O Laudêmio nos Terrenos de Marinha sob Regime de Ocupação
As questões jurídicas relacionadas aos terrenos de marinha são inúmeras, já havendo o signatário elaborado posts sobre (i) a possibilidade de se usucapir o domínio útil dos terrenos de marinha em regime de aforamento/enfiteuse e (ii) a desnecessidade de, após as demarcações dos terrenos de marinha, interposição de ação judicial para retificação do registro cartorário.
Presentemente, o que se pretende é abordar é a seguinte temática: pode a UNIÃO cobrar o laudêmio quando o ocupante transferir a posse de terreno de marinha?
Como introito, há de se mencionar que os terrenos de marinha, que a Constituição Federal definem como de propriedade da União (art. 20, inciso VII), podem ter a sua posse exercida, por particulares, sob dois regimes: aforamento/enfiteuse ou ocupação.
O regime de aforamento/enfiteuse tem natureza contratual, constituído mediante ajuste celebrado entre o particular (enfiteuta) e proprietário (senhorio direto) que, no caso dos terrenos de marinha, será a UNIÃO (Secretaria do Patrimônio da União – SPU).
Trata-se de uma modalidade de direito real sobre coisa alheia e consiste na divisão em (i) domínio direto, exercido pelo proprietário ou senhorio, e (ii) domínio útil, transmitido ao foreiro/enfiteuta, que fica obrigado ao pagamento de uma pensão anual ou foro.
Por se tratar de direito real de caráter perpétuo, o domínio útil é passível de transação onerosa, hipótese em que será devido pelo enfiteuta de terreno de marinha o pagamento do chamado laudêmio, no percentual de 5% do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias nele realizadas, nos termos do art. 3º do Decreto-Lei 2.398/87, in verbis:
Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos.
Por sua vez, a ocupação, nos precisos termos do art. 7º da Lei 9.636/1998, “é ato administrativo precário, resolúvel a qualquer tempo”. Tal caráter precário vem reforçado pelo disposto no art. 132 do Decreto-Lei 9.760/1946: “A União poderá, em qualquer tempo que necessitar do terreno, imitir-se na posse do mesmo, promovendo sumariamente a sua desocupação”, sendo que “as benfeitorias existentes no terreno só serão indenizadas, pela importância arbitrada pela SPU”.
Além do caráter precário, calha aqui mencionar, a título de informação, que a ocupação de terreno de marinha é mais dispendiosa, porque o ocupante deve recolher, anualmente, uma taxa na alíquota de 2% para as ocupações inscritas na SPU até 30/09/1988 e de 5% para aquelas inscritas após essa data (Decreto-Lei 2.422/1988).
Essa alíquota da taxa de ocupação é calculada sobre o valor do domínio pleno do terreno de propriedade da União, não devendo ser incluído nesse cálculo o valor das benfeitorias ou construções erigidas pelo ocupante (Decreto-Lei 2.398/1987, art. 1º). Já no aforamento, o valor do foro anual é menor, calculado pela alíquota de 0,6% do valor do domínio pleno (Decreto-Lei 9.760/1946, art. 101).
Pois bem, traçada essas molduras, divergência havia quanto a possibilidade da UNIÃO cobrar laudêmio nas transferências onerosas realizadas por ocupantes de terrenos de marinha.
Não obstante a AGU defender a obrigatoriedade dessa exação -calcada no art. 3º do Decreto-Lei 2.398/87 acima transcrito, diversas eram os julgados contrários, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (Resp n. 1128194/SC, Primeira Turma).
Tais julgados eram no sentido de que, não se tratando de enfiteuse mas de mera ocupação de terreno da marinha, não haveria como submeter a alienação do imóvel ao prévio pagamento de laudêmio.
Entrementes, a Primeira Seção do STJ definiu o imbróglio em favor da UNIÃO, conforme julgado cuja ementa abaixo se colaciona:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ACÓRDÃOS PARADIGMAS PROFERIDOS PELA MESMA TURMA. NÃO CABIMENTO. TERRENO DE MARINHA. ENFITEUSE. MERA OCUPAÇÃO. LAUDÊMIO. LEGALIDADE. PRECEDENTES.
1. Nos termos do art. 546, I, do CPC, não se presta a autorizar o processamento dos embargos de divergência acórdão proferido pela mesma Turma prolatora do acórdão recorrido.
2. A cobrança de laudêmio não se limita ao regime de aforamento de terreno de marinha, incidindo em caso de transferência onerosa de imóvel ou de benfeitorias nele construídas, ainda que em regime de ocupação.
3. Precedentes: EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1224728/SC, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13.9.2011; AgRg nos EDcl no AREsp 13.693/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 14.10.2011; AgRg nos EDcl nos EDcl no Ag 1381971/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 6.12.2011; REsp 1.128.333/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30.9.2010.
Embargos de divergência conhecidos, mas improvido
(STJ, EREsp 1250916 / SC, Primeira Seção, Relator Ministro Humberto Martins, 11.04.2012)
Sendo assim, não há mais que se falar em limitação de cobrança de laudêmio ao regime de aforamento/enfiteuse de terreno de marinha, devendo a UNIÃO cobrar o laudêmio nos casos de transferência onerosa de imóvel ou de benfeitorias nele construídas, ainda que em regime de ocupação.
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