O que faz a Fazenda Pública quando o autor desiste da ação?

 

Inicialmente, analisemos os aspectos legais e jurisprudenciais(1) ato processual de desistência da ação. É cediço que os atos processuais possuem efeitos imediatos nos termos do art. 158, CPC, vejamos:

 

Art. 158. Os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais.

 

Não obstante o dispositivo, a desistência da ação representa situação excepcional eis que sua eficácia somente se processa após o trânsito em julgado por sentença (art 158, parágrafo único, CPC), com extinção do processo SEM resolução do mérito (art. 267, parágrafo 4o, CPC).

 

Frise-se, ainda que para desistir da ação o advogado deve ter procuração com poderes especiais (art. 38 do CPC).

 

Em relação ao momento de desistência, interessante notar sua extreira ligação com a unilateralidade ou bilateralidade do ato, vejamos o que diz o art. 267. § 4o:

 

Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.

 

Prazo para resposta do réu leia-se apresentação da resposta do réu. Antes da apresentação da resposta do réu a desistência é unilateral. Após a apresentação da resposta do réu a desistência é bilateral. Apresentada a contestação, o réu também passa a ter o direito a suma sentença de mérito.

 

Situação interessante ocorre no Mandado de Segurança(2), vejamos o que diz a jurisprudência do STJ – Resp 1405532:

 

O IMPETRANTE PODE DESISTIR DE MANDADO DE SEGURANÇA SEM A ANUÊNCIA DO IMPETRADO MESMO APÓS A PROLAÇÃO DE SENTEÇA DE MÉRITO.

 

Em casos de revelia(3), insta observar que apenas se exige concordância do réu para desistência da ação quando este apresenta contestação. Dessa forma, sendo o réu revel, o autor pode desistir da ação mesmo após escoado o prazo para apresentação de defesa.

 

Na revelia, o réu manifesta total desinteresse na sentença de mérito, razão pela qual desnecessária a sua intimação para manifestar-se sobre o pedido de desistência.

 

Ocorre que, e se houver intimação do réu revel para concordar com o pedido de desistência?

 

Trata-se de erro de procedimento que gera nulidade da decisão.

 

Três situações se apresentam:

a. o réu permanece inerte: nulidade da decisão não gera prejuízo ao autor, sentença que homologa a desistência da ação;

b. o réu concorda com o pedido: nulidade da decisão não gera prejuízo ao autor, sentença que homologa a desistência da ação;

c. o réu discorda do pedido de desistência: agravo com postulação da anulação da decisão para homologar a desistência sem levar em consideração a anuência do réu.

 

Importa acrescentar ao estudo da desistência, ainda, que a não aceitação da desistência sem justificativa plausível constitui abuso de direito por parte do réu(4). Assim entende o STJ, vejamos:

 

STJ: “a recusa do réu ao pedido de desistência deve ser fundamentada e justificada, não bastando a simples alegação de discordância, sem a indicação de motivo relevante”. Resp 241.780.

 

Quais o motivos plausíveis que levam o réu da ação a não concordar com a desistência?

 

a. vislumbre de vitória no processo;

b. interesse na coisa julgada sobre a decisão;

c. impossibilidade do autor renovar a ação com outras provas e elementos.

 

A recusa desfundamentada gera, nos termos apresentados acima, a homologação da desistência por decisão judicial.

 

E quando a desistência se dá em face da Fazenda Pública(5)?

 

Atente para o que diz a lei 9.469/97:

 

Art. 3o As autoridades indicadas no caput do art. 1o poderão concorda com pedido de desistência da ação, nas causas de quaisquer valores desde que o autor renuncie expressamente ao direito sobre que se funda a ação.

 

A Fazenda Pública exige que o pedido de desistência se transforme em renúncia ao direito sobre que se funda a ação.

 

Qual a principal razão para essa exigência legal? É que a renúncia põe fim ao processo com resolução de mérito (art. 269, V, CPC), o que é mais interessante para o Ente de Direito Público.

 

Alguns autores defendem que a exigência legal atenta contra o princípio da razoabilidade.

 

O que diz a jurisprudência?

 

TRF – 1a Região:

“Com efeito, “é razoável a sentença que homologa pedido de desistência, se a ré não apresenta motivos justificados para se opor a essa pretensão, não obstante o disposto no art. 3o da Lei 9.469/97, no sentido de que a desistência da ação contra a União, Autarquias, Fundações e Empresa Públicas Federais só será admitida se o autor renunciar ao direito em que se funda a ação. De fato, a simples alegação de observância à referida lei não é motivo justificado para que a União se oponha à desistência.” APELAÇÃO CÍVEL 0029211-52.2010.4.01.3400/DF. Brasília-DF, 8 de abril de 2014 (data do julgamento).

 

STJ:

a resistência ao pedido de desistência da ação não é descabida quando fundada no art. 3o da Lei 9.469/97”. Assim, o STJ, ao contrário do TRF1, entende legítima a regra.

 

Mais:

A orientação das Turmas que integram a Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, após o oferecimento da contestação, não pode o autor desistir da ação, sem o consentimento do réu (art. 267, § 4o, do CPC), sendo que é legítima a oposição à desistência com fundamento no art. 3o da Lei 9.469/97, razão pela qual, nesse caso, a desistência é condicionada à renúncia expressa ao direito sobre o qual se funda a ação. 5. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/08. (REsp 1267995 / PB Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES DJe 03/08/2012)

 

Conjugação das razões da desistência da Fazenda com a lei 9.469/97. Vejamos as situações que podem surgir diante de um pedido de desistência em face da Fazenda quando há ou não razões para contraposição:

 

1. Se a Fazenda Pública possui razão fundamentada para não concordar com o pedido de desistência:

a. Exige a renúncia e o autor assim o faz: processo extinto com resolução do mérito;

b. Exige a renúncia e o autor discorda: desistência não é homologada em razão da lei 9.469/97 ou do fundamento que resiste à desistência e que sustenta o interesse da Fazenda em uma sentença de mérito.

 

2. Se a Fazenda Pública não possui razão fundamentada para não concordar com o pedido de desistência (Exemplo: a Fazenda contestou e apresentou preliminar que, se procedente, gera a extinção do processo sem resolução do mérito):

a. Exige a renúncia e o autor assim o faz: processo extinto com resolução do mérito;

b. Exige a renúncia e o autor discorda: parte da doutrina entende que o Juiz deve afastar o art. 3o da Lei 9.469/97 por inconstitucionalidade (ausência de proporcionalidade) e homologar o pedido de desistência. Nesse caso, a Fazenda deve apelar.

 

Grato pela atenção de todos, forte abraço.

 

Ubirajara Casado