anos, e multa.
- 1º – Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa.
[2] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Vol. 3 – Parte Especial. 3ª edição, Ed. Método, pg.434.
[3] PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 279
[4] BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Especial 4, 8 ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 484.
[5] HABEAS CORPUS. MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. FÉ PÚBLICA. BEM JURÍDICO TUTELADO. ESTADO, PESSOA JURÍDICA DIVERSA OU PESSOA FÍSICA. VÍTIMAS. PREJUÍZO NOTÓRIO. AGRAVANTES. ARTS. 61, INCISO II, ALÍNEAS “E” e “H”, TAMBÉM DO CP. CRIME PRATICADO CONTRA ASCENDENTE MAIOR DE 60 ANOS. INCIDÊNCIA. POSSIBILIDADE.
A fé pública do Estado é o bem jurídico tutelado no delito do art. 289, § 1º, do Código Penal, o que não induz à conclusão de que o Estado seja vítima exclusiva do delito. Em virtude da diversidade de meios com que a introdução da moeda falsa em circulação pode ser perpetrada, não há como negar que vítima pode ser, além do Estado, uma pessoa física, ou um estabelecimento comercial, dado o notório prejuízo experimentado por esses últimos. Não há como negar que a pessoa a quem, eventualmente, são passadas cédulas ou moedas falsas pode ser elemento crucial e definidor do grau de facilidade com que o crime será praticado, e a fé pública, portanto, atingida. No tocante ao agravamento da reprimenda quando o ofendido é ascendente, descendente irmão ou cônjuge, a preocupação do legislador foi a de punir com mais rigor aquele que quebra, ou ofende, o natural vínculo de afeto e de cumplicidade mútuo que deve existir nas relações familiares.
No caso de se praticar um crime contra criança, maior de 60 anos, enfermo ou mulher grávida, a norma, claramente, visou a proteger aquele que é naturalmente mais vulnerável, punindo, com maior rigor, o agente do delito. Apesar de já destacada a essência motivadora dessa agravante, cumpre lembrar que o critério de aplicação, em caso de pessoa idosa, é objetivo, e nesta hipótese, cronológico. In casu, a vítima direta é a avó do paciente, que contava 68 anos à época do crime. Habeas Corpus não conhecido. (HC 211.052/RO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 15/09/2014).
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