Surdez unilateral não é mais deficiência física para fins de concorrência em concurso público.

 

1. INTERESSE NO TEMA

A União, em Mandado de Segurança (18.966 – DF) que discutiu o tema no Superior Tribunal de Justiça, requereu ingresso nos termos do art. 7º, inciso II, da Lei 12.016/09. Assim, penso que o tema é importante para os concursos da Advocacia Pública.

 

2. ENTENDA O CASO

O Decreto nº 3.298/99, em sua redação original prevê em seu art. 4º:

 

Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

II – deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:

a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve;

b) de 41 a 55 db – surdez moderada;

c) de 56 a 70 db – surdez acentuada;

d) de 71 a 90 db – surdez severa;

e) acima de 91 db – surdez profunda; e

f) anacusia;

 

Com a alteração dada pelo Decreto 5.296/04, o art. 4º passou a vigorar com os seguintes esclarecimentos:

 

II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

 

Perceba, com isso, que houve exclusão normativa da qualificação “deficiência auditiva” para os portadores de surdez unilateral.

 

3. O JULGAMENTO NO STJ. A TESE CONTRÁRIA AO DECIDIDO NO MS.

Excluídos os impedidos e os que não participaram do julgamento, o STJ entendeu que houve exclusão normativa da qualificação de deficiência auditiva para os portadores de surdez unilateral por seis votos contra quatro votos que entendia em sentido contrário.

Os que entendem em sentido contrário aplicam a interpretação ampliativa do disposto no art. 3º do Decreto, que diz:

 

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

 

4. DO PRINCIPAL PRECEDENTE CITADO PELA TESE MAJORITÁRIA. REFERÊNCIA A JULGADO DO STF.

A Corte Superior de Justiça registra entendimento considerando que a perda auditiva unilateral, por si só, não é condição apta a qualificar o candidato a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiência (REsp 1.307.814/AL, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 23.4.12, com referência a julgado do Pretório Excelso: MS 29.910-AgR, do qual relator o Ministro Gilmar Mendes)

 

5. DA JURISPRUDÊNCIA DO TST

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem julgado em sentido contrário ao que entendeu o STJ, vejamos:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA INSCRITA COMO PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ENQUADRAMENTO COMO PNE NEGADO PELA COMISSÃO CENTRAL DO CONCURSO. DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL. ARTIGOS 3º E 4º DO DECRETO 3.298/1999. A interpretação dos arts. 3º e 4º do Decreto 3.298/1999 (com a redação dada pelo Decreto 5.296/2004) em harmonia com os dispositivos da Constituição da República, mormente com os seus arts. 1º, incs. II e III, e 3º, inc. IV, os quais evidenciam que, mediante as denominadas ações afirmativas, sejam efetivadas as políticas públicas de apoio, promoção e integração dos portadores de necessidades especiais, leva à conclusão de que a deficiência auditiva unilateral é suficiente para assegurar o direito do candidato concorrer a uma das vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais a que aludem os arts. 37, inc. VIII, da Constituição da República e 5º, § 2º, da Lei 8.112/1990, não se exigindo que a deficiência auditiva seja bilateral. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS CORRESPONDENTE AO MONTANTE DOS VENCIMENTOS RELATIVOS AO PERÍODO DA DATA DE EVENTUAL POSSE DE OUTRO CANDITADO NA VAGA RESERVADA AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS ATÉ A DATA DA POSSE DA IMPETRANTE. “Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação ao período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria” (Súmula 271 do Supremo Tribunal Federal). Outrossim, o deferimento do pedido resultaria em sentença condicional, o que é vedado pelo parágrafo único do art. 460 do CPC.

Recurso Ordinário a que se dá parcial provimento.(RR 11800-35.2011.5.21.000, Rel. Ministro João Batista Brito Pereira, DJe de 15.10.12)

 

6. DO ENTENDIMENTO DO MPF

Em conta, o MPF assim se manifestou:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA PORTADORA DE GRAVE PERDA AUDITIVA UNILATERAL. DIREITO DE CONCORRER ÀS VAGAS DESTINADAS AOS DEFICIENTES FÍSICOS. INTERPRETAÇÃO CONCOMITANTE DOS ARTIGOS 3º E 4º, II, DO DECRETO Nº 3.298/99. PRECEDENTES. Parecer pela concessão da segurança

 

7. CONCLUSÃO

Pode-se dizer, sem óbice, que a decisão do STJ foi uma escolha interpretativa que, como norte maior em termos práticos, orienta a Administração Pública acerca da surdez unilateral e a reserva de vagas para deficientes físicos em concursos públicos.

Está aí uma ótima questão que pode, associada è redação de uma peça judicial, ser cobrada em segunda fase de concursos da Advocacia Pública.

Forte abraço e até a próxima.

Ubirajara Casado.