Ubirajara Casado é Advogado da União

Professor de Processo Civil e Constitucional

EBEJI

Como sabemos, os Tribunais de Contas são órgãos que auxiliam o Poder Legislativo no controle externo das contas públicas.

Muito já se escreveu sobre a importância das Cortes de Contas e suas atribuições, contudo, recentemente, o STF, por meio da 2ª Turma, legitimou, mais uma vez, com a chancela da constitucionalidade, a possibilidade de decretação de indisponibilidade de bens de pessoa representada junto ao TCU e, mais, sem manifestação prévia da parte prejudicada.

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1. O que fez o TCU?

O Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas da União representou, junto ao TCU, a fim de apurar a existência de dano ao Erário, gestão temerária e ato antieconômico decorrentes da aquisição da refinaria americana Pasadena Refining System Inc. (PRSI) pela Petrobras America Inc. (PAI), subsidiária integral da Petróleo S.A. (Petrobras).

Nos autos do TC 005.406/2013-7, o TCU decretou, sem oitiva das partes prejudicadas, a indisponibilidade de bens de várias pessoas responsáveis pelos atos representados pelo MPEjTCU, pelo período de um ano.

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2. O que fizeram os representados?

Os prejudicados, portanto, ajuizaram Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal requerendo a nulidade do que fora decidido pelo TCU, questionando:

– que o Tribunal de Contas da União teria determinado a indisponibilidade de seus bens sem a observância do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, uma vez que jamais teriam sido citados ou intimados para se defenderem ou prestarem qualquer esclarecimento.

– que o Tribunal de Contas teria determinado a indisponibilidade de seus bens sem observância dos requisitos legais da Lei 8.443/92, bem como, sem individualização “da medida restritiva de direito à propriedade em relação a cada um dos envolvidos, razão pela qual a decisão do TCU é defeituosa, incompleta e genérica.

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3. O que entendeu o STF?

O que se discute, ao final, é se o TCU agiu de forma ilegal ou com abuso de poder ao decretar a indisponibilidade dos bens dos representados.

Assim, o STF disse:

a. O TCU tem poder geral de cautela.

(…) vale destacar que a jurisprudência desta Corte reconhece assistir ao Tribunal de Contas um poder geral de cautela, que se consubstancia em uma prerrogativa institucional decorrente das próprias atribuições que a Constituição expressamente outorgou à Corte de Contas para o seu adequado funcionamento e o alcance de suas finalidades.” Julgado referência: do MS 24.510/DF, Plenário, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ, 19.03.2004.

b. A tutela cautelar é instrumento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo.

“(…) a tutela cautelar apresenta-se como instrumento processual necessário e compatível com o sistema de controle externo, em cuja concretização o Tribunal de Contas desempenha, como protagonista autônomo, um dos mais relevantes papéis constitucionais deferidos aos órgãos e às instituições estatais”. Esse entendimento tem sido reafirmado por esta Corte em reiteradas decisões que envolvem, em maior ou menor medida, a discussão cautelar e meritória da abrangência do poder geral de cautela do TCU, a saber: MS 23.983, Rel. Min. Eros Grau, DJ 30.08.2004; MS 26.263 MC/DF, proferida pela Ministra Ellen Gracie no exercício da Presidência do STF (RISTF, art. 13, VIII), DJ 02.02.2007; MS 25481 AgR/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 25.10.2011).”

c. É possível, ainda que de forma excepcional, a concessão, sem audiência da parte contrária, de medidas cautelares, por deliberação fundamentada do Tribunal de Contas.

“Também se colhe da jurisprudência do STF o entendimento de que é possível, ainda que de forma excepcional, a concessão, sem audiência da parte contrária, de medidas cautelares, por deliberação fundamentada do Tribunal de Contas (…). E que tal situação não viola, por si só, o devido processo legal. É o que asseverou o Ministro Celso de Mello, por exemplo, ao indeferir medida liminar no MS 26.547/DF, (DJ 29.05.2007)”

Perceba que, assim, o STF entende que o TCU, ao decretar a indisponibilidade dos bens, mesmo sem oitiva da parte prejudicada, não viola o devido processual legal. Contudo, determina as situações em que isso pode ocorrer:

– sempre que necessária à neutralização imediata de situações de lesividade ao interesse público; ou

– sempre que necessária à garantia da utilidade prática de processo que tramita no TCU.

d. A indisponibilidade decretada pelo TCU tem base legal e regimental.

O TCU dispõe de autorização legal expressa (art. 44, § 2º, da Lei 8.443/92) para decretação cautelar de indisponibilidade de bens, o que também encontra previsão em seu regimento interno (arts. 273, 274) –inclusive sem a oitiva da parte contrária quando necessário (art. 276, RITCU).

Lei 8.443/92 (Lei Orgânica do TCU)

Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento.

Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.

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4. Conclusão.

Assim, é tranquila, na jurisprudência do STF, a possibilidade de decretação de indisponibilidade de bens pelo TCU, por um ano, mesmo sem oitiva da parte prejudicada sempre em decisão fundamentada quando necessária à paralisação imediata de situação que possa causar lesão ao interesse público ou para garantir a utilidade prática de processo que tramita na Corte de Contas.

Grande abraço a todos, Ubirajara Casado.