Samuel Lages é Advogado da União.

EBEJI

Embora o tema responsabilidade subsidiária não se mostre mais como novidade, questão tangente, e que já foi controvertida na jurisprudência do TST, diz respeito à impossibilidade de ajuizamento de ação autônoma para atribuir responsabilidade subsidiária ao tomador de serviços.

Não obstante a pacificação na Corte, na prática, percebe-se a insistência do ajuizamento de ações com essa finalidade, incluindo no polo passivo apenas a União.

Como é sabido, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 16/DF, cujo acórdão foi publicado no Dje de 09/09/2011, decidiu que a regra artigo 71, § 1ª, da Lei n.º 8.666/93 é constitucional, ressaltando que o mero inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada não transfere automaticamente para a Administração Pública a responsabilidade pelo débito daí decorrente.

Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Resolução n.º 174, de 24/05/2011, reviu a redação do enunciado 331 de sua súmula de jurisprudência.

Diante da nova redação dos itens IV e V do enunciado 331, embora esse aspecto não tenha sido inovado, mostra-se sintomática a impossibilidade de ação autônoma, uma vez que é expressamente mencionada a condição necessária de que o tomador, para ser responsabilizado, tenha “participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”.

Isso posto, porém, discute-se bastante a possibilidade de o prestador de serviços, vendo frustrada a tentativa de satisfação do seu crédito reconhecido em demanda ajuizada unicamente contra o empregador, ajuizar ação autônoma em face do tomador de serviços pleiteando a condenação subsidiária ao adimplemento das verbas outrora reconhecidas.

Parcela da doutrina orienta-se pela possibilidade, consoante destaca Mauro Schiavi[i], para quem, caso o empregado tenha movido a ação condenatória apenas contra o empregador, “(…) há a possibilidade de ingressar com ação declaratória de responsabilização do devedor subsidiário, nos termos do art. 4º, do CPC, (…)”.

Júlio César Beber[ii], em tese destoante do que se verifica na prática do processo do trabalho[iii], advoga que:

(…).

Se a defesa do responsável subsidiário, portanto, está limitada à responsabilidade: a) sua presença no processo de conhecimento é dispensável; (…). O direcionamento dos fatos executivos em face do responsável subsidiário que não consta do título executivo, portanto, não infringe os limites subjetivos da coisa julgada, nem os princípios do devido processo legal e do contraditório.

O próprio TST, em um primeiro momento, admitia a ação autônoma[iv], tendo, porém, abandonado tal tese após amplos debates acerca da matéria. De fato, a SBDI-I, em sua composição completa, na sessão realizada no dia 8/3/2012, ao julgar o Processo nº E-RR – 9100-62.2006.5.09.0011, de relatoria do Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, DEJT de 3/8/2012, por maioria, adotou o entendimento de que o ajuizamento de uma nova ação apenas contra o tomador de serviços em que se pretende sua responsabilidade subsidiária quando já transitada em julgado ação anterior contra seu empregador afronta a coisa julgada produzida na primeira ação e atenta contra o direito do tomador de serviços à ampla defesa e ao contraditório. Nesse sentido, a ementa do referido julgado:

EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA APENAS CONTRA O TOMADOR DE SERVIÇOS. IMPOSSIBILIDADE. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA E. SUBSEÇÃO. Cinge-se a controvérsia a se saber se é ou não possível que o Reclamante, após o ajuizamento de uma primeira ação contra seu empregador, já transitada em julgado, proponha novo feito apenas contra o tomador de serviços, pretendendo sua responsabilidade subsidiária. Embora a jurisprudência desta e. Subseção tenha, em um primeiro momento, admitido essa possibilidade (TST-E-A-ED-RR-536400-73.2005.5.09.0011, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJU de 29/06/2007), evoluiu para o sentido inverso, estando hoje inclinada no mesmo sentido do v. acórdão ora embargado, a saber, de que tal procedimento afrontaria a coisa julgada produzida na primeira ação e atentaria contra o direito do tomador de serviços à ampla defesa e ao contraditório. Precedentes. Ressalva de entendimento do Relator. Recurso de embargos não provido (E-RR – 9100-62.2006.5.09.0011, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, data de julgamento: 8/3/2012, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, data de publicação: DEJT 3/8/2012).

Embora não pela sua composição completa, a SBDI-I, que é o órgão com incumbência de pacificar as divergências internas do TST em dissídios individuais, já vinha sistematicamente decidindo pela impossibilidade de ação autônoma. Segundo identifica o Min. João Oreste Dalazen[v], o julgamento do E-RR-23100-67.2006.5.09.0011 (Red. Des. Min. Vieira de Mello Filho, DEJT 13/11/2009), é tido como leading case.

No referido precedente, julgou-se o autor carente do direito de ajuizar ação autônoma para atribuir responsabilidade subsidiária ao tomador de serviços, por força do entendimento consagrado na jurisprudência sumulada (destaques nossos):

Súmula 331

(…)

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. 

Como se depreende do enunciado, a responsabilização do tomador dos serviços está condicionada à sua integração no polo passivo da reclamação trabalhista cujo título executivo judicial venha a assegurar ao obreiro a percepção de direitos trabalhistas não satisfeitos a tempo e modo pela empresa prestadora dos serviços, sua real empregadora.

Dessa forma, o ajuizamento de ação autônoma para atribuir a responsabilidade subsidiária ao tomador dos serviços, após o trânsito em julgado da decisão proferida contra o empregador, é hipótese de impossibilidade jurídica do pedido, à medida que tal responsabilização está condicionada à integração do tomador no polo passivo da demanda em que as parcelas são reconhecidas.

Nesse sentido, a ementa do julgado citado:

EMBARGOS SUJEITOS À SISTEMÁTICA DA LEI Nº 11.496/2007 – CARÊNCIA DE AÇÃO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – RECLAMAÇÃO TRABALHISTA AUTÔNOMA AJUIZADA EM DESFAVOR DO TOMADOR DOS SERVIÇOS TERCEIRIZADOS – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – IMPOSSIBILIDADE – EXISTÊNCIA DE DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO EM QUE FIGUROU NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO APENAS A EMPRESA PRESTADORA DOS SERVIÇOS. Há carência do direito de ação, por impossibilidade jurídica do pedido, quando o empregado ajuíza reclamação trabalhista autônoma em desfavor do tomador dos serviços terceirizados, pleiteando sua responsabilização subsidiária quanto à satisfação dos direitos trabalhistas reconhecidos em ação anterior, já cobertos pelo manto da coisa julgada material, em que figurou no pólo passivo apenas a empresa prestadora dos serviços, real empregadora. A responsabilização do tomador dos serviços está condicionada à sua integração no pólo passivo da reclamação trabalhista cujo título executivo judicial venha a assegurar ao obreiro a percepção de direitos trabalhistas não satisfeitos a tempo e modo pela empresa prestadora dos serviços, real empregadora. Seria impróprio reabrir a discussão em torno dos direitos trabalhistas pleiteados na primeira reclamação trabalhista, a fim de possibilitar, nesta segunda ação, que a empresa tomadora exercesse o direito constitucional a ampla defesa e contraditório, demonstrando o cumprimento das obrigações trabalhistas devidas pela real empregadora, pois, como se disse, tal controvérsia já fora dirimida pelo título executivo judicial transitado em julgado. A credibilidade da Justiça e dos provimentos jurisdicionais dela emanados não convive com decisões contraditórias a respeito da mesma relação jurídica, o que seria natural caso fosse admitida a pretensão em análise e possibilitado o ajuizamento de ação autônoma em desfavor do tomador dos serviços tratando da mesma matéria objeto de título executivo judicial devidamente aperfeiçoado. Embargos conhecidos e desprovidos. (E-RR – 23100-67.2006.5.09.0011, Redator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, SBDI-1, publicação 13/11/2009).

Não obstante, a maioria das decisões do TST tem sido lastreadas na impossibilidade da ação autônoma por força da imutabilidade da coisa julgada e da necessidade de se assegurar o contraditório e a ampla defesa ao tomador de serviços, o que, de certa forma, restou consagrado no referido leading case.

É cediço que a coisa julgada é a imutabilidade da norma jurídica individualizada constante do dispositivo de uma decisão judicial e que pode ser visualizada sob dois aspectos: (i) coisa julgada formal, que é a imutabilidade da decisão judicial dentro do processo em que fora proferida; (ii) coisa julgada material, que é a indiscutibilidade da decisão judicial em qualquer outro processo judicial.

O fenômeno processual da coisa julgada material possui limites de duas ordens:

(i) limite objetivo, segundo o qual a coisa julgada abarca o dispositivo que julga a questão principal, isto é, o pedido (art. 468 do CPC):

Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

(ii) limite subjetivo, cuja regra geral das demandas individuais está prevista no art. 472 do CPC (grifo nosso):

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Segundo a lição de Fredie Didier Júnior[vi], a coisa julgada produz três efeitos:

(i) negativo: impede que a questão principal já definitivamente decidida seja novamente julgada como questão principal em outro processo;

(ii) positivo: impede que a questão principal já definitivamente decidida e transitada em julgado, uma vez retornando ao Judiciário, como questão incidental, possa ser decidida de modo distinto daquele como o foi no processo anterior em que foi a questão principal.

Quanto a este efeito, curial observar, nas palavras do autor, que “o efeito positivo da coisa julgada gera, portanto, a vinculação do julgador de outra causa ao quanto decidido na causa em que a coisa julgada foi produzida. O juiz fica adstrito ao que foi decidido em outro processo. São casos em que a coisa julgada tem que ser levada em consideração pelos órgãos jurisdicionais” (Ob. cit. p. 435).

(iii) preclusivo ou eficácia preclusiva da coisa julgada: segundo tal efeito, com a formação da coisa julgada, preclusa a possibilidade de rediscussão de todos os argumentos que poderiam ter sido suscitados, mas não foram.

Ao comentar o referido efeito, o ilustre processualista lança a assertiva de que “a coisa julgada torna preclusa a possibilidade de discutir e torna irrelevante suscitar o que poderia ter sido deduzido (o dedutível)[vii].

Ante o exposto, observa-se a existência de óbice à ação autônoma porque o trânsito em julgado da demanda ajuizada somente em face do empregador torna impossível a discussão das verbas trabalhistas já deferidas, tendo em vista a existência da coisa julgada.

Ainda que se considere, na esteira do art. 472 do CPC, que a segunda demanda não conspira contra o efeito negativo da coisa julgada, não há como se furtar à aplicação do efeito positivo.

De fato, a questão principal transitada em julgado é elemento incidental da postulação de responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, revelando a impossibilidade de rediscussão daquele pedido. Em tal situação, o tomador de serviços se vê impossibilitado de discutir as verbas trabalhistas deferidas na ação originária. Tal circunstância acarreta a formação de um processo viciado, eis que em desrespeito à cláusula do devido processo legal, da qual se extrai, entre outros, o princípio do contraditório (arts. 5º, LIV e LV, da CF).

O princípio do contraditório, como cediço, possui duas garantias: a participação (audiência, comunicação, ciência) e a possibilidade de influir na decisão. A primeira, que é a dimensão formal do princípio, “trata-se da garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder falar no processo”. Pela segunda, que cuida de um aspecto substancial do princípio, a parte deve ser ouvida “em condições de poder influenciar a decisão do magistrado[viii]. Essa segunda dimensão, a substantiva, é, hodiernamente, tratada como a ampla defesa, jungindo os princípios dispostos no inciso LV do art. 5º da CF num só direito fundamental.

Assim, o tomador de serviços, em uma eventual ação autônoma para atribuir a responsabilidade subsidiária, não teria a possibilidade de influir na decisão acerca das parcelas trabalhistas já deferidas na demanda originária, uma vez que sequer poderão ser discutidas.

Além disso, frise-se que a responsabilidade subsidiária é um pedido na modalidade de cumulação própria sucessiva, segundo a qual o pedido posterior somente será apreciado se o pedido anterior for deferido. Assim, pleiteadas verbas trabalhistas em face do empregador, caso acolhidas, passa-se ao exame do pedido sucessivo de responsabilidade subsidiária do tomador de serviços. Tal pleito deve ser formulado à luz do permissivo do art. 46 do CPC, que trata do litisconsórcio passivo simples.

Entretanto, resta preclusa a oportunidade de demandar a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, uma vez que a reclamação ajuizada somente em face da empresa prestadora de serviços transitou em julgado sem que tal pleito fosse deduzido, incidindo a eficácia preclusiva da coisa julga de que trata o citado 474 do CPC.

No sentido dos argumentos acima deduzidos, vale transcrever ementa de recente julgado oriundo da SBDI-I do TST:

EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007. AJUIZAMENTO DE AÇÃO AUTÔNOMA COM VISTAS À RESPONSABILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DE SERVIÇOS PELAS PARCELAS DEFERIDAS EM PROCESSO DO QUAL NÃO PARTICIPOU. OFENSA À COISA JULGADA E AO DIREITO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. O entendimento que vem predominando nesta Corte superior é de que o ajuizamento de uma nova ação apenas contra o tomador de serviços em que se pretende sua responsabilidade subsidiária quando já transitada em julgado ação anterior contra seu empregador afronta a coisa julgada produzida na primeira ação e atenta contra o direito do tomador de serviços à ampla defesa e ao contraditório. Esse foi o entendimento que prevaleceu no âmbito da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte, em sessão com composição completa, por maioria de votos, no julgamento do Processo nº E-RR – 9100-62.2006.5.09.0011, de relatoria do Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, julgado em 8/3/2012 e publicado em DEJT de 3/8/2012. Ressalvado o entendimento pessoal deste Relator. Embargos conhecidos e desprovidos (E-RR – 25100-40.2006.5.09.0011 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 18/06/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 30/06/2015).

Nessa linha intelectiva, em que pese a posição de doutrinadores de alçada, deve-se adotar o entendimento pacífico do TST, segundo o qual não é possível o ajuizamento de ação autônoma para atribuir responsabilidade subsidiária ao tomador de serviços, mesmo porque favorável aos interesses da Fazenda Pública em eventual demanda dessa espécie.

Samuel Lages, Advogado da União.

EBEJI

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[i] Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2014, p. 1.014.

[ii] Processo do Trabalho: temas atuais. São Paulo: LTr, 2003, p. 181.

[iii] Na prática, verifica-se que os tomadores de serviço têm contestado os demais pedidos formulados em ações trabalhistas, mormente quando as empresas prestadoras abandonam a execução do contrato, deixando os empregados à míngua. Destaca-se que é tese institucional da Procuradoria-Geral da União a formulação de defesa em relação a todos os pedidos das ações trabalhistas em que a União é acionada como devedora subsidiária.

[iv] TST-E-A-ED-RR-536400-73.2005.5.09.0011, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJU de 29/06/2007

[v] E-ED-RR – 321-97.2012.5.03.0101 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 13/03/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 28/03/2014

[vi] in Curso de Processo Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial, Coisa Julgada e Antecipação dos Efeitos da Tutela, vol. 2, 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2011

[vii] Ob. cit. p. 436

[viii] Ob. cit. 56