Daniela CarvalhoProcuradora Federal

Aprovada na 10a colocação no concurso da AGU em 2013

Ex-aluna EBEJI

EBEJI

O nosso post de hoje envolve uma importante faceta do IPI, consistente na isenção do mesmo na compra de veículos automotores. O tema chamou atenção por ter sido julgado recentemente pelo STJ. Vamos dar uma relembrada no IPI até chegarmos ao tema do precedente?

O imposto sobre produtos industrializados é de competência da União (art. 153, IV da CRFB). Relembrando que ele deve ser seletivo, em função da essencialidade do produto; não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior; terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei. (art. 153, parágrafo 3º da CRFB).

Pois bem, sendo um imposto de competência da União, a ele se aplica o art. 150, parágrafo 6º da Constituição, vejamos:

“§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”

Assim, uma eventual isenção de IPI deve estar prevista em lei federal específica e exclusiva. Em total sintonia com a Constituição, veio a Lei 8989 de 1995. O seu artigo 1º, IV traz a isenção às pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal. Destacamos a possibilidade de a isenção beneficiar os representantes legais. Assim, e.g., os pais de uma criança autista podem se beneficiar da isenção, já que existe a autorização legal.

Observação: a benesse consiste em ISENÇÃO, e não em imunidade tributária. Cuidado com possíveis pegadinhas em provas objetivas!

O art. 2º da mesma lei limita a comprar de veículos isentos de IPI a cada dois anos. (Art. 2o A isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI de que trata o art. 1o desta Lei somente poderá ser utilizada uma vez, salvo se o veículo tiver sido adquirido há mais de 2 (dois) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005). Parágrafo único. O prazo de que trata o  caput deste artigo aplica-se inclusive às aquisições realizadas antes de 22 de novembro de 2005.   (Incluído pela Lei nº 11.307, de 2006).

Contudo, chegou ao STJ um caso concreto em que o veículo foi roubado antes do decurso do período de dois anos. E, aí, caros colegas, seria possível relativizar a previsão legal? A resposta é positiva, de acordo com recente julgado da Primeira Turma do STJ. Restou decidido que:

“O dispositivo, entretanto, deve ser interpretado de maneira a satisfazer o caráter humanitário da política fiscal, primando pela inclusão das pessoas com necessidades especiais e não restringindo seu acesso. Com efeito, a orientação do STJ é que a Lei 8.989/1995 não pode ser interpretada em óbice à implementação de ação afirmativa para inclusão de pessoas com necessidades especiais (REsp 567.873-MG, Primeira Turma, DJ 25/2/2004). Assim, cabe, na situação em análise, afastar a limitação temporal do art. 2º. da Lei 8.989/1995, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e em razão de motivo de força maior.” (REsp 1.390.345-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 24/3/2015, DJe 7/4/2015)

Não é difícil entender a relativização feita pelo Ministro Relator. Afinal, a mens legis da isenção consiste na materialização da política pública de inclusão social das pessoas portadoras de necessidades especiais. Fundamentando o decisum no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CRFB) e em motivo de força maior, o Ministro afastou a limitação temporal, determinando que a isenção fosse novamente concedida. Eu acrescentaria a sintonia com a Convenção de Nova Iorque, adotada pelo Brasil com status de Emenda Constitucional, em especial o art. 4, item 1, alínea c, o qual dispõe:

“Artigo 4

Obrigações gerais

1.Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:

c) Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência.”

Bons estudos!

Daniella Carvalho, Procuradora Federal