Terrenos de Marinha: Laudêmio e Usucapião do Domínio Útil

 

As questões jurídicas relacionadas aos terrenos de marinha são inúmeras, já havendo o signatário elaborado posts sobre (i) a possibilidade de se usucapir o domínio útil dos terrenos de marinha em regime de aforamento/enfiteuse (https://blog.ebeji.com.br/dos-terrenos-de-marinha-e-o-usucapiao/), (ii) a desnecessidade de, após as demarcações dos terrenos de marinha, interposição de ação judicial para retificação do registro cartorário (https://blog.ebeji.com.br/das-demarcacoes-dos-terrenos-de-marinha-e-da-desnecessidade-de-acao-judicial-para-retificacao-do-registro-cartorario/) e (iii) a necessidade de pagamento do laudêmio nos terrenos de marinha utilizados sob o regime da ocupação (https://blog.ebeji.com.br/o-laudemio-nos-terrenos-de-marinha-sob-regime-de-ocupacao/ ) .

Presentemente, o que se pretende é abordar é a seguinte temática: pode a UNIÃO cobrar laudêmio do usucapiente de domínio útil de terreno de marinha?

De logo se apresenta a resposta: não! Seguem as razões.

O conceito de laudêmio está plasmado no art. 3º do Decreto-Lei 2.398/87, in verbis:

Art. 3° Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos. (grifei)

O que esse dispositivo determina é que a Superintendência do Patrimônio da União, para autorizar a transferência onerosa do domínio útil ou da ocupação (a cobrança do laudêmio não se limita ao regime de aforamento de terreno de marinha, mas também ao regime da ocupação – STJ/EREsp nº 1250916/SC), exija o pagamento do laudêmio, para emitir a CAT (Certidão de Autorizativa para Transferência), que será utilizada para a Averbação de Titularidade Cadastral pelo tabelião.

Ou seja, o laudêmio será devido quando houver transferência onerosa dos terrenos de marinha, sejam eles utilizados pelo regime da enfiteuse/aforamento ou ocupação.

Ocorre que a usucapião do domínio útil do terreno de marinha não é hipótese de transferência onerosa, afinal, a usucapião é modalidade de aquisição originária, conforme interpretação do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em acórdão da relatoria do então Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

ADMINISTRATIVO E CIVIL. TERRENO DE MARINHA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. DOMÍNIO ÚTIL. AFORAMENTO. ADMISSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. DECURSO DO PRAZO. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO, E 2.029 DO CC. COBRANÇA DE LAUDÊMIO. IMPOSSIBILIDADE.

(…)

5. Não há que se falar, no caso dos autos, em pagamentode laudêmio,pois este só é exigido nas hipóteses de transferência onerosa do domínio útil de terreno de marinha da União (art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87), situação distinta da analisada, eis que a usucapião é modalidade de aquisição originária da propriedade.

(…)

(TRF/5ª Região, AC – Apelação Civel – 515691, Desembargador Luiz Alberto Gurgel de Faria, Terceira Turma, 17.04.2012)

Por oportuno, calha mencionar que, inobstante o Superior Tribunal de Justiça não tenha, ainda, se debruçado sobre a temática ora posta, vem pacificando entendimento pelo descabimento do laudêmio nas transferências não onerosas de terreno de marinha, a exemplo daquelas transferências patrimoniais não onerosas resultantes de (i) integralizações de capital social e (ii) incorporação societária:

ADMINISTRATIVO – INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE ENFITEUSE – LAUDÊMIO – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADO – TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO ÚTIL DE TERRENO DE MARINHA – INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL – INCABÍVEL COBRANÇA – OPERAÇÃO NÃO-ONEROSA.

(…)

2. A jurisprudência de ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte consolidou-se no sentido de que não é devida a cobrança de laudêmio na transferência do domínio útil de imóvel situado em terreno de marinha para integralizar o capital social de empresa, por não se tratar de operação onerosa.

(STJ, AgRg no REsp 949740 / PE, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 29.06.2009)

ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – INCORPORAÇÃO DE SOCIEDADE – CARÁTER NÃO-ONEROSO – ENFITEUSE – TERRENO DE MARINHA – TRANSFERÊNCIA DO DOMÍNIO ÚTIL – LAUDÊMIO – INEXIGIBILIDADE.(…)2. A enfiteuse divide a propriedade, conforme as faculdades parcelares respectivas, em domínio eminente ou conspícuo e domínio útil. O senhorio tem direito ao laudêmio quando da transferência do direito do enfiteuta.3. A incorporação de sociedades, prevista hoje no Código Civil de 2002, quando não-onerosa, como reconhecido pelas instâncias ordinárias, exime o enfiteuta de pagar o laudêmio ao titular do domínio conspícuo.4. Na espécie, a incorporação deu-se em caráter não-oneroso, como posto no acórdão. As duas empresas – FFB Participações e Construções Ltda. e Empreendimentos FFB Ltda. – realizaram operação econômica, reconhecida juridicamente, com intuito de reorganização de estruturas societárias, e não com finalidade comercialmente enquadrável no conceito de atividade lucrativa.5. Precedentes das Turmas de Direito Público.Recurso especial conhecido em parte e improvido.

Sendo assim, voltando a temática deste post, é de se concluir pela impossibilidade da UNIÃO realizar a cobrança de laudêmio pela transferência do domínio útil de terreno de marinha quando decorrente de usucapião, vez que estar-se-á diante de transferência não onerosa.