Ubirajara Casado é Advogado da União

Professor de Processo Civil e Constitucional

EBEJI

Da “lesividade” exigida pelo STJ (1ª Turma) para o efetivo ressarcimento ao Erário em Ação Popular e comparação com o dano in re ipsa na Ação Civil Pública por Ato de Improbidade.

EBEJI

Uma das tarefas mais difíceis no estudo da jurisprudência é analisar a formação do entendimento de um tribunal a partir de julgados de suas turmas quando, de alguma forma, definem critérios diferentes para situações iguais ou assemelhadas.

Lógico, até que o pleno do tribunal tenha oportunidade de estabelecer limites acerca do entendimento digladiado pelas turmas, é preciso entender a embriologia das decisões. Afinal, as decisões turmárias também são cobradas em provas de concurso público.

No post de hoje vamos analisar como o STJ (1ª Turma) entende possível o efetivo ressarcimento ao erário quando do julgamento da Ação Popular.

Lembram-se do julgado da 2ª Turma sobre prejuízo ao erário in re ipsa comentado no Blog da Escola?

Pois bem, a 1ª Turma tem julgado que, embora em sede deA Popular e, portanto, sem discussão acerca da improbidade propriamente dita, entende que a lesividade é fato condição para que se possa efetivar o ressarcimento ao Erário. Esse entendimento vai de encontro, de certa forma, ao afirmado pela 2ª Turma no post acima mencionado.

Naquela ação de improbidade, entendeu-se que a ausência de licitação, por si só, já constituía lesão ao Poder Público capaz de determinar o ressarcimento, aplicado como pena decorrente da Lei de Improbidade Administrativa.

Estamos, na análise da presente decisão, em sede de Ação Popular, contudo, os requisitos para o ressarcimento foram encarados de forma diferente pela 1ª Turma do STJ.

Antes de mais nada, vamos a um breve resumo da Ação Popular:

“(…) a ação em comento consiste em um relevante instrumento processual de participação política do cidadão, destinado eminentemente à defesa do patrimônio público, bem como da moralidade administrativa, do meio-ambiente e do patrimônio histórico, artístico, estético e turístico das entidades mencionadas no art. 1o. da Lei 4.717/65; mencionado instrumento constitucional possui pedido imediato de natureza desconstitutiva-condenatória, pois colima, precipuamente, a insubsistência do ato ilegal e lesivo a qualquer um dos bens ou valores enumerados no inciso LXXIII do art. 5o. da CF/88 e, consequentemente, a condenação dos responsáveis e dos beneficiários diretos ao ressarcimento ou às perdas e danos correspondentes (arts. 11 e 14 da LAP).” (Excerto do voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no REsp 1.447.237-MG) (grifos apócrifos).

Muito bem! Agora, para entendermos exatamente o que pensou a 1ª Turma do STJ, imagine a seguinte situação:

  1. Ente Federado contrata, mediante licitação, determinada empresa para a prestação de serviços.
  2. Contudo, o processo licitatório é maculado por não observar todas as regras da Lei 8.666/93.
  3. O Tribunal de Contas atesta a irregularidade da contratação apenas após a efetiva prestação de serviços da empresa, ou seja, há prestação de serviços ao Poder Público mesmo com a contratação irregular, constatada posteriormente.
  4. Particular ajuíza Ação Popular para ver reconhecida a ilegalidade da contração com a consequente anulação do contrato, bem como o ressarcimento ao Erário provocado pelo prejuízo causado à Administração.
  5. Para o STJ, a decisão judicial deve:

reconhecer a ilegalidade da contratação e anular o negócio jurídico firmado com o Poder Público;

– por haver prestação de serviço sem configuração de dano ao Erário por ausência de lesividade, afastar a condenação em ressarcimento.

Em outras palavras, não existe dano presumido a ensejar condenação ressarcitória em sede de Ação Popular, ou seja, exige-se o dano efetivo.

Perceba, contudo, que o julgado inteiro analisou o requisito da lesividade à luz da LAP (Lei da Ação Popular):

Percebe-se, assim, que o binômio ilegalidade-lesividade configura pressuposto elementar para a admissibilidade e a consequente procedência da Ação Popular, para que haja a condenação dos requeridos no ressarcimento ao Erário, decorrente dos prejuízos comprovadamente averiguados ou nas perdas e danos correspondentes (arts. 11 e 14 da Lei 4.717/65).” (Excerto do voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no REsp 1.447.237-MG) (grifos apócrifos).

Então, o mais prudente é separar as peculiaridades de cada decisão e responder em prova a partir dos elementos estabelecidos pelo examinador, quando da formulação do enunciado.

Assim, temos:

1ª Turma – REsp 1.447.237-MG 2ª Turma – REsp 1.376.524-RJ
Ação Popular Ação Civil Pública por Ato de improbidade
Irregularidade na licitação Dispensa de licitação
Ausência de dano efetivo na prestação de serviços. Necessidade de comprovação real de lesão aos cofres públicos. Dano in re ipsa
Afastada a condenação em ressarcimento Condenação em ressarcimento
Condenar em ressarcimento é admitir o enriquecimento sem causa do Ente Público. Não há como concluir pela inexistência do dano, pois o prejuízo ao erário é inerente (in re ipsa) à conduta ímproba, na medida em que o Poder Público deixa de contratar a melhor proposta.
Para o STJ, eventual violação à boa-fé e aos valores éticos esperados nas práticas administrativas não configura, por si só, elemento suficiente para ensejar a presunção de lesão ao patrimônio público, uma vez que a responsabilidade dos agentes em face de conduta praticada em detrimento do patrimônio público exige a comprovação e a quantificação do dano. Adotar entendimento em sentido contrário acarretaria evidente enriquecimento sem causa do ente público, que usufruiu dos serviços prestados em razão do contrato firmado durante o período de sua vigência. STJ. 1ª Turma. REsp 1.447.237-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/12/2014 É cabível a aplicação da pena de ressarcimento ao erário nos casos de ato de improbidade administrativa consistente na dispensa ilegal de procedimento licitatório (art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992) mediante fracionamento indevido do objeto licitado. De fato, conforme entendimento jurisprudencial do STJ, a existência de prejuízo ao erário é condição para determinar o ressarcimento ao erário, nos moldes do art. 21, I, da Lei 8.429/1992 (REsp 1.214.605-SP, Segunda Turma, DJe 13/6/2013; e REsp 1.038.777-SP, Primeira Turma, DJe 16/3/2011). No caso, não há como concluir pela inexistência do dano, pois o prejuízo ao erário é inerente (in re ipsa) à conduta ímproba, na medida em que o Poder Público deixa de contratar a melhor proposta, por condutas de administradores. Precedentes citados: REsp 1.280.321-MG, Segunda Turma, DJe 9/3/2012; e REsp 817.921-SP, Segunda Turma, DJe 6/12/2012. REsp 1.376.524-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 2/9/2014.

Toda atenção do mundo, eis que o assunto aqui abordado é um prato cheio para ser cobrado em provas subjetivas dos concursos da Advocacia Pública.

Grande abraço,

Ubirajara Casado.

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