Tema polêmico por excelência, até pela precarização dos direitos do trabalhador que acarreta, a terceirização das relações de trabalho tornou a ser objeto de debate no TST. Naturalmente, a discussão envolveu a aplicabilidade do enunciado nº 331 da súmula da Corte Trabalhista. Como inexiste lei a regulamentar especificamente a matéria, a jurisprudência tem sido utilizada como ferramenta para balizar o fenômeno das terceirizações trabalhistas.
Sendo assim, cumpre observar o inteiro teor do entendimento jurisprudencial consagrado para efeito de regência da matéria no Brasil:
Súmula nº 331 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
Não resta dúvida de que, considerando toda a súmula de jurisprudência do TST, o enunciado nº 331 é o que tem rendido os debates doutrinários mais acirrados. Em grande parte, porque houve, por parte dos representantes da Fazenda Pública, a conhecida discordância quanto à interpretação que o Tribunal Superior do Trabalho conferia ao art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93. Reproduzo o preceito in verbis:
Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.
No entanto, as divergências doutrinárias e pretorianas acerca da duvidosa constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 foram definitivamente afastadas com a decisão do STF prolatada na ADC 16. Nesse julgado, a Suprema Corte brasileira reconheceu a validade do dispositivo. Eis a ementa do precedente:
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. (STF – ADC: 16 DF , Relator: Min. CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 24/11/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00001)
Ou seja, relativamente aos encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa contratada, o STF entendeu que a responsabilidade da Administração Pública não é automática. É preciso demonstrar a conduta culposa (culpa “in vigilando”) do ente público, que não cuida de acompanhar e fiscalizar o cumprimento das obrigações legais atinentes à execução do contrato firmado com a empresa prestadora de serviços.
Logicamente a decisão do STF influiu na nova redação dada ao enunciado nº 331 da súmula do TST. Agora, o texto sumulado é explícito quanto à necessidade de se comprovar a conduta culposa do ente público que se pretende responsabilizar pelas obrigações de caráter trabalhista não adimplidas pelo empregador.
Nesse prisma, guia-se a jurisprudência recente do TST (grifos meus):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RITO SUMARÍSSIMO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. TOMADOR DE SERVIÇOS. SÚMULA N.º 331, V, DO TST. COMPROVAÇÃO DA CULPA -IN VIGILANDO- NECESSIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RITO SUMARÍSSIMO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. TOMADOR DE SERVIÇOS. SÚMULA N.º 331, V, DO TST. COMPROVAÇÃO DA CULPA -IN VIGILANDO-. NECESSIDADE. Não comprovada a culpa -in vigilando- da entidade pública, a decisão proferida pelo Regional contraria a jurisprudência pacífica desta Corte, consagrada no antigo item IV e atual item V da Súmula n.º 331. Agravo de Instrumento conhecido e provido . RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. TOMADOR DE SERVIÇOS. SÚMULA N.º 331, V, DO TST. COMPROVAÇÃO DA CULPA -IN VIGILANDO-. NECESSIDADE . De acordo com a nova redação conferida à Súmula n.º 331 do TST, os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666/93; a aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. Ora, não havendo comprovação da inobservância do dever de acompanhar e fiscalizar a execução dos contratos promovidos com a prestadora de serviços (arts. 58, III, 67 e 70 da Lei n.º 8.666/93), não há de se falar em negligência, nem responsabilidade subsidiária da Administração Pública. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST – RR: 7106320115050133 710-63.2011.5.05.0133, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 22/05/2013, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/05/2013)
Mas o que fazer quando a Administração Pública não celebrou propriamente um contrato de terceirização, mas sim cometeu à pessoa jurídica, por meio de convênio, serviço típico da atuação estatal?
Foi essa interrogação que a Quarta Turma do TST procurou responder ao julgar o recente AIRR-1191-13.2011.5.04.0017. No caso concreto, uma atendente de creche prestava serviços à sociedade beneficente que fora contratada pelo município de Porto Alegre (RS). Após ser despedida, a empregada ajuizou reclamação, a fim de pleitear o pagamento de verbas rescisórias decorrentes do rompimento do vínculo empregatício. As alegações da obreira informavam que, embora contratada formalmente pela sociedade beneficente mantenedora da creche “Palhaço Feliz”, na verdade, prestava serviços de educação infantil ao ente público municipal.
Como as decisões de primeiro e segundo graus condenaram o município reclamado ao pagamento das verbas rescisórias, o caso foi levado ao TST. Então, mediante o julgamento do agravo de instrumento interposto em recurso de revista, a Quarta Turma da Corte Superior Trabalhista consignou um importante discrime: o ente público que firma convênio com outra pessoa jurídica para prestação de serviços na área de educação deve responder subsidiariamente por eventuais obrigações trabalhistas não assumidas pelo empregador.
Vejamos como ficou ementada a decisão:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CONVÊNIO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS EM EDUCAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO MUNICÍPIO. SÚMULA Nº 331 DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.
1. Educação é dever primacial do Estado (Constituição Federal, art. 205).
2. Se o ente público (Município) louva-se de convênio com outra pessoa jurídica para a prestação de serviços na área de educação, suporta responsabilidade subsidiária em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pelo empregador.
3. Conquanto não haja propriamente terceirização de serviços e, sim, contratação direta para prestação de serviços diretamente ao ente conveniado, em realidade o ente público é o beneficiário direto e indireto de um serviço tipicamente estatal cuja execução transfere injustificadamente a outrem. Inteligência da Súmula nº 331, itens IV a VI, do Tribunal Superior do Trabalho.
4. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.
(TST – RR: AIRR-1191-13.2011.5.04.0017, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 22/05/2013, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/05/2013)
Note o leitor o que o fundamento principal do discrime operado partiu do reconhecimento de que assegurar o direito à educação é dever do Estado, tal qual prevê a Constituição no seu art. 205:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Com base nessa premissa, e à luz do inc. III do enunciado nº 331, os julgadores do TST afastaram a hipótese de terceirização, que ocorre quando o tomador de serviços promove a transferência de atividade-meio, cujo exercício fica sob a incumbência de empresa distinta e especializada (conhecida comumente como “empresa terceirizada”). Segundo entendimento prevalente na Quarta Turma, o que se transferiu no caso concreto da creche porto-alegrense não foi atividade-meio, e sim atividade-fim (serviço educacional), visto que típico dever do Estado. Logo, restou descaracterizado o fenômeno da terceirização.
Entretanto, não obstante não tenha havido terceirização, mas sim contratação direta de serviços educacionais com o ente conveniado, a natureza do vínculo que une a pessoa jurídica mantenedora da creche ao município de Porto Alegre não obsta o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Fazenda Pública municipal pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pelo empregador. Mas é preciso respeitar a imprescindibilidade de comprovação da culpa in vigilando do ente público, porquanto, ao fim e ao cabo, não deixa de ser hipótese de responsabilidade subsidiária da Administração Pública.
Eis aí, então, um bom discrime jurisprudencial quanto à responsabilidade dos entes públicos nos contratos celebrados com outras pessoas jurídicas sob o regime de convênio. Apesar disso, é fato que o enunciado nº 331 da súmula de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho permanece muito distante de esgotar todas as dúvidas que circundam o fenômeno de terceirização trabalhista.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 16/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 24/11/2010, p. DJe 09/09/2011. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 23 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula de jurisprudência, enunciado nº 331 (Contrato de prestação de serviços. Legalidade). DEJT 27, 30 e 31.05.2011. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 23 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Quarta Turma. Recurso de Revista 710-63.2011.5.05.0133, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, j. 22/05/2013, p. DEJT 24/05/2013. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 23 de fev. 2014.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Quarta Turma. Agravo de Instrumento no Recurso de Revista 1191-13.2011.5.04.0017, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, j. 22/05/2013, p. DEJT 24/05/2013. Disponível em: www.tst.jus.br. Acesso em: 23 de fev. 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 de fev. 20124
BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em:www.planalto.gov.br. Acesso em: 23 de fev. 2014.
Rafael Teodoro.
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