PFN 2015 – Direito Penal e Processual Penal – Análise de Prova

EBEJI

Prezados,

No presente post, irei tentar tecer algumas considerações acerca das 2 (duas) questões de penal e processo penal constantes na prova do último domingo (20/09) da Procuradora da Fazenda Nacional, certame organizado pela ESAF. Antes de adentrarmos nos comentários, não posso me furtar em compartilhar a alegria que sinto ao analisar as questões da prova, pois, conforme podem atestar os alunos que assistiram nossas aulas e dicas finais tanto da prova da PFN, como para a prova da AGU (que ainda irá acontecer), alertamos e destacamos a Lei de Lavagem de Capitais e Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária como das leis extravagantes com maior probabilidade de cobrança! Dito e feito! As duas questões trabalharam com os referidos temas, abordando aspectos processuais e materiais! Vamos aos comentários!

95- A extinção do rol de crimes antecedentes da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n. 9.613/98), promovida pela Lei n. 12.683/12, teve como consequência:

a) a extinção da punibilidade de todas as condutas praticadas antes da vigência da Lei n. 12.683/12.

ERRADA. Indubitavelmente, a Lei 12.683/2012 trouxe sensíveis modificações na estrutura da lei de lavagem de capitais, dentre elas a revogação do rol de crimes antecedentes, que conferia desenho primordialmente de 2ª geração na classificação doutrinária. Todavia, essa revogação não acarretou a extinção da punibilidade das condutas praticadas antes da modificação, uma vez que ela veio para acrescentar de maneira ilimitada as infrações antecedentes! É dizer, pois, que a partir da vigência da lei de 2012, qualquer infração penal (inclusive contravenção) pode ser antecedente ao delito de lavagem de capitais. Naturalmente, para que se possa falar em configuração de lavagem de capitais, o crime antecedente deve ter o condão de produzir bens, direitos ou valores! Não há que se falar, então, em extinção da punibilidade!

b) o alargamento das hipóteses de ocorrência da figura típica da lavagem de dinheiro, possibilitando que qualquer delito previsto no ordenamento brasileiro seja o crime antecedente necessário à sua configuração.

CORRETA. Como já mencionado no item anterior, percebe-se que a lei de lavagem de capitais deixou de trazer um rol exaustivo de crimes antecedentes, passando a prever com a nova redação que toda e qualquer infração penal pode ser antecedente do referido delito. Vejamos:

Art. 1o  Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de INFRAÇÃO PENAL. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Consoante anota Gabriel Habib, a “lei brasileira sempre foi uma lei de segunda geração, uma vez que trazia no seu artigo 1º um rol de infrações penais antecedentes das quais poderia haver lavagem de dinheiro proveniente delas. Entretanto, com a alteração operada pela Lei 12.683/2012, ocorreu a revogação desse rol de infrações penais antecedentes, passando a ser possível a lavagem do produto de qualquer infração penal, razão pela qual se conclui que a lei brasileira passou a ser uma lei de terceira geração[1]”.

c) a alteração da natureza do crime de lavagem de dinheiro, que deixou de exigir a ocorrência de um crime antecedente para sua consumação.

ERRADA. Ver comentários anteriores. Agora, a lei exige a ocorrência de infração penal como antecedente, ainda que não se exija condenação, provisória ou definitiva.

d) a exclusão da possibilidade dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e extorsão mediante sequestro serem antecedentes à conduta de lavagem de dinheiro.

ERRADA. Qualquer infração penal passou a poder configurar como antecedente.

e) a abolitio criminis da lavagem de dinheiro a partir da vigência da Lei n.12.683/12.

ERRADA. Não houve abolitio criminis uma vez que a lavagem de capitais não deixou de ser tipificada como ilícito penal.

96- Um empresário foi denunciado em 2008 como incurso no crime do art. 2.º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990 (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária) por declaração falsa feita à Receita Federal em 1999. A pena máxima cominada em abstrato para este crime é de 2 (dois) anos. O juiz de primeiro grau recebeu a denúncia. Todavia, enquadrou os fatos narrados no tipo do art. 1.°, inciso I, do mesmo diploma legal, cuja pena máxima é de 5 (cinco) anos e que trata da efetiva omissão de tributos. Sobre a conduta do juiz, pode-se afirmar que foi:

Muitos alunos “reclamaram” do gabarito e da própria construção da questão. Realmente, ela é um pouco mais complicada e causa estranheza no início da leitura. É que na própria descrição do enunciado há uma premissa equivocada da conduta do juiz de primeiro grau, pois não há elementos suficientes na questão para legitimar a emedatio libelli com o enquadramento no artigo 1º, I da Lei 8.137/90.

Percebam que a principal diferença entre os delitos dos incisos I do artigo 1º e do artigo 2º da lei dos crimes contra a ordem tributária é exatamente que o primeiro é de natureza material, ao passo que o segundo de natureza formal. Ou seja, para a configuração do primeiro é mister a redução ou supressão do tributo, ao passo que esse aspecto é dispensado para o crime do artigo 2º!

Todavia, não há no enunciado qualquer informação que nos autorize a concluir que houve supressão ou redução do tributo, razão pela qual não está correta a atitude do juízo em efetuar a emendatio libelli, que somente pode ser feita, excepcionalmente, antes da prolatação da sentença!

Diante disso, podemos asseverar que a conduta do juízo foi equivocada! Agora vamos analisar cada uma das assertivas:

a) equivocada, pois deveria ter declarado extinta a punibilidade em virtude da ocorrência de prescrição ao invés de receber a denúncia.

CORRETA. Ora, partindo do pressuposto de que a conduta teoricamente praticada pelo agente se amolda ao delito do artigo 2º, I da Lei 8.137/90, como aponta a descrição do enunciado, bem como considerando que a pena máxima em abstrato ao referido delito é de 2 (dois) anos, tem-se que o prazo prescricional máximo será de 4 (quatro) anos, a teor do artigo 109, V do CPB. Se a declaração falsa fora perpetrada em 1999 (consumação do crime formal) e a denúncia fora apresentada em 2008, a prescrição se revela de rigor!

CUIDADO! Alguns alunos questionaram sobre eventual impossibilidade da contagem do prazo prescricional no intervalo entre a data do fato e o recebimento da denúncia! Realmente, o CPB vedou essa contagem, mas por se tratar de modificação da lei penal em prejuízo do réu, somente terá sua aplicação após a vigência da lei! E a modificação se deu no ano de 2010, ou seja, não há que ser aplicada no caso em tela! Vejamos o CPB:

Art. 110, § 1o  A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

Diante de uma conduta prescrita, a rejeição da inicial acusatória é de rigor (vide STJ, APn 510/BA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/08/2013, DJe 17/03/2014).

b) correta em virtude do princípio iura novit curia.

ERRADA. Esse postulado não autoriza o juízo a efetivar condutas contra legem.

c) equivocada, pois deveria ter alterado a capitulação jurídica apenas no momento da prolação da sentença.

ERRADA. Apesar do acerto em afirmar que a regra é a efetivação da emendatio libelli apenas no momento da sentença, fato é que é possível, de maneira excepcional, a efetivação dela quando do recebimento da denúncia ou queixa. O problema aqui é que, diante das informações constantes no enunciado, não seria caso de emendatio, revelando-se correta a capitulação inicial.

d) correta, pois os crimes do artigo 2.º são absorvidos pelos crimes do artigo 1.º da Lei n. 8.137/1990.

ERRADA. Em princípio, não houve crime contra a ordem tributária material, tipificado no artigo 1º da lei.

e) equivocada, pois contrária ao enunciado da Súmula Vinculante n. 24 do STF, segundo a qual o recebimento da denúncia depende do lançamento definitivo do tributo.

ERRADA. Essa Súmula Vinculante possui aplicação exclusiva para os crimes materiais contra a ordem tributária, não devendo, na dicção da jurisprudência do STF, ser aplicada aos crimes formais, como o narrado no enunciado! Confiram:

Súmula Vinculante 24 do STF – Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.

Espero que tenha ajudado! Vamos em frente!

Abraços,

Pedro Coelho

[1] HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais, Tomo I. 7ª Edição, 2015, Ed. JusPodivm., pg. 213.