Hitala Mayara, Advogada da União

EBEJI

Acompanhe o julgado:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.
(ADC 16, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00001 RTJ VOL-00219- PP-00011)

O julgado em questão é de suma importância para os concursos da AGU pois o tema da responsabilidade subsidiária é objeto de grande parte dos processos trabalhistas da União.

Antes de falar especificamente do julgado e das particularidades dele decorrentes, convém esclarecer alguns pontos.

Primeiramente, é preciso entender o que se entende por terceirização.

Ocorre a terceirização quando uma empresa, ao invés de executar serviços diretamente através de seus empregados, contrata outra empresa, para que esta realize o serviço com o seu pessoal e sob sua responsabilidade. Ou seja, o empregado é contratado pela empresa intermediária (empregadora), mas presta serviços em outro local (empresa tomadora).

Há, assim, 3 pessoas envolvidas: o trabalhador, a empresa prestadora de serviços e a empresa tomadora dos serviços. O vínculo empregatício formado ocorre entre o trabalhador e a empresa prestadora de serviços, embora aquele preste serviços em outro local, na empresa tomadora.

A legislação brasileira não disciplina especificamente a terceirização, cujos parâmetros foram disciplinados pela Súmula 331 do TST.

A ausência dessa disciplina legal tem provocado celeumas e discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema, especialmente com relação às atividades que podem ser terceirizadas.

Recentemente, inclusive, a Câmara de Deputados aprovou o Projeto de Lei 4330/04, que tem como ponto mais polêmico a possibilidade de as empresas terceirizarem nas suas atividades-fim. O projeto ainda será analisado pelo Senado Federal.

De igual modo, pende de julgamento no STF RE afetado como representativo da controvérsia sobre a definição de atividade-fim e a possibilidade de sua realização através da terceirização:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO E SUA ILÍCITUDE. CONTROVÉRSIA SOBRE A LIBERDADE DE TERCEIRIZAÇÃO. FIXAÇÃO DE PARÂMETROS PARA A IDENTIFICAÇÃO DO QUE REPRESENTA ATIVIDADE-FIM. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

(ARE 713211 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 15/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-109 DIVULG 05-06-2014 PUBLIC 06-06-2014 )

 E o que diz a Súmula 331 do TST sobre a matéria?

A súmula 331 foi alterada em 2011. Até tal ano, havia previsão expressa no sentido de que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implicaria na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que constantes do título executivo judicial.

Em suma, até 2011 bastava que a empresa prestadora de serviços não pagasse devidamente as verbas trabalhistas aos seus empregados (mero inadimplemento) para que o ente público que a tivesse contratado respondesse subsidiariamente, desde que constante do título executivo judicial.

Este entendimento, de certa forma, fechava os olhos para o disposto no §1º do artigo 71 da Lei 8.666/93 que afirma expressamente:

1oA inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis

Em maio de 2011, porém, o TST alterou a redação da Súmula referida, mantendo a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quantos às obrigações trabalhistas inadimplidas pelo empregador, mas ressalvando que, no caso dos integrantes da Administração Pública direta e indireta, só haverá responsabilidade caso evidenciada a conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente no cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora.

A alteração pode ser mais claramente visualizada da seguinte forma:

SÚMULA 331 DO TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei no 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei no 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação

Assim, a alteração da Súmula 331 do TST foi de grande impacto para Administração Pública, pois a imposição da responsabilidade subsidiária a esta pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas da empresa prestadora de serviços somente passou a ser válida se evidenciada a culpa do ente público no cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço.

Por que o TST alterou a Súmula?

A alteração da Súmula 331 foi provocada justamente pelo julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 16 pelo STF em 25/11/2010.

Neste julgamento, o STF decidiu pela constitucionalidade do artigo 71, §1º da Lei 8.666/93, que isenta a Administração Pública de qualquer responsabilidade em face do inadimplemento de encargos trabalhistas da empresa prestadora de serviços.

Destacou, porém, haver possibilidade da imposição de responsabilidade subsidiária caso comprovada culpa da Administração na escolha da empresa (culpa in elegendo) ou na fiscalização do contrato (por exemplo, com uma concessionária) com a empresa prestadora de serviços (culpa in vigilando).

Veja o que disse o Ministro Cezar Peluso por ocasião do julgamento:

isso não impedirá que a Justiça do Trabalho recorra a outros princípios constitucionais e, invocando fatos da causa, reconheça a responsabilidade da Administração, não pela mera inadimplência, mas por outros fatos“.

No mesmo sentido, nas reclamações submetidas ao exame do STF, tem-se destacado que será admissível a responsabilidade subsidiária quando constarem no acórdão impugnado “elementos concretos para demonstrar a omissão culposa da Administração Pública na fiscalização do contratado” (Rcl 14579, Min. Luiz Fux, DJe-16/10/2012) quando “embora de forma sucinta, a partir do conjunto probatório presente nos autos da reclamação trabalhista“, o órgão jurisdicional “analisou a conduta da ora reclamante e entendeu configurada a sua culpa in vigilando” (Rcl 14346, Min. Joaquim Barbosa, DJe-6/9/2012), e quando forem “consideradas as peculiaridade fáticas do caso concreto, com espeque em outras normas, regras e princípios do ordenamento jurídico” (Rcl 13272, Min.ª Rosa Weber, DJe-3/9/2012).

Em suma, o STF estabeleceu ser indevida a imposição da responsabilidade subsidiária do ente público pelo mero inadimplemento dos encargos trabalhistas da prestadora de serviços, mas destacou ser possível a responsabilidade caso seja verificada a culpa na escolha da empresa ou na fiscalização do contrato com esta.

Fixada a necessidade de demonstração da culpa do ente público, a nova dúvida que se levantou foi: de quem é o ônus probatório?

De acordo com os artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC, incumbe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito.

Assim, uma vez que, a partir do julgamento da ADC 16, a demonstração da culpa do ente público passou a se apresentar como fato constitutivo do direito do empregado para que este imponha a responsabilidade subsidiária da Administração, caberia a ele comprovar que esta foi negligente e escolheu mal ou não fiscalizou devidamente seu contrato. Caso contrário, haveria uma culpa presumida.

É importante destacar que, embora seja essa a interpretação mais favorável à União Federal – e que, por isso, deve ser sustentada pelo candidato em eventual prova discursiva -, a questão não se encontra pacificada no âmbito do TST, que possui decisões aplicando a inversão do ônus probatório e impondo à Administração Pública o dever de provar que agiu com diligência e não incorreu em culpa tanto na escolha quanto na fiscalização do contrato com a prestadora de serviços.

Porém, em decisões bem recentes, o próprio TST vem corroborando o entendimento de que não deve ser reconhecida a responsabilidade subsidiária com base na distribuição do ônus da prova em desfavor do ente público, cujos atos gozam da presunção de legalidade e de legitimidade:

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO TRT PROFERIDO APÓS A ATUAL REDAÇÃO DA SÚMULA Nº 331 DO TST. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DE SERVIÇOS RECONHECIDA PELA CORTE REGIONAL COM BASE NA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA EM DESFAVOR DO RECLAMADO. VEDAÇÃO CONFORME ENTENDIMENTO DO STF. 1 – Aconselhável o provimento do agravo de instrumento para melhor exame do recurso de revista , por provável violação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. 2 – De acordo com a Súmula nº 331, V, do TST e a ADC nº 16 do STF, é vedado o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do ente público com base no mero inadimplemento do empregador no cumprimento das obrigações trabalhistas, e deve haver prova da culpa in eligendo ou in vigilando do tomador de serviços. 3 – Também de acordo com o entendimento do STF, em diversas reclamações constitucionais, não deve ser reconhecida a responsabilidade subsidiária com base na distribuição do ônus da prova em desfavor do ente público, cujos atos gozam da presunção de legalidade e de legitimidade. Por disciplina judiciária, essa diretriz passou a ser seguida pela Sexta Turma do TST , a partir da Sessão de Julgamento de 25/3/2015. 4 – Agravo de instrumento a que se dá provimento. II – RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO TRT PROFERIDO APÓS A ATUAL REDAÇÃO DA SÚMULA Nº 331 DO TST. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DE SERVIÇOS RECONHECIDA PELA CORTE REGIONAL COM BASE NA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA EM DESFAVOR DO RECLAMADO. VEDAÇÃO CONFORME ENTENDIMENTO DO STF. 1 – De acordo com a Súmula nº 331, V, do TST e a ADC nº 16 do STF, é vedado o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do ente público com base no mero inadimplemento do empregador no cumprimento das obrigações trabalhistas, e deve haver prova da culpa in eligendo ou in vigilando do tomador de serviços. 2 – Também de acordo com o entendimento do STF, em diversas reclamações constitucionais, não deve ser reconhecida a responsabilidade subsidiária com base na distribuição do ônus da prova em desfavor do ente público, cujos atos gozam da presunção de legalidade e de legitimidade. Por disciplina judiciária, essa diretriz passou a ser seguida pela Sexta Turma do TST , a partir da Sessão de Julgamento de 25/3/2015. 3- Recurso de revista a que se dá provimento. (TST, RR 534600-64.2006.5.07.0032. Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 20/05/2015, 6ª Turma)

Ao remeter à decisão do STF na ADC 16, o TST pontua o seguinte (pontos que devem ser arguidos em eventual prova discursiva):

  • No julgamento da ADC 16, o STF pontuou ser necessária a comprovação da culpa do ente público, seja in elegendo ou in vigilando;
  • Essa comprovação deveria estar pautada em prova robusta, não podendo, assim, ser presumida essa culpa;
  • Diante disso, no momento em que se transfere o ônus probatório ao ente público, na verdade, se está impondo a ele uma presunção de culpa ou uma responsabilidade objetiva, o que contraria o quanto firmado pela Corte Suprema.

Em resumo, é preciso ter em mente, portanto, o seguinte quanto à decisão do STF na ADC 16 e à compreensão da Súmula 331 do TST:

É constitucional a previsão do art. 71, §1º, da Lei 8.666/93, que veda a responsabilidade subsidiária da Administração por encargos trabalhistas gerados pelo simples inadimplemento da empresa prestadora de serviços;
Para que se configure hipótese de responsabilidade subsidiária da Administração, é necessária a comprovação de sua culpa no processo de escolha da empresa (culpa in elegendo) ou na fiscalização dos serviços prestados (culpa in vigilando);
A comprovação da culpa deve ser feita de forma robusta, não se podendo admitir uma presunção de culpa em tais casos, sob pena de se estar aplicando uma responsabilidade objetiva do Poder Público;
O ônus probatório, portanto, será do empregado, por se tratar de fato constitutivo do seu direito, a teor dos arts. 818 da CLT, e 333, I, do CPC, como, inclusive, vem reconhecendo o TST em precedentes recentes.

Hitala Mayara