Olá, leitores! Como andam os estudos?

Hoje vou falar sobre um assunto de grande interesse para o pessoal que estuda para provas da carreira da Defensoria Pública. Embora o tema escolhido envolva Direito de Família, sugiro aos candidatos às provas da Advocacia Pública que também leiam, na medida em que o post traz importantes reflexões acerca da coisa julgada.

Como cediço, a coisa julgada objetiva garantir segurança, estabilidade e previsibilidade ao direito, manifestando-se por meio de duas faces, quais sejam, formal e material, possuindo a primeira caráter endoprocessual, enquanto a segunda imuniza os efeitos substanciais projetados pela sentença sobre a vida das pessoas.[1]

Por se cuidar de garantia constitucional voltada à segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF), elemento essencial do Estado Democrático do Direito, a coisa julgada, via de regra, é de observância obrigatória. Todavia, o valor da segurança jurídica não é absoluto no sistema, podendo ceder diante de outros de igual grandeza, hipótese em que se admite a chamada relativização da coisa julgada“.

Nesse contexto, em 2011, ao apreciar o Recurso Extraordinário n.º 363.889/DF, submetido ao regime de repercussão geral, o STF entendeu pela possibilidade de relativização da coisa julgada em face do direito personalíssimo de todo o ser humano ao conhecimento da verdade sobre sua origem biológica.

No caso analisado pelo Supremo, quando do ajuizamento da primeira ação de investigação de paternidade, o recorrente não possuía condições de arcar com os custos do exame de DNA e não havia lei, como depois passou a existir, no Distrito Federal, determinando ao Estado o ônus de arcar com seu custeio para aqueles que fossem beneficiários da Justiça gratuita. Posteriormente, quando adolescente, e já havendo a lei, foi proposta nova ação, a qual foi extinta, sem resolução do mérito, em razão do óbice da coisa julgada, decisão que deu ensejo ao Recurso Extraordinário.

Desse modo, por falta de provas quanto à realidade do vínculo paterno-filial que se pretendia ver reconhecido, a verdade biológica não foi alcançada no primeiro processo, o que, de acordo com o Supremo, autoriza a propositura de nova demanda, para que, com o auxílio de provas técnicas de alta precisão, tal verdade possa, enfim, ser estabelecida.

Como fundamento o Excelso Pretório consignou o respeito à dignidade da pessoa humana do indivíduo que tem o direito personalíssimo de ter seu vínculo de parentesco conhecido, corolário lógico de seu direito de personalidade, sob o aspecto de ver reconhecida a verdade sobre sua origem genética, emanação natural do estado da pessoa.

Assim, o STF firmou, sob regime de repercussão geral, a tese de que “deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes, em decorrência da não realização do exame de DNA, meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo”.

Sem embargo, ao apreciar o Recurso Especial nº 1562239, o STJ realizou verdadeiro distinguish[2] ao reconhecer a inaplicabilidade da ratio decidendi do precedente formado no RE 363.889/DF, sob justificativa de que, no julgado do STF, a tese restou embasada no suporte fático de que a prova pericial genética não fora realizada por circunstâncias alheias à vontade das partes, enquanto na hipótese do Recurso Especial  a não realização da prova pericial na ação investigatória anterior deveu-se, exclusivamente, à recusa de uma das partes em comparecer ao laboratório para a coleta de material biológico.

À evidência, permitir àquele que se recusou ao exame de DNA a possibilidade de relativizar a coisa julgada formada em seu desfavor, sob o argumento da busca pela verdade real, representaria consagrar comportamento violador da boa-fé objetiva, vetor de conduta do indivíduo tanto no plano material quanto no plano processual, no qual se fala em venire contra factum proprium.

Nesse cenário, depreende-se do julgado do Tribunal da Cidadania, o qual foi objeto do Informativo nº 604, que a ausência da prova do DNA não é, por si só, fato apto a embasar a relativização da coisa julgada, reputando-se escorreito o julgamento de ação investigatória com base em provas testemunhais colhidas, em conjunto, à presunção juris tantum de paternidade, nos termos do enunciado da Súmula nº 301/STJ, bem como em observância ao art. 2º-A, parágrafo único, da Lei n. 8.560/92, in verbis:

Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade. (Súmula 301, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 18/10/2004, DJ 22/11/2004, p. 425)

Art. 2º-A.  Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.

Parágrafo único.  A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

Registre-se, por oportuno, que a orientação constante do enunciado nº 301/STJ alcança, também, os herdeiros do investigado que se recusam a fazer o exame, conforme decidiu a Terceira Turma da Corte, quando do julgamento do REsp n.º 1531093/RS, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, DJe 10/08/2015.

Logo, sintetizando as teses exaradas pelas Cortes Superiores, de forma a harmonizá-las, pode-se afirmar que a ausência de realização do exame de DNA não enseja, por si só, a relativização da coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade, o que apenas é possível quando a impossibilidade de realização do exame decorre da ausência de condições da parte de adimpli-lo e, ainda, da negativa de o Estado fazê-lo.

Espero ter auxiliado na compreensão!

[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

[2] “É intuitivo que, para aplicar a ratio decidendi a um caso, é necessário comparar o caso de que provém a ratio decidendi com o caso sob julgamento, analisando-se as suas circunstâncias fáticas. Isso significa uma diferenciação ou distinção de casos, que assume a forma de técnica jurídica voltada a permitir a aplicação dos precedentes. Nesse sentido fala-se, no common law, em distinguish.” MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011.