O que vem a ser estabilização de um ato administrativo?

Antes de abordar o que seria a estabilização de um ato administrativo, necessariamente deve ser revisitado o tema da convalidação (também nominada de aperfeiçoamento ou sanatória).

Resumidamente, convalidar um ato administrativo significa a atitude da Administração “… para aproveitar atos administrativos com vícios superáveis, de forma a confirmá-los no todo ou em parte. Só é admissível o instituto da convalidação para a doutrina dualista, que aceita possam os atos administrativos ser nulos ou anuláveis”, conforme ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho.

Um ato para ser convalidado deve ser sanável, isto é, o vício deve afetar a competência e/ou a forma (ou o objeto do ato deve ser plúrimo, ou seja, diversas vontades emanadas em um único ato). Porém, ainda que o vício atinja um ou alguns dos elementos anteriormente citados, há situações em que a convalidação é desnecessária ou inviável.

O longo transcurso temporal pode servir como uma barreira para a convalidação, por conta de eventual prescrição ou, por exemplo, pela magnitude dos danos que podem ser causados para os envolvidos direta ou indiretamente na situação.

Há doutrinadores que criaram uma distinção entre convalidação e estabilização do ato administrativo. O STF, no ano de 2012, ao julgar a Ação Cível Originária nº 79 (cujo ano de ajuizamento é 1959!!!!!!), tendo a União como parte autora, aduziu um pouco sobre o tema.

A mencionada ação foi ajuizada pela União pretendendo a declaração de nulidade de vários contratos em que o estado de Mato Grosso outorgou terras públicas a diversas empresas colonizadoras. A Constituição de 1946 vedava concessões ou alienações de terras públicas cuja área fosse superior a dez mil hectares. Entretanto, ficou comprovado nos autos que houve transferência de porções de terra superiores ao limite, o que já denotaria uma ilegalidade latente.

Destaque-se que em várias constituições brasileiras sempre houve preocupação com alienações ou concessões de terras públicas que possuíssem um tamanho considerável. Questões de interesse público e estratégicas demandam essa preocupação constitucional.

Salta aos olhos que anular essa ilegalidade, mais de 50 anos depois, ocasionaria um transtorno inimaginável para os interessados e, muito provavelmente, para milhares de pessoas, físicas e jurídicas, que entabularam relações sociais sobre as “terras ilegais”.

Conforme trechos do voto do Ministro relator:

“… ressaltou serem extremamente consideráveis os seguintes aspectos fáticos: a) os contratos em questão foram pactuados há 59 anos; b) a cadeia dominial a partir daí perder-se-ia no tempo, abrangendo extensa área que equivaleria, aproximadamente, a 40.000 km² (corresponderia ao dobro da área do Estado de Sergipe); c) as concessões de domínio foram realizadas por ente federativo, o que, presumir-se-ia, haver despertado nos adquirentes fundada convicção da legalidade dos negócios. Aduziu que, assim como no direito estrangeiro, o ordenamento brasileiro reverenciaria os princípios ou subprincípios conexos da segurança jurídica e da proteção da confiança, sob a compreensão de que nem sempre se assentariam, exclusivamente, na legalidade. Isto significaria que situações de fato, ao perdurar significativamente no tempo — sobretudo se oriundas de atos administrativos, que guardariam presunção e aparência de legitimidade —, deveriam ser estimadas com cautela quanto à regularidade jurídica, até porque, enquanto a segurança seria fundamento quase axiomático, perceptível do ângulo geral e abstrato, a confiança, que diz com a subjetividade, apenas seria passível de avaliação perante a concretude das circunstâncias”.

O decorrer do tempo, a proteção da confiança e, principalmente, a segurança jurídica em um caso sensível como esse foram fortes argumentos para estabilizar os atos administrativos ilegais. No julgado foi possível verificar que o STF, ainda que tangencialmente, teceu considerações sobre a diferenciação entre estabilização e convalidação.

Assim, ficou esclarecido que a convalidação só poderia ocorrer no caso de atos administrativos que admitissem repetição sem vícios. Assim, em sentido oposto, para aqueles atos que não pudessem ser sanados na conjuntura temporal atual, ocorreria a estabilização ou consolidação.

Para finalizar, deve ser compreendido que a segurança jurídica não é e não pode servir como escudo para “tornar aceitável” situações teratológicas ou que tenham afrontado (ou afrontem) violentamente a ordem legal/constitucional. Caso contrário, essa linha de pensamento será uma espécie de premiação para o gestor ou servidor que atue fora dos consectários lícitos administrativos.

A segurança jurídica deve ser chamada para apaziguar as contingências que possam causar transtornos gigantescos, e não como solução mágica para ilegalidades. Importante frisar que muitos autores não fazem essa distinção, especialmente porque o plano fático não será afetado por questões de nomenclatura. Mas, como o STF já abordou o tema ao analisar o princípio da proteção da confiança, esse tipo de conhecimento é importantíssimo e pode enriquecer a profundidade do conhecimento em uma questão discursiva ou oral.

Dr. Rodrigo Duarte, Advogado da União.

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