Caros leitores do blog Ebeji, vamos abordar hoje um tema recorrente em concursos, de utilidade prática para os Advogados Públicos e controvertido na jurisprudência, qual seja, a investigação do termo final dos juros de mora nas condenações da Fazenda Pública.

O termo “mora” traz intrínseco o entendimento de demora e, adaptando a situação ao processo civil, pensamos em responsabilidade de uma das partes pela postergação injustificada do trâmite processual. Em sendo ré a Fazenda, devemos considerar que existe um regime constitucional de adimplemento de seus débitos. Para dívidas superiores a 60 salários mínimos, no caso da União, o pagamento do quantum debeatur ocorrerá através de precatório. Se inscrito até o dia 1º de julho, o depósito ocorrerá até o dia 31 de dezembro do ano seguinte. Sendo o valor inferior, expede-se uma requisição de pequeno valor (RPV), adimplido em até 02 meses.

Ilustrado o rito processual compulsório em vigor para o pagamento da dívida de entes públicos, retomamos a pergunta que encerra o título deste artigo: qual é o termo final dos juros de mora?

Pois bem, a resposta não é tão simples e o conhecimento das nuances processuais, mormente, da jurisprudência do STJ e do último entendimento do STF é fundamental para o sucesso em provas, com destaque para a segunda fase, quando o candidato ao cargo de Advogado da União ou Procurador Federal poderá apresentar uma indispensável crítica ao entendimento ora prevalente, como veremos a seguir.

1º momento – RE n° 298616/SP – 2002

O STF, por meio de seu Tribunal Pleno, em 2002, exarou o entendimento de que não havia falar em pagamento de juros de mora entre a data da conta e a expedição do ofício requisitório (precatório ou RPV) ou, ainda, no lapso da migração do requisitório ao efetivo pagamento, haja vista que não estaria caracterizada a mora, mas incidência regular do prazo constitucional para o adimplemento da dívida, constante do art. 100 da CRFB/88.

2º momento – RESP repetitivo nº 1143677/RS – 2009

O STJ acompanhou, em parte, o entendimento firmado pelo STF, agregando o enfrentamento do cenário em que opostos os embargos à execução (art. 730 do CPC-73), que era a ação por excelência de defesa na via satisfativa que veiculasse uma obrigação de pagar quantia certa (os embargos persistem como ação de defesa nas execuções de título executivo extrajudicial).

Restou decidido no julgamento do RESP nº 1143677/RS, firmado sobre a sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC-73), que “somente são devidos juros moratórios até a liquidação do valor executado, o que ocorre com a definição do valor devido, consubstanciado no trânsito em julgado dos embargos à execução ou, quando estes não forem opostos, no trânsito em julgado da decisão homologatória dos cálculos.

Para a Corte da Cidadania, portanto, quando opostos os embargos à execução, atualmente, substituídos pela impugnação ao cumprimento de sentença, os juros de mora não poderiam ultrapassar o momento do trânsito da ação autônoma. Não opostos os embargos (ou a impugnação), o consectário seria limitado à data da elaboração da memória de cálculo, sendo a dívida, após o marco, alvo de exclusiva correção monetária.

E quais fundamentos subsidiaram a fixação deste entendimento? A exegese realizada externou a compreensão de que o trâmite processual posterior aos marcos supracitados é via de curso forçado, indispensável à satisfação do débito, inerente ao rito dos precatórios, na linha do que decidido pelo STF. Logo, não haveria conduta atribuível ao ente público, apta a justificar o incremento do débito, mas mero cumprimento do regime constitucional.

E esse raciocínio é bastante coerente, sendo reforçado pelo art. 396 do CC-02: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora” e pelo enunciado n° 17 da Súmula Vinculante: “Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”.

Em síntese, os atos preparatórios à expedição do requisitório, que ocorrem posteriormente ao trânsito em julgado dos embargos ou da data da conta (quando a ação autônoma não foi ajuizada), independem do ente público, mas do impulso oficial do Juízo, sem prescindir, por óbvio, do cumprimento de alguns requisitos legais, a exemplo da prévia oitiva da Fazenda do teor do precatório/RPV, para que possa apontar, por exemplo, eventual erro material ou dissociação entre os cálculos e a quantia indicada no documento que será migrado (tramitado) ao tribunal.

3º momento – RE afetado à Repercussão Geral n° 579.431 – 04/2017

Ocorre que o STF modificou sua jurisprudência ao apreciar o RE n° 579.431, pela técnica da repercussão geral. Passou a admitir a incidência de juros de mora entre a data dos cálculos e da expedição (migração) do precatório/RPV, superando a compreensão de que neste lapso haveria mero cumprimento do rito constitucional do art. 100.

O Ministro Marco Aurélio, relator do recurso, destacou que a mora da Fazenda inicia-se com citação, encontrando seu termo apenas com o pagamento da dívida. Assentou que o §12 do art. 100 da Lei Maior, incluído pela EC n° 62/09, teria tornado explícita a fluência de juros de mora em momento posterior à expedição do requisitório:

§12 – A partir da promulgação desta Emenda Constitucional, a atualização de valores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feita pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora, incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios.

Fixou-se, assim, a seguinte tese em repercussão geral:

Quando proferiu seu voto, o relator propôs uma tese de repercussão geral que foi reajustada na sessão de hoje, a fim de que sejam abrangidas não só as obrigações de pequeno valor, mas os precatórios. Por unanimidade, o Plenário negou provimento ao recurso e aprovou tese segundo a qual “incidem os juros da mora no período compreendido entre a data da realização dos cálculos e da requisição ou do precatório”.

Crítica – Entendemos que o atual posicionamento do STF configura um retrocesso. A tese reportada pode abrir espaço para um ciclo interminável de expedição de requisitórios complementares a título de juros de mora, o que já foi realidade em passado não muito distante. Basta recordarmos que, na prática, os juros são calculados, no máximo, até a data da conta, havendo uma impossibilidade fática de inclusão de percentuais de uma mora que ainda não ocorreu (entre a conta e a expedição do precatório/RPV).

Tal fato gerará a elaboração de novos cálculos (que terá como desígnio exclusivo a cobrança de juros, no lapso “descoberto”) e, tendo em vista que o pagamento não será imediato, devendo-se aguardar novo requisitório, nada impedirá o absurdo pleito de um 3º, 4º etc precatório complementar, fundado na existência de juros remanescentes.

Além disso, a nosso ver, a adequada interpretação do §12º do art. 100 da CRFB/88 é aquela que admite o pagamento de juros de mora tão-somente se houver o desrespeito do prazo constitucional (o CJF também externa essa conclusão na Resolução n° 406/2016). Em sendo pago dentro do previsto, não há falar em mora, mas em atendimento do modelo eleito pelo Poder Constituinte para a quitação de dívidas da Fazenda, que não emite conduta, não posterga o pagamento por sua vontade.

Mais um argumento que contribui para a conclusão do desacerto do entendimento do STF é aquele que investiga a conduta do exequente, do credor. Imaginemos que a execução seja instaurada com valores excessivos, sendo a Fazenda forçada a impugnar/embargar para obter a exclusão daquilo que excedia aos limites da coisa julgada. Admitir o pagamento de juros de mora para além da data da conta, nesta hipótese, é premiar aquele que atuou com negligência (ou má-fé), atribuindo à ação executiva temerária a condição de um excelente investimento. Aguardamos o devido distinguishing dos Tribunais de Superposição, para que não admitam tamanho absurdo.

Portanto, em provas de segunda fase para carreira da Advocacia Pública, devemos demonstrar o conhecimento da evolução jurisprudencial e também fazer a devida crítica a esta decisão, desfavorável ao interesse público, dissociada da realidade dos processos e do fato de ser impossível à Fazenda se desincumbir desse ônus, visto que não é a responsável pelo trâmite processual entre a consolidação dos cálculos e a expedição do precatório. Em primeira fase, fiquemos com as conclusões da repercussão geral.

Uma última informação. Como estamos diante de uma mudança de entendimento, merece o registro em provas a impossibilidade de retroação do precedente vinculante para alcançar execuções já finalizadas e, a nosso ver, em curso, o que se alinha à jurisprudência da Corte, com relação à segurança jurídica. De outro lado, o RE paradigmático aguarda julgamento de embargos de declaração, seara em que pode haver a modulação de seus efeitos.

1º momento – 2002 – STF – RE n° 298616/SP – juros até a data da conta, algo corroborado pela SV 17 – mero cumprimento do prazo constitucional.

2º momento – 2009 – STJ – RESP repetitivo n° 1143677/RS –– opostos embargos à execução ou impugnação: juros até o trânsito em julgado da ação autônoma ou do incidente; Não opostos, limitação dos juros à própria data da conta.

3º momento – 2017 – STF RE – repercussão geral n° 579.431 – incidem juros entre a data da conta e a expedição do precatório ou RPV (apesar de o relator, Min. Marco Aurélio, ter o entendimento de que os juros produzem efeitos até o pagamento, o RE tratava do período antecedente, entre os cálculos e a expedição)

É isso, espero que gostem, excelente estudo a todos!

 

Bruno Luiz Dantas de Araújo Rosa

Advogado da União