Já não pairam mais dúvidas quando se questiona acerca da aplicabilidade da teoria do fato consumado para a manutenção em cargo público de candidato não aprovado em concurso, mas que tenha tomado posse em razão de execução provisória de medida judicial precária que seja supervenientemente modificada.

Isso porque o STF possui entendimento pacificado no sentido de que a decisão proferida no limiar do processo se caracteriza pela sua provisoriedade, independentemente do lapso temporal decorrido entre sua publicação e a prolação da sentença, em razão do claro juízo de cognição sumária exercido. In verbis:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO REPROVADO QUE ASSUMIU O CARGO POR FORÇA DE LIMINAR. SUPERVENIENTE REVOGAÇÃO DA MEDIDA. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. “TEORIA DO FATO CONSUMADO”, DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. INAPLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Não é compatível com o regime constitucional de acesso aos cargos públicos a manutenção no cargo, sob fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado que nele tomou posse em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, supervenientemente revogado ou modificado. 2. Igualmente incabível, em casos tais, invocar o princípio da segurança jurídica ou o da proteção da confiança legítima. É que, por imposição do sistema normativo, a execução provisória das decisões judiciais, fundadas que são em títulos de natureza precária e revogável, se dá, invariavelmente, sob a inteira responsabilidade de quem a requer, sendo certo que a sua revogação acarreta efeito extunc, circunstâncias que evidenciam sua inaptidão para conferir segurança ou estabilidade à situação jurídica a que se refere. 3. Recurso extraordinário provido. (RE 608482, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 07/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)

A parte interessada, portanto, e desde o início, está ciente da precariedade da medida judicial, não havendo que se falar em violação ao princípio da confiança legítima, o qual está intimamente relacionado com o princípio da segurança jurídica.

A questão que se põe aqui, todavia, é distinta: é possível que um candidato que tomou posse em cargo público em razão de liminar deferida em sede de mandado de segurança tenha sua aposentadoria, no referido cargo, cassada por conta de denegação posterior da segurança? Dito de outro modo: a sentença que, reformando a decisão liminar, julga improcedente o pedido autoral de posse em cargo público é capaz de ocasionar a cassação da aposentadoria no respectivo cargo?

No âmbito federal, a Lei 8.112/90 estabelece que as únicas hipóteses de cassação da aposentadoria são: acumulação ilegal de cargo público, desde que comprovada a má-fé; e prática, na atividade, de fato punível com demissão, in verbis:

Art. 133, § 6o Caracterizada a acumulação ilegal e provada a má-fé, aplicar-se-á a pena de demissão, destituição ou cassação de aposentadoria ou disponibilidade em relação aos cargos, empregos ou funções públicas em regime de acumulação ilegal, hipótese em que os órgãos ou entidades de vinculação serão comunicados.

Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.

Assim, percebe-se a ausência de previsão legal para impor a mesma pena de cassação da aposentadoria quando o cargo é exercido em razão de decisão judicial precária posteriormente modificada.

Provocado a se manifestar sobre o tema em um caso concreto, o STJ entendeu que, ainda que o vínculo de trabalho estabelecido entre a impetrante e a Administração fosse precário, o vínculo previdenciário se tornou definitivo com a reunião dos requisitos para a concessão da aposentadoria, especialmente após as contribuições previdenciárias vertidas ao regime próprio de previdência.

Assim ficou redigida a ementa do julgado, publicada em 31/03/2017:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA PLEITEANDO PARTICIPAÇÃO NA SEGUNDA ETAPA. POSTERIOR AÇÃO ORDINÁRIA BUSCANDO NOMEAÇÃO. A DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA NO MANDADO DE SEGURANÇA PREJUDICA A PROCEDÊNCIA DA AÇÃO ORDINÁRIA. EXCEPCIONALIDADE DO CASO CONCRETO DIANTE DA APOSENTADORIA DA IMPETRANTE. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. A impetrante prestou concurso para o cargo de Fiscal do Trabalho, a ser realizado em duas etapas: provas e curso de formação. Não tendo sido considerada aprovada na primeira etapa, impetrou Mandado de Segurança em que obteve provimento que lhe permitiu continuar no concurso e realizar a segunda. Terminado o curso de formação, ingressou com Ação Ordinária pedindo a nomeação para o cargo, tendo obtido decisão favorável, exercido o cargo por vários anos e se aposentado. Todavia, o TRF da 3ª Região terminou por denegar a segurança, após o que, em seguida a processo administrativo em que lhe foi assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa, foi editada portaria tornando sem efeito sua nomeação para o cargo e, consequentemente,                 sua                 aposentadoria.CANDIDATO NOMEADO PARA CARGO PÚBLICO COM AMPARO EM MEDIDA JUDICIAL PRECÁRIA NÃO TEM DIREITO A NELE PERMANECER SE A DECISÃO FINAL LHE É DESFAVORÁVEL 2. Ao contrário do que sustenta a impetrante, a existência da Ação Ordinária, que acabou por transitar em julgado favoravelmente a ela, não lhe asseguraria o direito de permanecer no cargo, pois esta Ação era dependente do resultado do Mandado de Segurança anterior, em que buscava sua aprovação no concurso. 3.Transitada em julgado a decisão desfavorável no Mandado de Segurança pela qual ela buscou realizar a 2ª etapa do concurso, considera-se que ela não foi aprovada, e perde o objeto a pretensão de nomeação tratada na Ação Ordinária. 4. O Supremo Tribunal Federal, em julgado realizado   sob   a   égide   da   repercussão   geral,   deu   pela inaplicabilidade da teoria do fato consumado para manutenção em cargo público de candidato não aprovado em concurso (STF, RE 608.482, Relator Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 7/8/2014, Repercussão Geral – Mérito, DJe-213 p. 30/10/2014).5. Assim, se a impetrante estivesse exercendo o cargo, não haveria nenhuma irregularidade no seu afastamento deste depois do trânsito em julgado da decisão judicial desfavorável a ela que lhe permitiu prosseguir   no   concurso   após   a   primeira   etapa.   SITUAÇÃO EXCEPCIONALÍSSIMA DE CONSOLIDAÇÃO FÁTICO-JURÍDICA NO CASO CONCRETO – APOSENTADORIA.6. Não obstante a compreensão acima exarada, constata-se que a impetrante, nomeada sob amparo de decisão judicial liminar, exerceu o cargo até o momento de sua aposentadoria, ocorrida vários anos antes da decisão final do Mandado de Segurança originalmente impetrado por ela para prosseguir no concurso.7.   Embora   o vínculo de trabalho fosse precário, o vínculo previdenciário, após as contribuições previdenciárias ao regime próprio, consolidou-se com a reunião dos requisitos para a concessão de aposentadoria.8. A legislação federal estabelece a cassação da aposentadoria apenas nos casos de demissão do servidor público e de acumulação ilegal de cargos (arts. 133, § 6º, e 134 da Lei 8.112/1990), não havendo, portanto, respaldo legal para impor a mesma penalização quando o exercício do cargo é amparado por decisões judiciais precárias e o servidor se aposenta por tempo de contribuição durante esse exercício após legítima contribuição ao sistema. 9.   Precedente   específico: MS 18.002/DF, relator Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 21/11/2016 (acórdão aguardando publicação) CONCLUSÃO 10. Segurança parcialmente concedida para manter a aposentadoria da impetrante. (MS 20.558/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 31/03/2017).

Portanto, é possível concluir que a teoria do fato consumado não se aplica a nenhuma das duas hipóteses, seja para a manutenção do interessado no cargo público, seja para a manutenção de sua aposentadoria no respectivo cargo. A proibição de cassação da aposentadoria não se dá em razão da teoria do fato consumado, mas sim em virtude da definitividade da relação jurídica estabelecida entre o contribuinte/beneficiário e o respectivo regime próprio de previdência (RPPS), não se tratando de teoria, mas de verdadeiro fato definitivamente consumado.

Em síntese: é possível a exoneração de servidor público empossado em cargo público em razão de decisão judicial liminar posteriormente reformada por sentença de mérito, ao passo que não é viável a cassação da aposentadoria daquele que, antes da sentença meritória, reuniu os requisitos para aposentar no cargo do qual tomou posse em virtude de decisão precária posteriormente reformada, em razão da definitividade do vínculo previdenciário estabelecido.

OBS: todavia, em provas de concurso público, é possível que o examinador utilize a expressão “teoria do fato consumado” para se referir exatamente ao julgado do STJ (MS 20.558/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 31/03/2017), devendo o candidato se atentar para qual direção a questão está apontando. O entendimento acima esposado pode ser melhor desenvolvido em provas subjetivas ou orais.