Rodrigo da Silva Brandalise

Mestre em Ciências Criminais pela FDUL – Lisboa

Palestrante junto à FMP/RS

Promotor de Justiça

Nos últimos tempos, quase que diariamente, recebemos diversas notícias e informações sobre operações de persecução penal voltadas ao combate à corrupção em nosso País. Em muitas delas, estão presentes medidas cautelares penais de cunho real (sequestro, busca e apreensão, hipoteca). Apesar de já previstas desde longa data, elas passaram a ter um destaque e uma preocupação maior por parte daqueles que atuam nestas persecuções, pois Maquiavel já dizia que “(…) os homens se esquecem com maior rapidez da morte de um pai que da perda do patrimônio (…)[1].

Assim, pela pertinência na nossa atualidade, cabe fazer uma apresentação das medidas cautelares reais reconhecidas em nosso sistema processual penal. Os pontos aqui descritos não esgotam o tema, apenas servem para um primeiro contato com a matéria.

A primeira delas é a apreensão, com ou sem busca. Apesar de ser tratada como meio de prova por nosso Código de Processo Penal (artigo 240 e seguintes) , ela traz consigo uma natureza mista, pois é a forma que o legislador determinou para a recuperação de instrumentos e produtos do crime que constituam bens móveis[2].  E este é o primeiro detalhe a ser observado: produto do crime que seja móvel necessita, obrigatoriamente, ser apreendido, mesmo que sem busca.

Guarda relação com a consequência da perda em favor da União determinada no Código Penal, artigo 91, inciso II, alínea ‘a’ e ‘b’ (primeira parte).

A segunda medida cautelar que cabe ser apontada é a de sequestro de bens móveis e imóveis. Pelo nosso Código de Processo Penal (artigos 125 a 133), elas se voltam contra o proveito do crime, ou seja, naquilo que o produto do crime é transformado (o celular que foi adquirido por alguém após ter subtraído dinheiro da vítima, p. ex.). Entretanto, tem-se admitido seu uso quando o bem imóvel for o produto do crime (o que pode ocorrer em um estelionato), pois não há como o apreender[3].

O sequestro é consequência do confisco em favor da União de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (CP, artigo 91, inciso II, ‘b’, parte final), e se caracteriza por tornar o bem sequestrado indisponível, sem possibilidade, portanto, de ser posto em comércio. Um ponto importante em relação a essa medida é que ela pode ser aplicada ainda que o bem proveito do crime esteja em poder de terceiros (CPP, artigo 125, parte final) e não se submete à regra da impenhorabilidade (Lei 8009/90, artigo 3º, VI).

Primeiramente, haverá a decretação do sequestro e, a posteriori, haverá a possibilidade de defesa, o que não afeta o princípio da não culpabilidade[4] e o direito ao silêncio, pois o que se exige é a confirmação do ônus da prova acerca do comportamento que originou a aquisição do bem sequestrado[5].

Outra situação importante: em qualquer hipótese, é protegido o direito da vítima e de eventual terceiro de boa-fé (Código Penal, artigo 91, inciso II)[6].

O sequestro, porém, apresenta variações importantes em nosso sistema processual, o que pode causar uma sobreposição de ocorrências de suas hipóteses e uma dificuldade de compreensão por quem as estuda.

Temos o sequestro voltado aos crimes contra a Fazenda Pública (Decreto-lei nº 3240/41, artigo 4º). Como se vê do dispositivo, diferentemente do previsto no CPP, o sequestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquirido dolosamente, ou com culpa grave. Os bens doados após a prática do crime serão sempre compreendidos no sequestro. O objeto, aqui, é mais amplo do que a lei geral do Código.

Ainda, está presente a figura do sequestro subsidiário, conforme o Código Penal, artigo 91, § 1º e § 2º. É assim conhecido pelo fato de que, neste caso, será decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Ou seja, nestas hipóteses em que a vítima e o Estado não se veem possibilitados de obter os valores que lhe cabem por conta da atuação do perseguido criminalmente, este terá atingido seu patrimônio lícito em verdadeira sub-rogação do patrimônio.

O Código de Processo Penal também prevê a especialização da hipoteca legal (artigos 134 e 135), cujo objetivo é garantir a reparação futura do ofendido pelo crime (nisto, já se diferencia do sequestro[7] e da apreensão[8], pois estas possuem legitimidade maior para requerimento). A hipoteca somente pode ser proposta após oferecida a ação penal, na medida em que exige certeza da infração e indícios suficientes de autoria, bem como porque o Código fala dela ser requerida durante o processo.

Importante notar que, aqui, haverá sua atuação sobre o patrimônio lícito do réu, que será onerado (garantia real – Código Civil, artigo 1419). Isto quer dizer que o bem pode continuar em comércio[9], mas quem o adquirir saberá que, sobre ele, incide esta garantia real, voltada contra um imóvel, nos termos do Código de Processo Penal.

É uma consequência da regra geral do artigo 1489, inciso III, do Código Civil, que diz que a lei confere hipoteca ao ofendido, ou aos seus herdeiros, sobre os imóveis do delinquente, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das despesas judiciais. E, igualmente, não se submete à regra da impenhorabilidade (Lei 8009/90, artigo 3º, VI).

A especialização somente recairá sobre o valor apontado como necessário para a reparação do dano no procedimento respectivo, que será liquidado definitivamente em processo próprio posterior (Código de Processo Penal, artigo 135, § 4º e § 5º). Também garantirá o pagamento de multas e de despesas processuais, como qualquer outra medida cautelar real (artigo 140 do Código de Processo Penal).

Quando surgir algum risco de que o patrimônio imóvel esteja a ser dilapidado para evitar a incidência da especialização hipoteca legal, poderá o ofendido valer-se do chamado arresto prévio (Código de Processo Penal, artigo 136). Este arresto prévio torna indisponível o bem a ser especializado para que seja possível a efetivação da medida de hipoteca legal (é uma cautelar de outra cautelar). Pode ser deferido quando a especialização já está em andamento ou antes de sua propositura. Se for anterior, a especialização deve ser pedida em até 15 dias, sob pena de a indisponibilidade não produzir mais efeitos. Ao término da especialização, a indisponibilidade não mais vigerá, pelo que somente remanescerá o ônus decorrente da hipoteca.

De ser observado que o arresto prévio também traz as mesmas exigências de certeza da infração e indícios suficientes da autoria. E somente pode ser postulado a partir do momento em que se mostra pertinente à especialização de hipoteca legal, razão pela qual é de ser compreendido caber somente a partir do processo (a cautelar acessória segue a cautelar principal).

Por fim, ainda, dentro do nosso Código, há o arresto como medida subsidiária (artigo 137), que atinge os bens móveis suscetíveis de penhora quando não houver bens imóveis passíveis de especialização de hipoteca legal ou quando eles forem insuficientes para a reparação do dano. Segue os mesmos termos em que há a faculdade da hipoteca legal.

Seguem os termos gerais do Código de Processo Penal as previsões de medidas assecuratórias voltadas aos bens móveis, imóveis e de valores relacionados à Lei de Drogas (nº 11.343/06, artigo 60[10]) e à Lei de Tráfico de Pessoas (nº 13.344/16, artigo 8º[11]).

Também se tem a hipótese de medidas assecuratórias quando o crime versado for de lavagem de dinheiro, que, muitas vezes, acompanha um crime contra a Fazenda Pública. Conforme a Lei 9.613/98, artigo 4º, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.

O que há de ser considerado, no caso da Lei de Lavagem de Dinheiro, é que os bens lícitos não se submetem à apreensão e ao sequestro em si, mas a outras medidas, como a hipoteca legal e os arrestos (até porque o objetivo é outro – § 4º). Porém, o cabimento da apreensão e do sequestro inclui instrumento, produto ou proveito do crime indistintamente. Isto porque o artigo 7º da Lei de Lavagem de Dinheiro diz que serão perdidos, em favor da União ou dos Estados, todo e qualquer bem, direito e valor relacionado, direta ou indiretamente, com sua prática.

O mesmo tratamento é conferido pela Lei nº 13.260/16, artigo 12 e seu § 4º, que se refere ao combate ao terrorismo. Assim, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em vinte e quatro horas, havendo indícios suficientes de crime previsto nesta Lei, poderá decretar, no curso da investigação ou da ação penal, medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei.

Também poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas.

Ou seja, estas duas últimas Leis dão uma margem mais alargada de abrangência das medidas assecuratórias. Inclusive, pode-se dizer que  elas admitem que todas as medidas assecuratórias sejam determinadas durante a investigação, nos crimes que lhe são pertinentes (afinal, não fazem referência expressa aos termos gerais do Código de Processo Penal). Isto bem mostra a falta de sistematicidade do tratamento do tema no Brasil.

O ponto comum a ser apontado agora a estas últimas quatro últimas Leis é o de que não haverá  a eventual restituição dos bens envolvidos nas medidas cautelares aqui citadas sem comparecimento pessoal do investigado, do acusado e/ou da interposta pessoa envolvida na prática delitiva. Se tal não houver, o pedido sequer será conhecido (Lei 9.613/98, artigo 4º, § 3º; Lei nº 13.260/16, artigo 12, § 3º; Lei nº 13.344/16, artigo 8º, § 3º; e Lei nº nº 11.343/06, artigo 60, § 3º).

Estas eram as questões a serem apresentadas neste momento. Diversas outras existem, como os procedimentos, discussões sobre a legitimidade ministerial fora do sequestro, possibilidade de determinação delas de ofício, as possibilidades de ação controlada durante seu cumprimento. Porém, para o presente momento, o essencial é que seja percebida a diferença entre elas e entre o tratamento dispensado pela legislação. Foi para isto que se motivou o presente trabalho.

[1] MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Maurício Santana Dias. 9ª reimpressão. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2010, p. 103.

[2] Código de Processo Penal, artigo 240, § 1º, alíneas ‘b’, ‘c’ e ‘d’.

[3] Dentre outros: BADARÓ, Gustavo Henrique. Das Medidas Cautelares Reais. In BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro – aspectos penais e processuais penais. 3ª edição, rev., atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 344.

[4] OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro de. Provimentos cautelares patrimoniais em lavagem de ativos. In: CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de Dinheiro. Prevenção e controle penal. 2ª edição, atualizada pela Lei nº 12.683/2012, após o julgamento da Ação Penal 470. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 648.

[5] OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro de. Provimentos cautelares patrimoniais em lavagem de ativos. In: CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de Dinheiro. Prevenção e controle penal. 2ª edição, atualizada pela Lei nº 12.683/2012, após o julgamento da Ação Penal 470. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 650.

[6] CC, art. 1.201: É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

[7] Código de Processo Penal, artigo 127: O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante representação da autoridade policial, poderá ordenar o seqüestro, em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa.

[8] Código de Processo Penal, artigo 242: A busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes.

[9] Conforme o Código Civil brasileiro, artigo 1475: é nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.

[10]  O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade de polícia judiciária, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes, poderá decretar, no curso do inquérito ou da ação penal, a apreensão e outras medidas assecuratórias relacionadas aos bens móveis e imóveis ou valores consistentes em produtos dos crimes previstos nesta Lei, ou que constituam proveito auferido com sua prática, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal.

[11] O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias relacionadas a bens, direitos ou valores pertencentes ao investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito do crime de tráfico de pessoas, procedendo-se na forma dos arts. 125 a 144-A do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).