Quais as novidades da nova Lei Anticorrupção?

No final de janeiro entrou em vigor a Lei Federal nº 12.846/2013, após uma vacatio legis de 180 dias e uma expectativa popular de diminuição dos índices e maior punição de casos de corrupção no país. Mas o que muda e quais os impactos desta nova norma legal no ordenamento brasileiro?

 

A lei veio atender a expectativa da população para maior rigor na repressão a atividades ilícitas que envolvam prejuízos ao interesse público e visa punir o corruptor.

 

O Brasil é hoje o 72º colocado no ranking de índice de percepção da corrupção mundial. Segundo a Transparência Internacional, em uma escala de 0 a 100 do índice de lisura nas coisas públicas, nosso país tem sofríveis 42 pontos. Nesta lista não é a toa que os países menos corruptos têm melhor posição nos rankings de competitividade global e qualidade de vida, como Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia e Noruega, que estão no topo. Bem diferente da situação dos mais corruptos, que são Sudão do Sul, Sudão, Afeganistão, Coreia do Norte e Somália.

 

A Lei Anticorrupção surgiu também da necessidade de se conferir maior lealdade e transparência nas competições comerciais e passar a ideia de que é mais lucrativo ter ética e ser socialmente responsável. Na ponderação entre os riscos e os benefícios da corrupção, a lei trouxe mais argumentos e maior repressão do Estado para forçar que a ética seja preponderante, seja pela desejada consciência ética, seja pelo aumento dos riscos e maiores penalidades para as práticas ilícitas.

 

A lei não traz previsões de direito penal, não havendo nenhuma nova espécie de tipo penal, mas somente punições na área administrativa e civil, fazendo com que as empresas corruptoras sintam no bolso as consequências das ilicitudes. Melhor do que majorar as penas de prisão – e mesmo assim mantê-las inaplicáveis na maioria dos casos – a lei traz possibilidade de punições com menores burocracia e maior agilidade.

 

A Lei Anticorrupção traz base na própria Constituição Federal, no caput de seu art. 37, que dispõe que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

 

A lógica norteadora da lei é a responsabilidade objetiva, que deixou de lado a responsabilidade subjetiva na demonstração da relação das empresas com as atividades irregulares.

 

Anteriormente, muitas empresas eram flagradas em práticas ilícitas mas argumentavam que o ato era isolado de um empregado ou servidor público. Na prática, era muito difícil a comprovação da responsabilidade da empresa, que sempre tentava se escusar da responsabilidade, afirmando que não conhecia a prática.

 

Agora, as empresas terão responsabilidade independente do seu conhecimento prévio, respondendo nas áreas administrativa e civil por atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Os atos irregulares praticados terão punição quando ocorrerem no interesse ou benefício, exclusivo ou não, da pessoa jurídica.

 

Conheça os principais pontos:

 

1) Responsabilidade objetiva – A nova lei trouxe a previsão da responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas. Antes, tal responsabilização era de caráter subjetivo, sendo necessária a existência de prova que demonstrasse o conhecimento da empresa do ato de determinado agente ou preposto seu. Agora, este conhecimento é presumido, já que a empresa tem o dever de saber dos atos praticados por seus empregados ou prepostos que atuem em seu nome. A responsabilidade objetiva foi fortalecida com o veto presidencial do §2º do art. 19, que dispunha que para haver suspensão ou fechamento da empresa ou proibição de receber valores de instituições financeiras públicas seria necessário “culpa ou dolo”. Porém, a Presidente vetou acertadamente, fundamentando que “o dispositivo contraria a lógica norteadora do projeto de lei, centrado na responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas que cometam atos contra a administração pública. A introdução da responsabilidade subjetiva anularia todos os avanços apresentados pela nova lei, uma vez que não há que se falar na mensuração da culpabilidade de uma pessoa jurídica”.

 

 

2) Todas as espécies de empresas respondem diretamente – Todas as espécies de pessoas jurídicas podem praticar o ato irregular, como as sociedades empresárias e sociedades simples, personificadas ou não, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas ou sociedade estrangeiras.

 

3) Punições são mais amplas – As penalidades previstas são mais severas e amplas: a) aplicação de multa entre 0,1% e 20% do faturamento anual bruto (quando não for possível determinar o faturamento, o valor será definido entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões); b) reparação total do dano causado; c) publicação da condenação em grandes veículos de comunicação; d) proibição de receber incentivos ou subsídios de instituições financeiras públicas pelo período de 1 a 5 anos; e) suspensão ou interdição parcial das atividades; f) dissolução compulsória da empresa.

 

4) Punição da empresa cumulada com a dos seus agentes – A lei traz previsão que a pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual dos seus agentes ou pessoa que participe do ato ilícito, já que a lei indica a diferenciação entre a responsabilidade objetiva da empresa e a responsabilidade subjetiva dos demais agentes.

 

5) Previsão de maior responsabilização na esfera administrativa  – As punições serão de multa, com base no faturamento bruto e publicidade da decisão condenatória. Tal decisão administrativa será precedida de manifestação jurídica do órgão da Advocacia Pública do ente público, o que reforça ainda mais a importância da Advocacia Pública na reprimenda dos atos de corrupção. À Advocacia Pública também é prevista a possibilidade de ajuizar medidas judiciais para a investigação e processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão, quando solicitado pela comissão administrativa designada para apurar o caso.

 

6) Parâmetros para aplicação de sanções: A lei traz parâmetros de aplicação das sanções, devendo ser levado em conta a gravidade, a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator, a consumação ou não da infração, o grau de lesão, o efeito negativo produzido, a situação econômica do infrator, a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações, a existência ou não de mecanismos de controle interno no âmbito da pessoa jurídica e o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou ente público lesado.

 

7) Fortalecimento da Controladoria-Geral da União – A CGU ganha ainda mais contornos de órgão anticorrupção do Governo. A CGU terá legitimidade concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar processos instaurados. Assim, a CGU terá amplos poderes para examinar a regularidade dos processos ou instaurar em casos de omissão ou negligência dos órgãos públicos. Caberá também à CGU celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.

 

8) Previsão expressa para atuação da Advocacia Pública – Os órgãos de advocacia pública também ganham prestígio com a possibilidade de ajuizamento das ações de reparação civis, com legitimidade concorrente com o Ministério Público. Caberá também à Advocacia Pública ou ao órgão de representação judicial requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado.

 

9) Legitimidade do Ministério Público para ações – O Ministério Público receberá as notícias de eventuais crimes. Também há caracterização expressa de sua legitimidade para ajuizamento de ações de responsabilização judicial, para ressarcimento do dano, suspensão ou fechamento da empresa e proibição de receber valores de instituições financeiras públicas. A discussão sobre se o Ministério Público teria legitimação para ajuizamento de ações de ressarcimento de danos ao erário, em vários recursos judiciais em Tribunais Superiores, ficou superada. O STJ já consolidou entendimento da legitimidade do MP e a nova Lei Anticorrupção também afasta qualquer polêmica acerca do assunto.

 

10) Facilidade de desconsideração de personalidade jurídica para facilitar ressarcimento –  Também é prevista a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, com a responsabilização direta dos sócios, sempre que houver abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos ou para provocar confusão patrimonial. Assim, tentativas de repassar os bens das empresas para sócios ou terceiros a fim de inviabilizar o ressarcimento ou pagamento de multas serão reprimidas com base na nova lei.

 

11) Possibilidade de acordo de leniência com redução de penalidades – A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis que colaborem efetivamente com as investigações. Mas há uma série de condições, como a necessidade de identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito. Ainda, a pessoa jurídica deve manifestar interesse, cessar completamente seu envolvimento na infração investigada, admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações. O acordo de leniência isentará da sanção de publicação da decisão em veículos de grande circulação e da proibição de receber valores de instituições financeiras públicas e reduzirá em até 2/3 o valor da multa aplicável. A presente previsão legal traz importante instrumento de possibilidade de acordo para elucidação integral da extensão do ilícito e possibilidade de resolução das questões na área administrativa, sem a necessidade da questão ser encaminhada ao Poder Judiciário.

 

12) Prevenção – Com a nova lei as empresas deverão cuidar de setor de “ética empresarial”, com mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. Tal setor, chamado pelo mercado de compliance, serve para prevenir internamente atos de corrupção. Assim, a lei quer estimular a prática de atitudes responsáveis pelas empresas e fiscalização interna de seus atos. Além de inibir tais práticas, a existência deste setor nas empresas serve como minorante na aplicação de penalidades, conforme art. 7º, inciso VIII.

 

13) Prescrição – A prescrição das infrações ocorrem em 5 anos, contados da ciência da infração. No caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Vale ressaltar que a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração.

 

14) Acumulação das penalidades – As penas previstas na Lei Anticorrupção serão cumuladas com as sanções da lei de improbidade administrativa, da Lei das Licitações.