Pedro Coelho é Defensor Público Federal

Professor de Processo Penal da EBEJI

EBEJI

Prezados leitores,

O tema sobre o qual trataremos hoje foi objeto de recente informativo de jurisprudência do STF, mas que não revela uma verdadeira novidade. Ao contrário, o Pleno da Corte Suprema aderiu de maneira tranquila (já havia precedentes de ambas as Turmas nesse sentido) ao entendimento já pacificado no STJ. De toda forma, trata-se de tema bastante relevante e frequentemente abordado em questões de concurso, desde fases objetivas até fases orais dos certames.

Prescrição em perspectiva (projetada, antecipada, virtual ou prognostical) ocorre quando se extingue um processo criminal com fundamento na perspectiva de que, mesmo em caso de hipotética condenação, inevitavelmente ocorrerá a prescrição.

Como bem conceitua Lozano Jr, ela caracteriza-se “no reconhecimento da prescrição retroativa com base em hipotética pena, sob o argumento de que eventual pena a ser aplicada em caso de condenação ensejaria, inevitavelmente, ou com grande margem de probabilidade, a prescrição retroativa da pretensão punitiva”[1].

Concebida e desenvolvida sobretudo no Ministério Público do Estado de São Paulo, a ideia da prescrição antecipada é bastante difundida entre os processualistas penais como uma medida caracterizadora da carência de ação, uma vez que sua constatação aponta para a ausência de interesse de agir, na modalidade “interesse-utilidade”. Seria, inclusive, possível justificar um pedido de arquivamento em face da ausência da referida condição da ação!

Pedro, seria possível um exemplo para esclarecer o instituto?

Imagine-se o caso em que José, cidadão com 68 anos, com passado totalmente ilibado, sem quaisquer maus antecedentes, esteja sendo processado criminalmente, com denúncia recebida em 10 de julho de 2010, pela prática de um furto simples (art. 155 CPB – pena de 1 a 4 anos de reclusão). Questiona-se: com base na pena máxima abstratamente prevista para esse delito, pode-se afirmar que houve a prescrição retroativa?

Não! Ora, se imaginarmos que a sentença condenatória recorrível apontando a pena máxima de 4 anos venha a ser publicada em 09 julho de 2015, teremos aí, entre os momentos de interrupção do curso prescricional, 5 anos! Afinal, o recebimento da denúncia se deu em 10 de julho de 2010 (1ª causa interruptiva da prescrição – art. 117, IV do CPB), e a publicação da sentença condenatória recorrível em 09 de julho de 2015 (2ª causa interruptiva da prescrição – art. 117, IV do CPB)!

De acordo com o consagrado no artigo 109 do Código Penal Brasileiro, a prescrição dos crimes em que a pena fixada é superior a 2 anos e não excede a 4 anos (exatamente a pena máxima do furto simples) ocorre em 8 anos! Não há prescrição retroativa a ser observada na situação de José!

Para parcela da doutrina, (arrisco-me a dizer que se trata de doutrina majoritária, ao menos no âmbito processual penal), contudo, esse raciocínio puramente legalista não é o que deve prevalecer. Consoante nos ensina Paulo Queiroz[2], devemos analisar a decretação da prescrição, em casos tais, antes mesmo de sua consumação, em virtude das múltiplas circunstâncias do caso, entre as quais (i) o tempo decorrido, (ii) ausência de antecedentes do réu e, sobretudo, (iii) a consequente provável pena a ser aplicada.

Há situações em que, ainda que seja abstratamente possível a condenação na pena máxima (o que no dia a dia dos Tribunais nacionais é bastante raro, em razão do sistema de dosimetria da pena adotado pelo CPB), é de se defender o exercício de perspectiva, de virtualização, especulação, antecipação da pena provável que será concebida ao final do processo! Esse exercício teria como norte o postulado da eficiência e economia processual, bem como a madura aplicação do interesse processual na seara criminal.

No exemplo trabalhado no presente post, será mesmo razoável imaginar que José tenha contra si a pena maior que 2 anos? Nada nos conduz a tal conclusão! E se houver condenação a uma pena de até 2 anos de reclusão? Haverá, inexoravelmente, o reconhecimento da prescrição! Por quê?

No exercício de aplicação da prescrição retroativa (“contada para trás”), da data do recebimento da denúncia (10 de julho de 2010) até hoje já se passaram mais do que 4 anos, ou seja, foi superado o lapso temporal prescricional previsto para os crimes com pena máxima não superior a 2 anos, conforme reza o artigo 109, V[3], do CPB.

Destarte, se no exercício ponderado e hipotético, virtualmente, a pena final não será superior a 2 anos, o reconhecimento da prescrição antecipada se revela medida de rigor, norteada pelas concepções de interesse utilidade do processo e também da economicidade. Óbvio que esse exercício de antecipação deve ser calcado em ponderações factíveis, concretas, orientadas pelo bom senso capaz de gerar uma “probabilidade de pena final”.

Infelizmente, apesar do brilhantismo e da extrema utilidade da teoria da prescrição em perspectiva, ela vem tendo sua aplicação afastada pelos Tribunais Superiores. Depois de algum tempo, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o seu entendimento e editou a Súmula 438, indicando a não admissão da prescrição em perspectiva. Vejamos:

Súmula 438 do STJ: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”.

Agora, além dos argumentos de falta de previsão legal, violação da presunção de inocência, fundamentação em dado aleatório e possibilidade de mutatio libelli, a doutrina contrária ao instituto da prescrição em perspectiva “ganhou” o reforço de precedente do Supremo Tribunal Federal para afastar a aplicação da tese. Vejamos (ver também Informativo 788 do STF):

COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO – CESSAÇÃO DE MANDATO – AGRAVO REGIMENTAL. Estando o agravo regimental voltado a infirmar ato de integrante do Supremo, a este incumbe o julgamento, mostrando-se neutra a cessação do mandato gerador da prerrogativa de foro. RECURSO – ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO – PRESCRIÇÃO VIRTUAL – DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA – JULGAMENTO. Surgindo a prerrogativa de o investigado ter o inquérito em curso no Supremo, cumpre ao Juízo, defrontando-se com recurso em sentido estrito, remeter os autos ao Tribunal competente, atuando este sob o ângulo da revisão do que decidido. PRESCRIÇÃO EM PERSPECTIVA. Inexiste norma legal que, interpretada e aplicada, viabilize assentar a prescrição da pretensão punitiva considerada possível sentença condenatória. (Inq 3574 AgR, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG 15-06-2015 PUBLIC 16-06-2015).

Conclusão: Destarte, apesar da existência de valorosa e significativa doutrina favorável ao instituto da prescrição virtual, dúvidas não há de que o STJ e o STF rechaçam por completo a existência desse instituto no direito brasileiro! Essa deve ser sua posição tranquila para as provas objetivas!

CUIDADO: Em se tratando de provas dissertativas, sobretudo prova de Defensoria Pública, o domínio da matéria e os fundamentos da prescrição em perspectiva são imprescindíveis! O candidato deverá registrar o posicionamento dos Tribunais Superiores, mas também declinar de maneira segura e didática os aspectos favoráveis dessa modalidade doutrinária de prescrição da pretensão punitiva!

É isso pessoal! Tema bastante espinhoso, mas espero que tenha ajudado a aclarar!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

[1] Lozano Jr. Prescrição penal. São Paulo: Saraiva, 2002, p.181.

[2] Queiroz, Paulo. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Editora JusPodivm: 2014, pág. 571.

[3] Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois.