Praia: Ocupação Irregular e Respectivas Penalidades

As questões jurídicas relacionadas aos terrenos de marinha são inúmeras, já havendo o signatário elaborado posts sobre (i) a possibilidade de se usucapir o domínio útil dos terrenos de marinha em regime de aforamento/enfiteuse (https://blog.ebeji.com.br/dos-terrenos-de-marinha-e-o-usucapiao/), (ii) a desnecessidade de, após as demarcações dos terrenos de marinha, interposição de ação judicial, pela UNIÃO, para retificação do registro cartorário (https://blog.ebeji.com.br/das-demarcacoes-dos-terrenos-de-marinha-e-da-desnecessidade-de-acao-judicial-para-retificacao-do-registro-cartorario/) e (iii) a obrigatoriedade de pagamento do laudêmio quando o ocupante transferir a posse de terreno de marinha (https://blog.ebeji.com.br/o-laudemio-nos-terrenos-de-marinha-sob-regime-de-ocupacao/).

 

O presente post pretende manter essa abordagem a respeito do uso do patrimônio da UNIÃO com foco, entretanto, nas ocupações irregulares de área de praia e, mais especificamente, nas penalidades administrativas cabíveis.

 

Como intróito, há de se rememorar que o art. 20 da Constituição Federal dispõe serem as praias marítimas bens da União, cuja utilização não pode ser restringida de qualquer forma, porquanto é passível de fruição universal e não privada. Eis o que prescreve o referido dispositivo legal, in verbis:

 

Art. 20. São bens da União: 

[…]

IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; 

 

Por sua vez, as praias são bens públicos de uso comum do povo, não sendo permitida sua utilização irregular, nos termos do artigo 10, caput, §§ 1º e 3º da Lei nº 7.661/88, a seguir transcrito:

 

“Art. 10. As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.

§ 1º. Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo.

Omissis;

§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.”

A proibição ao uso privado de área de praia também está inserida no art. 9º da Lei nº 9.636/98, dispositivo que igualmente veda qualquer ocupação que comprometa a integridade das áreas (i) de uso comum do povo e (ii) necessárias à preservação dos ecossistemas naturais, in verbis:

 

Art. 9o É vedada a inscrição de ocupações que:

I – ocorreram após 27 de abril de 2006; 

II – estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo, de segurança nacional, de preservação ambiental ou necessárias à preservação dos ecossistemas naturais e de implantação de programas ou ações de regularização fundiária de interesse social ou habitacionais das reservas indígenas, das áreas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos, das vias federais de comunicação e das áreas reservadas para construção de hidrelétricas ou congêneres, ressalvados os casos especiais autorizados na forma da lei.

 

E a supramencionada lei acrescenta que a conservação e a fiscalização dos bens da União, caracterizados como praias marítimas, são de competência da Secretaria do Patrimônio da União, in verbis:

 

Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao Patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.

 

Pois bem, o Decreto-Lei n. 2.398/87 expressamente elenca as penalidades aplicáveis às ocupações irregulares em área de praia – área de domínio da UNIÃO, estabelecendo que tal ilícito civil deva ser sancionável com a remoção forçada da construção (demolição) e com a multa durante o período de ocupação irregular. In verbis:

 

Art. 6º A realização de aterro, construção ou obra e, bem assim, a instalação de equipamentos no mar, lagos, rios e quaisquer correntes de água, inclusive em áreas de praias, mangues e vazantes, ou em outros bens de uso comum, de domínio da União, sem a prévia autorização do Ministério da Fazenda, importará:

I – na remoção do aterro, da construção, obra e dos equipamentos instalados, inclusive na demolição das benfeitorias, à conta de quem as houver efetuado; e

II – a automática aplicação de multa mensal em valor equivalente a R$ 30,00 (trinta reais), atualizados anualmente em 1o de janeiro de cada ano, mediante portaria do Ministério da Fazenda, para cada metro quadrado das áreas aterradas ou construídas, ou em que forem realizadas obras ou instalados equipamentos, que será cobrada em dobro após trinta dias da notificação, pessoal, pelo correio ou por edital, se o infrator não tiver removido o aterro e demolido as benfeitorias efetuadas.

 

Não bastasse a aplicação das penalidades acima, deve ser cobrada, ainda, indenização prevista no art. 10, parágrafo único da Lei n. 9.636/98, in verbis:

 

Art. 10. Constatada a existência de posses ou ocupações em desacordo com o disposto nesta Lei, a União deverá imitir-se sumariamente na posse do imóvel, cancelando-se as inscrições eventualmente realizadas.

Parágrafo único. Até a efetiva desocupação, será devida à União indenização pela posse ou ocupação ilícita, correspondente a 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.

 

Calha registrar que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o RESP n. 855.749-AL, firmou jurisprudência no sentido de que a cobrança da indenização independe da boa fé do ocupante, in verbis:

 

ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL DA UNIÃO DE USO COMUM DO POVO. TERRENO DE PRAIA. IMPOSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DA OCUPAÇÃO. MULTA PREVISTA NO ART. 10, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 9636/98 DEVIDA.

I – A Lei n. 9636/98, que dispõe sobre a regularização e administração dos bens imóveis da União, veda a inscrição de ocupações que, dentre outros, “estejam concorrendo ou tenham concorrido para comprometer a integridade das áreas de uso comum do povo” (art. 9º, inc.II). Forte nesta norma, o Tribunal a quo determinou a reintegração da posse à União, de terrenos de praia irregularmente ocupados pelas ora recorridas.

II – Nada obstante, deixou de condená-las à multa prevista no parágrafo único do art. 10 da mencionada lei, à consideração de que estavam de boa-fé e tentaram regularizar a sua situação e, por outro lado, a inércia da União na busca da reintegração na posse da área, uma vez passados dezesseis anos, desde o seu estabelecimento na Praia do Francês, em Marechal Deodoro-AL.

III – Todavia, a existência ou não de boa-fé, consoante bem realçou a União, em suas razões recursais, não é motivo para se deixar de aplicar a multa em comento. E, ainda que fosse, não há falar em boa-fé, in casu, porquanto tinham as recorridas plena consciência de estarem ocupando terreno que não lhes pertencia, tanto que buscaram regularizar a sua situação, segundo ressaltou o próprio acórdão ora hostilizado.

IV – Consoante se depreende das normas aplicáveis, deverão as recorridas pagar à União, a título de indenização, pela ocupação ilícita de terreno de uso comum do povo, o correspondente a 10% do valor atualizado do domínio pleno deste terreno, tendo-se como 

dies a quo 6 de março de 2002, data em que ajuizada a presente ação de reintegração de posse. Anteriormente a tal data, não se pode concluir ter a União sido privada da posse dos imóveis, vez que não buscou se imiscuir na sua posse.

V – Recurso especial conhecido e provido.

 

Sendo assim, diante de ocupações irregulares, deve a UNIÃO providenciar (i) a remoção forçada da construção (demolição), (ii) a cobrança da   multa prevista no art. 6º, II do Decreto-Lei n. 2.398/87 e (ii) a cobrança da indenização prevista no parágrafo único do art. 10 da Lei n. 9.636/98.