Haruanã C. Cardoso é Advogado

Professor de Direito Previdenciário

Olá pessoal!

Olha só, no início desse mês – em sessão do dia 07/05/2015 – a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudências dos Juizados Especiais Federais – TNU, capitaneada pelo voto do Ilustre Juiz Federal João Batista Lazzari, proferiu decisão nos autos do processo PEDILEF 0031861-11.2011.4.03.6301 que traz uma nova tendência de se interpretar o instituto da “coisa julgada” no âmbito dos Juizados Especiais Federais.

No caso em discussão, foi reconhecido o direito de uma segurada do INSS em requerer judicialmente pela segunda vez a concessão de um benefício de auxílio-doença, desde que amparado em novos elementos de prova e precedido de um novo requerimento administrativo, sem que se configurem os efeitos da coisa julgada material.

No primeiro processo, o pleito foi julgado improcedente sob a alegação de que a incapacidade teria começado em momento em que não teria sido comprovada a qualidade de segurada, conforme informações contidas no CNIS. Após o transito em julgado, a segurada apresentou novo requerimento administrativo, instruindo com novas provas da sua qualidade de segurada, inclusive com a CTPS, fato que justificou um novo pedido judicial.

As instâncias inferiores entenderam que nova prova e novo requerimento administrativo não afastam os efeitos da coisa julgada.

A discussão, então, foi parar na TNU, que assim decidiu, senão vejamos a Ementa do julgado:

“EMENTA: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. EXTINÇÃO DO PROCESSO. COISA JULGADA. RENOVAÇÃO DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. NOVOS DOCUMENTOS. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA TNU 43. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. PRIMAZIA DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.”

Ab initio, antes de enfrentar o mérito do Incidente de Uniformização, a TNU precisou analisar matéria processual, ou seja, sobre a possibilidade ou não de se apreciar sobre a configuração da coisa julgada, vez que a Súmula 43 daquela Turma expressamente dispõe ser incabível incidente de uniformização questionando matéria processual, verbis:

Súmula 43:

“Não cabe incidente de uniformização que verse sobre matéria processual.” 

Para afastar a aplicação da referida Súmula no caso em comento e, tudo indica, também em casos semelhantes, o Relator ponderou que há grave risco de impossibilitar que a parte autora – segurada e vítima de grave doença – possa postular novamente uma demanda para a concessão de benefício por incapacidade.

O Relator amparou sua decisão em Princípios com valores teleológicos de extrema envergadura os quais prevaleceram frente à simplista aplicação da norma positivada.

Quais seriam, portanto, os princípios em que o Relator pautou seu voto?

  1. Princípio do amplo acesso à Justiça;
  2. Princípio da Instrumentalidade das Formas;
  3. Princípio in dubio pro misero (hipossuficiente – regra constitucional da máxima proteção previdenciária);

Pois bem, mister se faz deixar em expressa evidência (para ser bem redundante mesmo), que ao fundamentar sua decisão nos referidos princípios, a TNU não “revogou”, ou melhor, não enterrou o instituto da coisa julgada previsto nos artigos 301, VI, §§1º e 2º, e 476 do CPC.

Na verdade, a premissa que se extrai do presente leading case é o da possibilidade da relativização da coisa julgada, ou seja, é o de admitir que inexiste instituto jurídico com status absoluto, inclusive a coisa julgada previdenciária.

Além da aplicação dos referidos princípios, o Relator inspirou seu voto em preceito extraído de requisitos da ação rescisória (art. 485, VII, CPC), o que não significa dizer que a TNU admitiu o processamento de ação rescisória no âmbito dos juizados especiais federais. Pelo contrário, pois, além da vedação legal (art. 59, da Lei 9.099/95), a própria TNU pacificou a discussão acerca do não cabimento de ação rescisória no âmbito dos Juizados Especiais Federais por ausência de previsão/permissão legal, conforme se observa no PEDILEF 00000361120144900000, julgado em 12/02/2015.

Assim, quanto ao entendimento acerca da possibilidade da relativização da coisa julgada previdenciária, pode-se concluir que a TNU entendeu, excepcionalmente, ser admissível, desde que presentes os seguintes elementos objetivos e subjetivos:

– Elementos objetivos:

  1. Existir um documento novo ou prova nova (ainda que já existente na época do primeiro ajuizamento);
  2. Existir um novo requerimento administrativo superveniente à primeira sentença judicial;

– Elementos subjetivos:

  1. Condições pessoais do segurado desfavoráveis, ou de vulnerabilidade social (portador de doença grave que causa invalidez + baixa escolaridade);
  2. Não ter sido representada por Advogado na primeira demanda;

Acerca dos elementos objetivos, penso não haver muita dúvida, ante sua essência objetiva.

Contudo, quanto aos elementos subjetivos, pode-se chegar a duas conclusões extremamente importantes:

  1. A imprescindibilidade da aplicação dos fins sociais à norma pelo Magistrado em todas as instâncias, regra descrita no art. 5º, da Lei 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) e no art. 8º, da Lei 13.105/2015 (Novo CPC);
  2. A extrema importância da representação da parte por Advogado, sobretudo, qualificado;

Desse modo, conclui-se que se trata de um entendimento de magnitude social e processual imensurável, bem como que se trata de uma flexibilização, ou melhor, de uma relativização da coisa julgada previdenciária que, por essa natureza, possui característica excepcional, inclusive indicado pelo Nobre Relator Juiz Federal João Batista Lazzari em seu voto.

Penso, então que não é o fim da “coisa julgada” no âmbito dos Juizados Especiais Federais, mas sim uma nova releitura do referido instituto frente aos novos preceitos, sobretudo de cunho social.

Pois é isso pessoal, recomendo a leitura do inteiro teor do julgado.

Bons estudos!

Haruanã C. Cardoso

Advogado sócio do Cardoso Ruiz Advogados, Professor de Direito Previdenciário e Presidente da Comissão da Justiça Federal da OAB/PB.

FONTE: https://www2.jf.jus.br/phpdoc/virtus/

PEDILEF 0031861-11.2011.4.03.6301

PEDILEF 00000361120144900000