Pedro Coelho é Defensor Público Federal

Professor da EBEJI

EBEJI

Prezados,

Quero tratar com vocês acerca de uma decisão publicada no recente Informativo do Superior Tribunal de Justiça (563), aproveitando para fazer uma rápida e pontual revisão sobre o importante tema de Teoria Geral das Provas, assunto de extrema relevância para os concursos de Defensoria Pública e também de Advocacia de Estado (lembrando que, conforme levantamento publicado pela EBEJI, o ponto de “Provas” foi responsável por 50% das questões do último concurso da AGU! Confira no texto publicado em: Mapeamento? Que nada! Fizemos uma ultrassonografia da última prova de Advogado da União (CESPE)).

Antes de apreciarmos a decisão em si, convém tecer considerações acerca de um dos mais importantes postulados norteadores do sistema probatório processual penal nacional. Trata-se do chamado Princípio da Liberdade Probatória. De acordo com ele, as partes têm liberdade ampla na produção das provas durante a instrução processual, podendo valer-se de meios de prova nominados (previstos expressamente em lei processual) ou meios de prova inominados (aqueles não expressamente desenhados no ordenamento jurídico).

O Código de Processo Penal adotou o referido vértice interpretativo, fato esse corroborado e plasmado no texto consagrado a partir da reforma de 2008, produzida pela Lei 11.690, restando assim consolidada a redação do artigo 155:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

A leitura que se confere ao dispositivo supratranscrito é que ele, a contrario sensu, não impõe qualquer modelo padronizado de prova a ser produzida como regra. Conclui-se, pois, que desde que respeitadas a licitude, moralidade, ética e legalidade, as partes gozarão de liberdade quanto aos meios de prova que desejarem produzir[1]!

Como se sabe, e aqui reavivamos a clássica lição do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento jurídico pátrio não tolera e/ou convive com liberdades ou direitos absolutos! Assim, ao se asseverar que vige em nosso sistema o postulado da liberdade dos meios de prova, não se está a dizer que esse preceito seria ilimitado de maneira absoluta. Ao contrário, há sim restrições já citadas (respeito à legalidade, licitude, moralidade, ética), como também situações há nas quais o legislador entendeu pertinente fazer um recorte restritivo! Como exceção, podemos destacar o parágrafo único do próprio artigo 155 do CPP, quando a norma indica que “quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”.

Vamos agora analisar o caso concreto!

Imagine que José tenha cometido tenha praticado conjunção carnal com Maria. Ocorre que José tem 30 anos, ao passo que Maria, segundo indica a denúncia do Ministério Público, teria 12 anos de idade. Nesse caso, ao menos em tese, a conduta de José se amolda tipicamente ao previsto no artigo 217-A do CPB (estupro de vulnerável). Vejamos:

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

Todavia, compulsando os autos, verifica-se que não há certidão de nascimento apta a comprovar a idade da vítima!

Dessa forma, questiona-se: é possível que José seja processado e eventualmente condenado pelo delito de estupro de vulnerável sem que haja certidão de nascimento comprobatória da idade da vítima ou isso violaria o parágrafo único do artigo 155 do CPP?

Para dar um “molho” à indagação, vale conferir o teor da Súmula 74 do próprio Tribunal da Cidadania, versando sobre aspectos etários no processo penal:

Súmula 74 do STJ – Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.

De acordo com entendimento reiterado pelo STJ, no que tange à matéria penal, deve-se dar preferência e prioridade à prova documental[2] para atestar a idade das vítimas! Todavia, em entendimento recém deliberado (repetindo o que já havia sido feito em outras ocasiões), o STJ concluiu que, apesar de se tratar de matéria relativa a estado das pessoas, inexistindo ou restando impossibilitada a extração de certidão civil comprovando a menoridade da vítima na data do fato criminoso, pode o juiz considerar válidos e legítimos elementos outros carreados ao processo, como por exemplo laudos periciais que atestem as idades das infantes, as declarações das testemunhas, a própria compleição física das vítimas e, sobretudo, as declarações prestadas pelo acusado, que afirmou que as menores foram morar na sua residência com idade inferior aos 14 anos” .

Conclusão 1: A regra no ordenamento jurídico processual penal é a Liberdade dos Meios de Prova.

Conclusão 2: Essa regra é excepcionada implícita ou explicitamente, tanto pelo respeito à moralidade, ética, licitude e legalidade, como também por situações excepcionais previstas pelo legislador, como em relação a aspectos referentes ao estado das pessoas (idade, por exemplo).

Conclusão 3: Como foi visto, para o STJ, essa exceção referente ao estado das pessoas (idade) também não é absoluta (vejam: é a exceção dentro da exceção!), razão pela qual se a prova documental idônea não existir ou restar impossibilitada, é plenamente possível que outros meios robustos de prova venham a comprovar os fatos alegados!

Confiram a ementa desse importante julgado:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MENORIDADE DAS VÍTIMAS. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO PROBATÓRIA POR OUTROS ELEMENTOS. POSSIBILIDADE. 1. Nos crimes sexuais contra vulnerável, quando inexiste certidão de nascimento atestando ser a vítima menor de 14 anos na data do fato criminoso, este Superior Tribunal tem admitido a verificação etária a partir de outros elementos de convicção colacionados aos autos (AgRg no AREsp 114.864/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 03/10/2013 e HC 81.181/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/05/2010, DJe 21/06/2010). 2. Na hipótese, embora inexista certidão civil, os laudos periciais, as declarações das testemunhas, a compleição física das vítimas e as declarações do próprio acusado suprem satisfatoriamente a ausência daquela prova documental. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 12.700/AC, Rel. Ministro WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2015, DJe 05/06/2015).

Espero que tenham gostado! Vamos em frente!

Grande abraço,

Pedro Coelho, Defensor Público Federal

EBEJI

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EBEJI

[1] No mesmo sentido, vale conferir o artigo 332 do CPC – Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

[2] Estupro e atentado violento ao pudor. Presunção de violência (reconhecimento). Idade da vítima (comprovação). Documento hábil (necessidade). 1. Girando a questão, relevantíssima questão, em torno da melhor forma de comprovação da idade das vítimas – se por documento público ou se mediante prova testemunhal tão-só –, a melhor das indicações é no sentido de que se exija a melhor prova, sempre e sempre. 2. Tratando-se, como se trata, de matéria penal a envolver um dos mais relevantes bens da vida – a liberdade –, o melhor dos entendimentos é o de que, no caso, a melhor prova é a documental. 3. Embargos de divergência conhecidos, porém rejeitados. (EREsp 762.043/RJ, Rel. Ministro NILSON NAVES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 29/10/2008, DJe 04/03/2009)