Ubirajara Casado é Advogado da União
Professor de Processo Civil e Constitucional da EBEJI
EBEJI
Todos sabemos o que o famoso art. 54 da Lei 9.784/99 diz sobre o controle dos atos administrativos:
Art. 54 da Lei 9.784/99 |
O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. |
Como o título do post sugere, a Administração Pública pode afastar a incidência do art. 54 da Lei 9.784/99 em razão de má-fé?
Vejamos como isso aconteceu.
- Entenda o caso.
Imagine que um servidor público federal recebe, por oito anos, auxílio-moradia de forma indevida. O auxílio foi concedido em 2003 e perdurou até 2011.
O Tribunal de Contas da União julgou irregular a concessão do benefício uma vez que não houve deslocamento do servidor a autorizar o auxílio, eis que já residia na localidade onde exerceria suas atribuições.
O servidor ajuizou Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal questionando o prazo decadencial que a Administração teve para anular seu próprio ato, ou seja, tendo começado a receber o benefício em 2003, em tese, a Administração teria até 2008 para aplicar o art. 54 da Lei 9.784/99, acima reproduzido.
- Como o STF julgou a questão?
Duas teses se apresentaram na 1ª Turma do STF quando do julgamento do MS 32.569:
Tese 1 (Relator Marco Aurélio) |
Tese 2 (apresentada pelo Roberto Barroso) |
Aplica-se a decadência, eis que o prazo do art. 54 da Lei 9.784/99 já foi ultrapassado. |
A má-fé do servidor ao receber auxílio manifestamente incabível, eis que antes de assumir o cargo já residia no mesmo lugar, torna a aplicação do art. 54 da Lei 9.784/99 sem efeito. |
A má-fé ficou comprovada nos autos ante a declaração assinada, à época, pelo servidor, no sentido de residir em local diverso do que residia para fins de percepção do auxílio.
Orbitou, na 1ª Turma, o entendimento de que “O prazo decadencial não se aplica aos autos por não ter havido boa-fé”, afirmado pelo Ministro Roberto Barroso.
Contudo, o voto condutor do Ministro Fachin prevaleceu no sentido da impossibilidade da discussão do tema pela via do mandado de segurança. De todo modo, a tese levantada pelo Barroso interessa à Fazenda.
- Tese favorável à Fazenda Pública.
Assim, no julgamento do MS 32.569, o STF, por sua 1ª Turma, lança uma tese interessante para a Fazenda Pública.
“Caso comprovada a má-fé do servidor é possível afastar o prazo decadencial do Art. 54 da Lei 9.784/99.”
Muita atenção que isso pode estar presente em seus concursos para a Advocacia Pública.
Contudo, esse entendimento do STF não é novo, pelo menos quanto a inaplicabilidade do art. 54 da Lei 9.784/99, vejamos.
Como vimos, na esfera federal, o art. 54 da Lei 9.784/99 estatui que é de cinco anos o prazo de decadência para a administração pública anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, salvo comprovada má-fé. Percebe-se que a lei federal não esclareceu qual seria o prazo extintivo do direito de anular os atos ilegais no caso de serem eles desfavoráveis ao administrado, ou na hipótese de ser comprovada a ocorrência de má-fé.
Registre-se duas orientações usualmente propostas pela doutrina para solucionar essa lacuna:
Uma delas, mais tradicional, entende que, nesses casos, não se aplica nenhum prazo extintivo, ou seja, quando o ato for desfavorável ao administrado, ou quando se comprove má-fé, a administração pode anulá-lo a qualquer tempo. |
A outra corrente propugna a adoção, em tais hipóteses, do prazo genérico de prescrição das ações judiciais constante do Código Civil, que é de dez anos (art. 205). Essa construção conta com o aval de autores do quilate do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, e tem o mérito de evitar situações de “imprescritibilidade” (que são contrárias à noção mais elementar de segurança jurídica). |
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:
O STF já havia firmado em sua jurisprudência a orientação de que, diante de situações de flagrante desrespeito à Constituição Federal, a decadência do direito de a administração anular os seus próprios atos não ocorre nunca. Nessas hipóteses, o art. 54 da Lei 9.784/99 é absolutamente inaplicável porque o ato que viole frontalmente a Constituição da República não pode se estabilizar jamais, sob pena de completa subversão da ordem jurídica. (MS 28.279/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 16.12.2010 (Informativos 613 e 624 do STF); MS 26.860/DF, rel. Min. Luiz Fux, 02.04.2014 (Informativo 741 do STF); MS 29.219/DF, rel. Min. Teori Zavasckl, 04.11.2014). |
Assim, o STF já havia afastado o art. 54 de Lei 9.784/99 em situação de flagrante desrespeito à CF/88 e, agora, aventa a mesma solução para quando comprovada a má-fé do servidor.
Fiquemos atentos!
Forte abraço, Ubirajara Casado.
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