João Paulo Lawall Valle é Advogado da União

Professor da EBEJI

ebeji

Prezados,

O tema que será tratado neste post é uma expressão cunhada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar (Ministro Carlos Ayres Britto) ao julgar a Petição nª 3388, mais conhecido como caso Raposa Serra do Sol.

Esta expressão tem aparecido na jurisprudência da Corte quando a mesma se debruça sobre a temática das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, mais precisamente para definir se determinada terra deve ou não ser considerada como indígena, levando em consideração a sua ocupação passada.

As chamadas terras tradicionalmente ocupadas por índios são aquelas “(…) ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (…)”, nos exatos termos do artigo 231, §1º da Constituição da República.

O Supremo Tribunal Federal, buscando conciliar a segurança jurídica com a defesa dos interesses legítimos dos indígenas definiu dois marcos para o reconhecimento de uma terra como tradicionalmente ocupada por índios, sendo estes, o marco da tradicionalidade da ocupação e o marco temporal. O primeiro diz respeito com a relação que o indígena possua com a sua terra, devendo esta relação ser real e efetiva, e o segundo, por sua vez, somente considera terra tradicionalmente ocupada por índio aquelas que eram habitadas na data da promulgação da Constituição.

O Renitente Esbulho é uma situação de fato caracterizada pelo efetivo conflito possessório, que iniciou-se no passado e persistiu até o marco demarcatório temporal da data da promulgação da Constituição da República de 1988, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.

Para que esteja devidamente caracterizado o renitente esbulho é fundamental que no momento da promulgação da Carta Constitucional de 1988 os índios estivessem em disputa pela posse da terra que habitavam ou que dela tenham sido retirados a pouco tempo.

É importante destacar que o renitente esbulho configura uma exceção ao que ficou definido na Pet 3388 (Raposa Serra do Sol), uma vez que os ínidios não se encontravam mais na posse da terra e ainda assim esta foi considerada como terra indígena.

Percebam a diferença do instituto aqui estudado com a chamada ocupação passada ou desocupação forçada ocorrida no passado. Em ambas as situações o requisito do marco temporal não estará preenchido, dado que com a longa passagem do tempo deixa há a quebra da affetio que os índios possuem com a terra, uma vez que aceitaram serem retirados da mesma, deixando inclusive de lutar pela sua posse.

Importante destacar a ementa da ARE 803.462-AgR/MS, da relatoria do Ministro Teori Zavascki, recomendando fortemente a leitura do inteiro teor do voto do relator:

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TERRA INDÍGENA “LIMÃO VERDE”. ÁREA TRADICIONALMENTE OCUPADA PELOS ÍNDIOS (ART. 231, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). MARCO TEMPORAL. PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO CUMPRIMENTO. RENITENTE ESBULHO PERPETRADO POR NÃO ÍNDIOS: NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Pet 3.388, Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJe de 1º/7/2010, estabeleceu como marco temporal de ocupação da terra pelos índios, para efeito de reconhecimento como terra indígena, a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
2. Conforme entendimento consubstanciado na Súmula 650/STF, o conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” não abrange aquelas que eram possuídas pelos nativos no passado remoto. Precedente: RMS 29.087, Rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 14/10/2014.
3. Renitente esbulho não pode ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual (vale dizer, a data da promulgação da Constituição de 1988), conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada.
4. Agravo regimental a que se dá provimento.

O tema brevemente estudado aqui apresenta-se como passível de cobrança no concurso da Advocacia-Geral da União, sendo relevante que os alunos leiam a integralidade do voto do relator, veiculado no informativo de jurisprudência 744 do Supremo Tribunal Federal.

Abraços e bons estudos!!!!

Grande abraço a todos, João Paulo Lawall Valle.