Ubirajara Casado é Advogado da União

Professor de Processo Civil e Constitucional da EBEJI

Coautor do livro Súmulas da AGU: Organizadas por assunto, anotadas e comentada

EBEJI

1. Entenda o caso.

O STF declarou a inconstitucionalidade do art. 29-C da Lei nº 8.036/90 que proibia a fixação de honorários advocatícios em demandas sobre o FGTS.

Um advogado em São Paulo, que teve o pedido de fixação os honorários negado em sentença judicial, já transitada em julgado, prolatada antes da declaração de inconstitucionalidade do art. 29-C da Lei nº 8.036/90, peticionou nos autos do seu processo, dizendo:

  1. O STF declarou inconstitucional o art. 29-C da Lei nº 8.036/90;
  2. O advogado não é parte no processo;
  3. A condenação em honorários, como determina o art. 20, CPC, não pode ser objeto do trânsito em julgado;
  4. A condenação em honorários não é matéria de mérito, razão pela qual não há coisa julgada material;
  5. Quando o STF declarou inconstitucional o dispositivo legal, o retirou do ordenamento jurídico desde o seu nascimento.

Pois bem, o que o advogado pretende? Deseja que a declaração de inconstitucionalidade do STF atinja a decisão judicial do seu processo que não fixou seus honorários em demanda em que se discute o FGTS.

Na verdade, o advogado quer que, automaticamente, a STF desfaça a sentença judicial, já transitada em julgado, do seu processo, para que seja determinada a imediata fixação dos honorários pelo juízo da causa.

Isso é possível? Veremos!

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2. O que entendeu o juiz da causa?

Que a decisão já estava acobertada pela coisa julgada e indeferiu o pedido do advogado.

O advogado agravou da decisão.

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3. O que entendeu o TRF da 3ª Região?

A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região desproveu o agravo de instrumento, dizendo:

  1. Prevalece, na época do exame da ação ordinária, o entendimento de que, nos processos entre o FGTS e os titulares de contas vinculadas, era vedada a fixação de honorários advocatícios, considerado o disposto no artigo 9º da Medida Provisória nº 2.164-41/2001, que acrescentou o artigo 29-C à Lei nº 8.036/90.
  2. Apesar da declaração de inconstitucionalidade do STF possuir efeitos retroativos e contra todos, este não pode retroagir para alcançar decisões judiciais com trânsito em julgado, ante a garantia prevista no artigo 5º, inciso XXXVI, da Carta da República.
  3. Esclareceu não ser defeso aos autores ou ao causídico valerem-se de outros meios juridicamente previstos para postular o direito suscitado.

O advogado interpôs Recurso Extraordinário para o STF (art. 102, III, alíneas “a” e “b”, CF) alegando ofensa ao art. 5º, XXXVI da CF/88 (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada) e art. 102, parágrafo 2º (As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.).

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4. O que entendeu o STF?

Inicialmente o STF entendeu haver repercussão geral, ou seja, há transcendência apta a ensejar a sequência do extraordinário.

Na análise do extraordinário, o STF, na verdade, teve que analisar o alcance da eficácia das sentenças que, em controle concentrado, declaram a inconstitucionalidade de um preceito normativo, ou seja, se a declaração de inconstitucionalidade tomada em ADI atinge desde logo sentenças anteriores já cobertas por trânsito em julgado, que tenham decidido em sentido contrário.

Pois bem! O STF explica que:

  1. A constitucionalidade ou inconstitucionalidade declarada em ADI ou ADC reconhece a validade ou nulidade de uma norma, mantendo ou excluindo a norma do sistema jurídico (eficácia normativa).
  2. A decisão o STF, contudo, também atribui ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a supervenientes atos administrativos ou judiciais (eficácia executiva ou instrumental).
  3. A eficácia executiva ou instrumental tem como mecanismo próprio, não único, a reclamação constitucional (art. 102, I, “l” da CF).
  4. Na eficácia normativa (= declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade) quais são os efeitos? Efeitos ex tunc, atingindo o próprio nascimento da norma questionada.
  5. Na eficácia executiva, não é correto afirmar que ele tem eficácia desde a origem da norma.
  6. É que o efeito vinculante, que lhe dá suporte, não decorre da validade ou invalidade da norma examinada, mas, sim, da sentença que a examina. Decorrendo, a eficácia executiva, da sentença (e não da vigência da norma examinada), seu termo inicial é a data da publicação do acórdão do Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999).
  7. É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais supervenientes a essa publicação, não atos pretéritos.
  8. Esses atos, mesmo quando formados com base em norma inconstitucional, não estão submetidos ao efeito vinculante da sentença, nem podem ser atacados por simples via de reclamação. Somente poderão ser desfeitos ou rescindidos, se for o caso, em processo próprio.
  9. Isso se aplica também às sentenças judiciais transitadas em julgado. Sobrevindo decisão em ação de controle concentrado, declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma que lhes serviu de suporte, nem por isso se opera a automática rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495).

Entendido?

Agora, se, mesmo depois da declaração de inconstitucionalidade do STF, não houver mais prazo para a rescisória?

O STF diz que: (…) em tal ocorrendo, o esgotamento do prazo decadencial inviabiliza a própria ação rescisória, ficando referida sentença, consequentemente, insuscetível de ser rescindida por efeito da decisão em controle concentrado.

É o que se chama de modulação temporal ope legis dessas decisões, ou seja, embora formados com base em preceito normativo declarado inconstitucional (e, portanto, excluído do ordenamento jurídico), as sentenças pretéritas não ficam sujeitas aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade porque a coisa julgada inibe a providência extrajudicial.

O mesmo acontece para atos administrativos diante da incidência da prescrição e da decadência.

Ainda, sobre a ação rescisória, registre-se, ainda, que não cabe rescisória em face de acórdão que, à época de sua prolação, estava em conformidade com a jurisprudência predominante do STF. (RE 590809/RS,  22/10/2014).

Portanto, prezados alunos e leitores do Blog, especial atenção à eficácia normativa e executiva das declarações de inconstitucionalidade, bem como aos efeitos de cada uma delas.

O caso é muito interessante e tem tudo para ser cobrado nas próximas provas.

EBEJI

Um grande abraço a todos,

Ubirajara Casado