Olá pessoal!

Recentemente o Supremo Tribunal Federal proferiu julgado em sentido diverso de seu sólido posicionamento acerca da competência para apreciação da ação ajuizada por servidor público estatutário envolvendo período sob vínculo celetista anterior à CF/88. Sem embargo, posteriormente, a Corte reafirmou a tradicional jurisprudência, o que coloca o tema em evidência e aumenta a chance de cobranças em prova, sendo importante o domínio do assunto.

A EC 45/04 modificou a redação do inc. I do art. 114 da CF, que passou a prever que a Justiça do Trabalho é competente para julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Pela redação do dispositivo, seriam da competência da Justiça Laboral as causas fundadas nas relações de trabalho que envolvessem a Administração Pública direta e indireta, independentemente do vínculo que regesse a relação.

Por seu turno, a Associação dos Juízes Federais no Brasil (AJUFE) ajuizou a ADI 3.395, na qual alegava a inconstitucionalidade formal do inc. I do art. 114 da CF.

Com efeito, ao apreciar a referida ADI, o STF firmou tese no sentido de que fosse afastada qualquer interpretação que levasse à conclusão da competência da Justiça do Trabalho para os litígios envolvendo os servidores estatutários. Ex vi:

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. (ADI 3395 MC, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 05/04/2006)

Desse modo, o STF firmou o entendimento de que, sendo a relação jurídica regida pela CLT, a competência é fixada em favor da Justiça do Trabalho; sendo de natureza estatutária o vínculo, a competência cabe à Justiça Comum.

Outro não é o posicionamento do STJ, conforme se depreende das súmulas 137 e 218 do STJ:

Súmula 137 do STJ: Compete a justiça comum estadual processar e julgar ação de servidor público municipal, pleiteando direitos relativos ao vinculo estatutário.

Súmula 218 do STJ: Compete à Justiça dos Estados processar e julgar ação de servidor estadual decorrente de direitos e vantagens estatutárias no exercício de cargo em comissão.

Situação peculiar se trata da que envolve aqueles que ingressaram no serviço público antes da CF/88, sem submissão a concurso público, e tiveram o regime empregatício convertido em estatutário, em razão do art. 19 do ADCT.

Em tais casos, entende o TST que a competência da Justiça do Trabalho é limitada aos aspectos que decorram do regime empregatício, ainda que a reclamação tenha sido ajuizada após a conversão do vínculo.

Sobre o tema foi editada a OJ 138 da SBDI-1:

COMPETÊNCIA RESIDUAL. REGIME JURÍDICO ÚNICO. LIMITAÇÃO DA EXECUÇÃO.

Compete à Justiça do Trabalho julgar pedidos de direitos e vantagens previstos na legislação trabalhista referente a período anterior à Lei nº 8.112/90, mesmo que a ação tenha sido ajuizada após a edição da referida lei. A superveniência de regime estatutário em substituição ao celetista, mesmo após a sentença, limita a execução ao período celetista.

O STF consolidou o mesmo entendimento, o qual parecia pacífico e, inclusive, é trazido pela totalidade dos manuais de Processo do Trabalho.

A esse respeito, veja-se o seguinte julgado proferido em agosto de 2016 pelo Supremo:

DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO DO TRABALHO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRATO DE TRABALHO ANTERIOR À CF/1988. RECOLHIMENTO E LEVANTAMENTO DO FGTS. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA NORMA.
1. A controvérsia dos autos não é fundada em vínculo estatutário ou em contrato de trabalho temporário submetido a lei especial. Trata-se de contrato que fora celebrado antes do advento da Constituição Federal de 1988, em época na qual se admitia a vinculação à Administração Pública de servidores sob o regime da CLT. A competência, portanto, é da Justiça do Trabalho. 2. “O art. 19-A da Lei 8.036/90, incluído pela MP 2.164/01, não afronta o princípio do concurso público, pois ele não infirma a nulidade da contratação feita à margem dessa exigência, mas apenas permite o levantamento dos valores recolhidos a título de FGTS pelo trabalhador que efetivamente cumpriu suas obrigações contratuais, prestando o serviço devido. O caráter compensatório dessa norma foi considerado legítimo pelo Supremo Tribunal Federal no RE 596.478, Red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/3/2013, com repercussão geral reconhecida” (ADI 3.127, Rel. Min. Teori Zavascki). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 927072 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 26/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 19-09-2016 PUBLIC 20-09-2016)

É o que afirma, ainda, o enunciado da súmula 97 do STJ:

Súmula 97 do STJ: Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar reclamação de servidor público relativamente a vantagens trabalhistas anteriores à instituição do regime jurídico único.

Assim, os Tribunais Superiores firmaram o posicionamento de que, tendo havido a transmudação do regime celetista para estatutário, seria competente a Justiça do Trabalho em relação ao período em que vigorou a norma celetista, ainda que a ação fosse ajuizada após a alteração da natureza do vínculo.

Contudo, em 22.09.16, o Excelso Pretório adotou entendimento diverso ao apreciar o Agravo Regimental na Reclamação 8909/MG, conforme decisão publicada no Informativo 840:

Reconhecido o vínculo estatutário entre o servidor público e a Administração, compete à Justiça comum processar e julgar a causa. Com base nesse entendimento, o Plenário deu provimento a agravo regimental para cassar decisão de Tribunal de Justiça local que declinara da competência para conhecer da demanda à Justiça do Trabalho.

 No caso, a autora ajuizara ação na Justiça comum com o objetivo de receber diferença de vencimentos decorrente do reajuste do Índice de Preço ao Consumidor (IPC) de julho de 1987 e da Unidade de Referência de Preços (URP) de abril e maio de 1988. As diferenças salariais pleiteadas estariam fundamentadas em normas editadas antes de o vínculo de trabalho sofrer a mudança do regime celetista para o estatutário por meio da edição da lei que instituiu o regime jurídico único no Estado de Minas Gerais (Lei 10.254/1990).

 Para o STF, é a natureza jurídica do vínculo existente entre o trabalhador e o Poder Público, vigente ao tempo da propositura da ação, que define a competência jurisdicional para a solução da controvérsia, independentemente de o direito pleiteado ter se originado no período celetista.” (Rcl 8909 AgR/MG, rel. orig. min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, julgamento em 22-9-2016).

Ao que se depreende do referido julgado, o STF manteve o entendimento de que é a natureza jurídica do vínculo que determina a competência da Justiça do Trabalho e não a condição das partes da relação. Contudo, distanciou-se da posição até então consolidada ao firmar o entendimento de que, para fins de definição da Justiça competente, deve ser considerada a relação jurídica existente ao tempo da propositura da ação, independentemente de o direito pleiteado ter se originado no período celetista.

Logo, ajuizada ação por servidor estatutário cujo vínculo foi objeto de transmudação (“estabilizado”), seria competente para o processamento a Justiça Comum, ainda envolvida matéria concernente ao período em que laborou para a Administração sob vínculo celetista.

Dois fatores foram decisivos para a prevalência da referida tese, a ausência dos Ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes e o fato de o Min. Teori Zavascki ter entendido que a verba pleiteada pela servidora era de caráter estatutário (e não celetista).

Como já era de se esperar, o entendimento dissonante NÃO SE CONSOLIDOU no Excelso Pretório, havendo a retomada da jurisprudência clássica, conforme julgamento proferido pelo Plenário no ARE 1001075, em 09.12.2016, sob relatoria do Min. Gilmar Mendes.

Ao apreciar o feito, o eminente Ministro Relator consignou ser “incompetente a Justiça do Trabalho para processar e julgar as parcelas relativas ao período posterior à instituição do regime jurídico único, mantendo-se, de outro lado, sua competência sobre as parcelas anteriores”.

O voto condutor ressaltou, ainda, que, em regime de repercussão geral, esta Corte, no julgamento do ARE 906491, por maioria, reafirmou a jurisprudência sobre a matéria no sentido de ser da competência da Justiça do Trabalho processar e julgar demandas visando a obter prestações de natureza trabalhista, ajuizadas contra órgãos da Administração Pública por servidores públicos que ingressaram em seus quadros, sem concurso público, antes do advento da Constituição Federal de 1988, sob regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Desse modo, a despeito da tese firmada no Agravo Regimental na Reclamação 8909/MG, o julgado mais recente acerca do tema demonstra que o STF segue com o entendimento de que havendo a transmudação do regime celetista para estatutário, é competente a Justiça do Trabalho em relação ao período em que vigorou a norma celetista, mesmo que a ação seja ajuizada pelo servidor após a alteração da natureza do vínculo.

Fique atento!

Bibliografia:

– NEIVA, Rogério. Direito e Processo do Trabalho aplicados à Administração Pública e Fazenda Pública. 2ª ed. São Paulo: Método, 2015.

– MEISSA, Élisson. Coleção Concursos Públicos: Processo do Trabalho. 3ª ed. Salvador: Juspodivm.

– BERNARDES, Simone Soares. Coleção Resumos para Concursos Públicos: Processo do Trabalho (vol. 18). Salvador: Juspodivm.