Em seus estudos vocês já devem ter se deparado com vários casos em que Estados foram condenados internacionalmente por terem violado, através de atos, direitos de indivíduos ou coletividades. Contudo, é possível que a omissão estatal também seja geradora de violação a direitos humanos.

Isso é o que ocorre, por exemplo, quando o Estado deixa de punir ou investigar determinados crimes, mesmo que praticados por particulares, quando se omite no seu dever de garantir dignidade a seus presos, etc.

A ideia de responsabilidade internacional do Estado por condutas omissivas é a base da Doutrina Osman.

Referida doutrina é extraída do famoso caso Osman X Reino Unido, decidido pela Corte Europeia, em que reconhecida a responsabilidade do Estado por não ter adotado medidas voltadas a impedir ou punir um crime envolvendo um professor britânico que assediou seu aluno e a família dele.

Nesse caso, a CEDH reconheceu que o dever do Estado de assegurar o direito à vida inclui também a adoção de medidas voltadas a impedir que a vida de alguém seja posta em risco por atos criminosos de outras pessoas. Segundo a CEDH, isso não significaria que o Estado teria que estar presente em todo e qualquer momento; a responsabilidade adviria nos casos em que os agentes estatais já tivessem sido notificados do risco de ocorrência do crime e nada tivessem feito.

Assim, a ideia da Doutrina Osman é a de responsabilizar o Estado quando está ele ciente do risco de uma violação a um direito humano, principalmente do direito à vida, e, mesmo assim, nada faz.

Essa Doutrina apenas é aplicada pela CEDH?

Não.

No plano americano, também a CIDH adota sua aplicação, tendo sido com esse fundamento que o Brasil foi condenado, por exemplo, no Caso José Pereira, por ter se omitido em prevenir o trabalho escravo, o que gerou a morte de um dos escravizados (o sr. José Pereira).

Outro caso bastante conhecido em que a doutrina Osman pode ser aplicada é o caso Velasquez Rodriguez v. Honduras, que cuida da figura do desaparecimento forçado, e no qual a CIDH firmou posição no sentido de considerá-lo como crime por violar o direito à vida e à liberdade, sendo que não corre contra ele a prescrição enquanto não localizado o corpo, tratando-se, portanto, de crime que se protrai no tempo.

Nesses casos, a Corte entende que a não investigação do ilícito pelo Estado viola também o direito às garantias judiciais das vítimas. Por conta disso, a CIDH determina que os Estados que não preveem essa figura delitiva devem adequar sua legislação interna, tendo ainda o dever de investigar e punir os responsáveis por tal conduta. Devem, ademais, indenizar as vítimas ou seus sucessores de forma a englobar tanto o dano material quanto o moral por eles sofrido, por não ser possível a restituição in integrum, sendo tais danos presumidos.

Fala-se, assim, em Doutrina Velasquez Rodriguez para se definir o dever de os Estados punirem penalmente as violações a direitos humanos.

Vale observar, contudo, que o Brasil não aceita essa figura delitiva (STF), tampouco o entende como imprescritível, pois, como pontuou o STF, a CF não trata desse crime nem o elenca dessa forma, não podendo ser o rol de crimes imprescritíveis interpretado de forma ampliativa.

Mesmo nos casos em que o STF já deferiu pedido de extradição em virtude de figura delitiva com os mesmos contornos, ele o fez adotando crimes semelhantes, como o de sequestro, o que lhe possibilitou abordar aspectos atinentes à prescrição.

Vale ainda destacar que, segundo as normas internacionais que tratam da figura do desaparecimento forçado, ela pode consistir na prisão, detenção, rapto ou qualquer forma de privação da liberdade por agentes do Estado ou de pessoas ou grupos agindo com autorização, apoio ou inaceitável aquiescência do Estado; e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou paradeiro da pessoa desaparecida, privando o desaparecido de proteção da lei.

Assim, para a justiça internacional, a doutrina Osman vem acentuar a necessidade de os Estados adotarem um papel ativo para afastar sua responsabilidade por violação a direitos humanos, contexto no qual a figura criminosa do desaparecimento forçado ganha relevância.