Prescrição em face da Fazenda Pública e a teoria das relações jurídicas distintas do STJ (reparação civil e execução)

 

A. Prescrição em ação de conhecimento (reparação civil) proposta em face da Fazenda

Analisemos, inicialmente, as normas que regem (ou deviam reger) a prescrição em face da Fazenda.

a.1. Decreto 20.910/32
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
(…)
Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.

a.2. Lei 9.494/97
Art. 1o-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

a.3. Código Civil de 2002
Art. 206. Prescreve:
(…)
§ 3o Em três anos:
(…)
V – a pretensão de reparação civil;

A partir de 2002, surge enorme questionamento doutrinário se se aplica a nova regra do Código Civil para as prescrições em face da Fazenda, afastando-se o disposto no art. 1º do Decreto mencionado, notadamente em razão de seu art. 10.

Surgiram, portanto, alguns argumentos a favor da prescrição trienal aplicáveis para as ações em face da Fazenda:

a. aplicação do art. 10 do Decreto 20.910/32.
b. norma posterior tratando do mesmo assunto, revoga norma anterior.
c. evolução dos prazos prescricionais em desfavor da Fazenda.

No ponto “c” acima, analise, inclusive, cronologicamente como se deu, até o presente momento, o regramento da matéria.

c.1. Em 1932:
i. Decreto: 5 anos (lei especial prevê prazo mais benéfico para a Fazenda Pública)
ii. Código Civil: 20 anos (lei geral prevê prazo mais longo para a reparação civil)

c.2. Em 2001:
i. Decreto: 5 anos (lei especial prevê prazo mais benéfico para a Fazenda Pública)
ii. Código Civil: 20 anos (lei geral prevê prazo mais longo para a reparação civil)
iii. Lei 9.494/97 prevê prazo de 5 anos (não muda nada, lei modificada quando ainda em vigor o CC de 1916).

c.3. Em 2002:
i. Decreto: 5 anos (lei especial prevê mais alongado para a Fazenda em relação a nova lei especial – CC)
ii. Código Civil: 3 anos (lei geral prevê prazo mais benéfico que pode ser aplicado à Fazenda)
iii. Lei 9.494/97 prevê prazo de 5 anos (não muda nada, lei modificada quando ainda em vigor o CC de 1916).

 

Qual prazo prescricional prevalece? Para responder temos que analisar os momentos da jurisprudência do STJ

1. STJ – PRIMEIRO MOMENTO (aplicação do art. 10 do Decreto 20.910/32):

“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS.
1. O legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto nº 20.910/32.
2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 prevalece sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.
3. Recurso especial provido.” (fl. 265).

Ainda, os Tribunais Regionais Federais (TRF4), por todos:

“INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO. Nas ações de reparação civil envolvendo a Fazenda Pública, adota-se o prazo prescricional de três anos, em razão da redução promovida pelo art. 206, § 3º, V, do Código Civil.” (grifos nossos) (TRF4, AC 2007.71.00.032551-9, Relator(a) Des. MARCO ANTÔNIO ROCHA, Quarta Turma, unânime, Publicado em 22/06/2009).

2. STJ – SEGUNDO MOMENTO (criação da teoria da distinção das relações jurídicas):

Nas ações contra a Fazenda Pública aplica-se o prazo prescricional quinquenal nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32, pois o Código Civil é um ‘diploma legislativo destinado a regular as relações entre particulares, não tendo invocação nas relações do Estado com o particular’. (…) O art. 1º do Decreto n. 20.910/32 deve ser aplicado a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica. (AgRg no REsp 1274518/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 1º/03/2012, DJe 07/03/2012).

3. STJ – TERCEIRO MOMENTO (efetivação da teoria da distinção das relações jurídicas):

EMENTA
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543-C DO CPC). RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL (ART. 1º DO DECRETO 20.910⁄32) X PRAZO TRIENAL (ART. 206, § 3º, V, DO CC). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL. ORIENTAÇÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. A controvérsia do presente recurso especial, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n 8⁄2008, está limitada ao prazo prescricional em ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em face da aparente antinomia do prazo trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) e o prazo quinquenal (art. 1º do Decreto 20.910⁄32).
2. O tema analisado no presente caso não estava pacificado, visto que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública era defendido de maneira antagônica nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois existem julgados de ambos os órgãos julgadores no sentido da aplicação do prazo prescricional trienal previsto no Código Civil de 2002 nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. Nesse sentido, o seguintes precedentes: REsp 1.238.260⁄PB, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 5.5.2011; REsp 1.217.933⁄RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 25.4.2011; REsp 1.182.973⁄PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 10.2.2011; REsp 1.066.063⁄RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 17.11.2008; EREspsim 1.066.063⁄RS, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22⁄10⁄2009). A tese do prazo prescricional trienal também é defendida no âmbito doutrinário, dentre outros renomados doutrinadores: José dos Santos Carvalho Filho (“Manual de Direito Administrativo”, 24ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2011, págs. 529⁄530) e Leonardo José Carneiro da Cunha (“A Fazenda Pública em Juízo”, 8ª ed, São Paulo: Dialética, 2010, págs. 88⁄90).
3. Entretanto, não obstante os judiciosos entendimentos apontados, o atual e consolidado entendimento deste Tribunal Superior sobre o tema é no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal – previsto do Decreto 20.910⁄32 – nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002.
4. O principal fundamento que autoriza tal afirmação decorre da natureza especial do Decreto 20.910⁄32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da legislação, muito menos é capaz de determinar a sua revogação. Sobre o tema: Rui Stoco (“Tratado de Responsabilidade Civil”. Editora Revista dos Tribunais, 7ª Ed. – São Paulo, 2007; págs. 207⁄208) e Lucas Rocha Furtado (“Curso de Direito Administrativo”. Editora Fórum, 2ª Ed. – Belo Horizonte, 2010; pág. 1042).
5. A previsão contida no art. 10 do Decreto 20.910⁄32, por si só, não autoriza a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido pelo Código Civil de 2002, a qual deve ser interpretada pelos critérios histórico e hermenêutico. Nesse sentido: Marçal Justen Filho (“Curso de Direito Administrativo”. Editora Saraiva, 5ª Ed. – São Paulo, 2010; págs. 1.296⁄1.299).
6. Sobre o tema, os recentes julgados desta Corte Superior: AgRg no AREsp 69.696⁄SE, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 21.8.2012; AgRg nos EREsp 1.200.764⁄AC, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 6.6.2012; AgRg no REsp 1.195.013⁄AP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 23.5.2012; REsp 1.236.599⁄RR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.5.2012; AgRg no AREsp 131.894⁄GO, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 26.4.2012; AgRg no AREsp 34.053⁄RS, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 21.5.2012; AgRg no AREsp 36.517⁄RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.2.2012; EREsp 1.081.885⁄RR, 1ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 1º.2.2011.
7. No caso concreto, a Corte a quo, ao julgar recurso contra sentença que reconheceu prazo trienal em ação indenizatória ajuizada por particular em face do Município, corretamente reformou a sentença para aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910⁄32, em manifesta sintonia com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema.
8. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08⁄2008.

Informações importantes do julgado:

a. União e Estado do Rio Grande do Sul como amicus curie.
b. A tese passou a orientar as demais instâncias da Justiça brasileira em ações que discutem a mesma questão, eis que decidido em grau de recurso repetitivo.

Moral da história: aplicação da teoria da distinção das relações jurídicas e prevalência do prazo prescricional de 5 anos em desfavor da Fazenda Pública.

 

B. Prescrição em Execução proposta em face da Fazenda

1. Sentença de procedência – trânsito em julgado – início do prazo prescricional da pretensão executiva.

2. O prazo para o exercício da pretensão executiva é o mesmo para o da pretensão veiculada na demanda de conhecimento, ou seja, 5 (cinco) anos.
STF Súmula nº 150 – Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação.