Pedro Coelho é Defensor Público Federal

Professor da EBEJI

EBEJ

Prezados,

Normalmente meus textos aqui no blog versam sobre a matéria do direito penal e processual penal, mas hoje resolvi “inovar” um pouco. A motivação para o post versando sobre a matéria previdenciária parte de dois aspectos fundamentais: (i) a proximidade dos concursos da AGU e PFN em que a matéria possui especial importância e (ii) o fato de ter me deparado com o tema específico ontem à tarde, em peça elaborada na Defensoria Pública da União.

Sabe-se que o sistema constitucional brasileiro impede a adoção, como regra, de requisitos diferenciados para a aposentadoria, ressalvando, porém, as atividades especiais prejudiciais à saúde ou integridade física dos segurados, além do trabalho prestado pelos portadores de deficiência física. Ambas as exceções possuem como alicerce de validade o postulado da isonomia. Vejamos:

Art. 201, § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.

Irei me ater à aposentadoria especial referente às atividades que envolvem exposição do segurado a agentes nocivos à saúde, regulamentada e prevista, no Regime Geral da Previdência Social (RGPS), nos seguintes artigos da Lei Geral de Benefícios (Lei 8.213/91):

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995) (…).

Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.

Entende-se que, para que o segurado faça jus ao benefício da aposentadoria especial, a atividade deverá ser enquadrada também como “especial”, considerando-se o tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições que prejudiquem de maneira particular a saúde ou integridade física do trabalhador.

A questão que se põe e é tormentosa para a doutrina e jurisprudência se dá quanto à utilização de equipamentos de proteção individual (EPI´s) e a manutenção ou não do direito à aposentadoria especial nessas situações.

Nesse cenário, é imperioso chamar a atenção a uma frequente “pegadinha” de concurso, na qual diversos (bons) candidatos são surpreendidos, fazendo confusão entre o direito previdenciário e o laboral. Indubitavelmente, no direito do trabalho, sabe-se que o adicional de insalubridade (diferentemente do adicional de periculosidade!) não é devido quando do uso regular de EPI´s, conforme anota a Súmula 80 do TST:

Súmula Nº 80 do TST – INSALUBRIDADE (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A eliminação da insalubridade mediante fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo exclui a percepção do respectivo adicional.

Na seara previdenciária, prevaleceu durante muito tempo que o uso de Equipamento de Proteção Individual não teria o condão de afastar o direito à aposentadoria especial. Nesse sentido, havia posição oficial do Conselho de Recursos da Previdência Social e do próprio STJ. Vejamos:

Súmula 21 do CRPS – O simples fornecimento de equipamento de proteção individual de trabalho pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde, devendo ser considerado todo o ambiente de trabalho.

PREVIDENCIÁRIO. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. EXERCÍCIO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. COMPROVAÇÃO POR MEIO DE FORMULÁRIO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE ATÉ O DECRETO 2.172/97 – RUÍDOS ACIMA DE 80 DECIBÉIS CONSIDERADOS ATÉ A VIGÊNCIA DO REFERIDO DECRETO. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. SIMPLES FORNECIMENTO. MANUTENÇÃO DA INSALUBRIDADE. APLICAÇÃO DO VERBETE SUMULAR Nº  7/STJ. RECURSO IMPROVIDO. 1. (…). 3. O fato de a empresa fornecer ao empregado o Equipamento de Proteção Individual – EPI, ainda que tal equipamento seja devidamente utilizado, não afasta, de per se, o direito ao benefício da aposentadoria com a contagem de tempo especial, devendo cada caso ser apreciado em suas particularidades. 4. Incabível, pela via do recurso especial, o exame acerca da eficácia do EPI para fins de eliminação ou neutralização da insalubridade, ante o óbice do enunciado sumular nº 7/STJ. 5. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 720.082/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 10/04/2006, p. 279).

ATENÇÃO!

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 04 de dezembro de 2014, em julgamento na sistemática de Repercussão Geral (ARE 664335, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015), consolidou entendimento distinto, ao asseverar que aposentadoria especial (CF/88, art. 201, §1º) pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo. Se o EPI é eficaz para neutralizar, eliminar ou reduzir a nocividade para níveis inferiores aos limites de tolerância, tal como comprovado por Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), o tempo de atividade não se caracteriza como especial. A regra, pois, passa a ser a mesma observada pela Súmula 80 do TST em relação ao adicional de insalubridade. Se o uso dos EPI´s for efetivo para eliminar os malefícios do ambiente e agentes laborais a que a é submetido o trabalhador, ele não terá direito à contagem da atividade com o tempo de especial.

Todavia, é preciso cuidado muito especial a uma exceção que foi trazida pelo julgado da Suprema Corte: a exposição do trabalhador segurado ao agente nocivo de ruído acima dos limites.

É que, em se tratando de exposição do trabalhador ao agente nocivo ruído acima dos limites legais de tolerância, a eficácia do EPI não descaracteriza a natureza especial do trabalho para fins de aposentadoria. De acordo com o STF,

“(…) 13. Ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores. (…) Tratando-se especificamente do agente nocivo ruído, desde que em limites acima do limite legal, constata-se que, apesar do uso de Equipamento de Proteção Individual (protetor auricular) reduzir a agressividade do ruído a um nível tolerável, até no mesmo patamar da normalidade, a potência do som em tais ambientes causa danos ao organismo que vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas. 14. Desse modo, a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

E então, como fica o cenário da jurisprudência sobre o tema? Após o julgamento e o reconhecimento de Repercussão Geral sobre o tema, podemos assim esquematizar o raciocínio:

Regra

A aposentadoria especial tratada nos artigos 57 e 58 da Lei Geral de Benefícios pressupõe a concreta exposição do segurado a agente nocivo à saúde e, caso o uso de EPI se revele suficiente para neutralizar os efeitos maléficos dessa exposição, não há quê se falar em direito ao benefício. Não se revela suficiente a potencial ou provável produção de dano, revelando-se imprescindível a exposição danosa em razão da nocividade do ambiente de trabalho.

Exceção

Em se tratando, especificamente, de exposição a ruído (barulho) acima dos limites legais, devidamente reconhecidos no bojo do PPP, ainda que haja a utilização de EPI, não está descaracterizado o direito à aposentadoria especial. De acordo com o STF, a utilização de EPI não é capaz de evitar a produção de todos os danos à saúde do segurado produzidos pelos ruídos, que vão muito além dos relacionados à função auditiva.

Espero que tenham compreendido! Vamos em frente!

Abraços,

Pedro Coelho.