O que se entende por orçamentos rabilongos?
“Suponha que um projeto de lei orçamentária contenha um dispositivo que tipifique o crime de intervenção de dados pessoas pela Internet e outro que revogue a possibilidade de os órgãos de controle interno da administração pública avaliarem a eficácia e a eficiência dos resultados da gestão orçamentária. Nessa situação hipotética, é possível, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, a inclusão de tais dispositivos?”
A pergunta acima foi feita na prova oral de Direito Financeiro/Econômico do último concurso para Advogado da União (2012). É uma questão extremamente interessante e permite que a resposta abarque inúmeros assuntos. Porém, nos atendo especificamente ao título, antes de adentrarmos no tema, mostra-se premente que sejam feitos breves esclarecimentos sobre o princípio da exclusividade ou da pureza orçamentária.
Conforme o art. 165, §8º, da CRFB
§ 8º – A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.
Esse princípio possui uma importância fundamental por conta de questões históricas, bem como para evitar que a lei orçamentária anual torne-se um cipoal com inúmeras disposições legais que não guardem a mínima pertinência com a temática orçamentária (o clássico “jabuti” legislativo, em clara violação às disposições da LC 95/98). Importante trazer à baila o art. 7º da aludida lei complementar:
Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios:
I – excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;
II – a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;
III – o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva;
IV – o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subseqüente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa.
Frise-se que a pureza legal não é exclusividade da lei orçamentária, haja vista as disposições da já mencionada LC 95/98. Em que pese ser comum que em um mesmo diploma legal coexistam matérias completamente díspares, demonstrando um típico caso em que os fatos se rebelam contra o Direito, esse tipo de expediente mais complica do que facilita a elaboração e cumprimento das normas.
O processo legislativo orçamentário possui um rito com mais peculiaridades e com uma necessidade de aprovação urgente, haja vista os transtornos causados à Administração Pública quando os prazos constitucionais e legais são extrapolados ou, no pior dos casos, o vindouro ano orçamentário tem início e o próprio orçamento não foi aprovado. Logo, diante dessa característica, por inúmeras razões, torna-se “agradável” a tentativa de “colar” na lei orçamentária alguma disposição legal.
O Direito Comparado também demonstra sofrer o problema de haver matéria estranha ao conteúdo de uma lei orçamentária. Uma expressão nacionalmente famosa, e que costuma ser mencionada em inúmeras provas, é a cauda orçamentária. No direito inglês são os tackings; no direito dos EUA, riders e, no direito francês, cavaliers budgetaires.
Desde os tempos imperiais, apesar de haver algum dispositivo legal mencionando a necessidade de “simplificar” as questões orçamentárias, diversas matérias que aparentavam ter alguma ligação com o orçamento foram sendo embutidas. Em 1922, diante do volume de caudas existentes, o então presidente Epitácio Pessoa chamou de “calamidade nacional” essa prática.
O famoso jurista Rui Barbosa, também conhecido como o Águia de Haia, cunhou a expressão orçamento rabilongo, isto é, uma cauda comprida. De modo a tentar sanar esse problema, com a reforma constitucional empreendida em 1926, duas alterações relevantes, em termos orçamentários, foram concretizadas: vedou-se a concessão de créditos ilimitados e o princípio da exclusividade “nasceu”. Ressalte-se que esse princípio é tão importante que nas demais constituições, democráticas ou não, ele permaneceu, com algumas alterações.
Retornando à questão que iniciou este texto, analisando apenas pelo viés dos orçamentos rabilongos, resta clarividente que o ordenamento jurídico não tolera a inclusão de um dispositivo penal em uma lei orçamentária, bem como também não aceita o dispositivo revogador. No caso deste, além de ser uma clara afronta ao princípio da pureza ou exclusividade orçamentária, também violaria ferozmente toda a sistemática material de controle inerente à Administração, além de quebrantar o princípio constitucional da eficiência.
Dr. Rodrigo Duarte, Advogado da União.
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