O que é “Flagrante Fracionado”?

Prezados,

No presente post, tentarei responder algumas perguntas feitas na prova oral do último concurso da Defensoria Pública da União (realizada entre os dias 10 e 12 de abril), incluindo algumas reperguntas efetuadas a alguns candidatos, consoante o relato de alunos que prestaram o certame.

Não obstante a existência de algum debate na doutrina acerca da natureza jurídica[1] da prisão em flagrante, a verdade é que, com o advento da Lei 12.403/2011, as divergências e debates arrefeceram, com a tendência, a partir daí, da prevalência do entendimento há muito defendido por Aury Lopes Jr., para quem a prisão em flagrante revelaria nítido conteúdo pré-cautelar.

De acordo com os ensinamentos do professor gaúcho, não é conveniente tabularmos a prisão em flagrante no rol das medidas cautelares pessoais, mas sim destacar o traço de pré cautelaridade, haja vista que ela não se dirige a garantir o resultado do processo, mas antes se destina a viabilizar a colocação do preso à disposição do juiz para que, nesse momento, se aprecie a necessidade ou não da aplicação de medida cautelar[2] (de prisão ou diversa da prisão).

A partir dessa leitura, destaca-se outra marca relevante para a compreensão da prisão em flagrante, qual seja a precariedade, uma vez que a detenção do agente sob essa justificativa somente está razoavelmente justificada pela brevidade de sua duração e dever de análise judicial no prazo de até 24 horas, a fim de se posicionar sobre a (i)legalidade da prisão e acerca da necessidade de fixação de medida cautelar (prisional ou não).

O que se deve concluir da análise ora feita é que ninguém poderá permanecer preso com fundamento no flagrante, pois esse não é um título judicial suficiente! Como aponta Aury Lopes, “a restrição da liberdade a título de prisão em flagrante não pode superar as 24 horas (prazo máximo para que o auto de prisão em flagrante seja enviado para o juiz competente, nos termos do artigo 306, parágrafo 2º do CPP[3][4])[5].

Tecidas tais considerações, vamos responder à pergunta título do presente texto. Afinal, o que seria o Flagrante Fracionado?

Para entendermos essa “espécie” de flagrante, antes de tudo é imperiosa a compreensão de crime continuado. A continuidade delitiva, cujos contornos estão plasmados no artigo 71 do CPB, ocorre quando se tem várias condutas que representam diversas infrações penais, mas, por opção do legislador (ficção jurídica), quando da aplicação da sentença condenatória, a aplicação da pena se revelará como se a conduta perpetrada representasse um só crime, exasperada de 1/6 a 2/3. Trata-se da teoria da ficção jurídica do crime continuado ou teoria da unidade fictícia limitada, abraçada pela legislação pátria, para fins exclusivamente de imposição da pena.

E qual a importância do crime continuado para a compreensão do flagrante fracionado?

Como já explicado, no crime continuado haverá diversas ações independentes e, sobre elas, incidirá a possibilidade de se efetuar a prisão em flagrante (isoladamente, por cada uma das condutas). Na medida em que os delitos que compõem o crime continuado guardam autonomia entre si, cada um dele autoriza, de forma independente no tocante aos demais, a efetivação da prisão, desde que presente uma das hipóteses do artigo 302 do CPP[6]. É exatamente o que chama, na doutrina, de flagrante fracionado ou parcelado.

Como sempre falo, meus caros, feliz ou infelizmente, em concurso público, nomenclatura é questão de sobrevivência! Espero que tenham compreendido (mais) essa!

Tentarei, nos próximos posts, trazer mais alguns assuntos que foram abordados na prova oral do V Concurso da Defensoria Pública da União! Se tiverem sugestões de temas de processo penal, indiquem!

Vamos em frente!

Pedro Coelho

Obs.: Se dúvidas houver sobre o tema ou sobre o processo penal, comentem na página da EBEJI ou diretamente no meu FB https://www.facebook.com/pedro.pmcoelho.

EBEJI

[1] Para alguns candidatos, a indagação acerca da natureza jurídica da prisão cautelar foi objeto de repergunta na prova oral da DPU.

[2] Sobre o tema, aproveitamos o ensejo para destacar a chamada Audiência de Custódia, cujo conteúdo fora abordado em postagem específica, passível de ser lida em https://blog.ebeji.com.br/audiencia-de-custodia

[3] Art. 306.  A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.  (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

[4] Entendemos que o artigo 306 deve ser lido e interpretado em conjunto com o artigo 310 também do CPP, que aponta que o juiz deverá ser manifestar “ao receber o flagrante”, estando a doutrina inclinada a fixar um prazo razoável (24 horas) para essa deliberação. Vejamos:

Art. 310.  Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I – relaxar a prisão ilegal; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

[5] LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal, 11ª edição. Editora Saraiva, 2014, pág. 825.

[6][6] LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal, Volume Único. 2ª edição, 2014, pag. 874.