Para não esquecer o “Direito ao esquecimento”.

 

Introdução: O post a seguir serve para rememorar o chamado “direito ao esquecimento” e expor duas situações distintas no STJ, nas quais o instituto foi usado para chegar à conclusões diversas.

O professor Ubirajara Casado fez um post no blog bastante oportuno sobre o chamado “direito ao esquecimento” (Publicado em 3/01/14).

A visão do professor acerca dos assuntos que estão aptos a serem cobrados em concurso é bastante peculiar: na semana seguinte, em prova para o cargo de Juiz do DF, o tema foi cobrado.

Vejamos: (PROVA CESPE – JUIZ DO DF – 12.01.2014)

Acerca da prescrição e da proteção jurídica à intimidade, assinale a opção correta.

A. A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

B. O interesse público na divulgação de casos judiciais sempre deverá prevalecer sobre a privacidade ou intimidade dos envolvidos.

C. A exibição não autorizada de imagem de vítima de crime amplamente noticiado à época dos fatos, ainda que uma única vez, gera, por si só, direito de compensação por danos morais aos seus familiares.

D. À pretensão de cobrança de cotas condominiais aplica-se a regra geral da prescrição decenal, contada a partir do vencimento de cada parcela, conforme disposto no vigente Código Civil.

E. A veracidade de uma notícia confere a ela inquestionável licitude, razão pela qual não há qualquer obstáculo à sua divulgação, dado o direito à informação e à liberdade de imprensa.

O gabarito foi LETRA A.

Estou resgatando o tema para comentar duas situações distintas nas quais o STJ mencionou o direito ao esquecimento como razão de decidir: pela indenização e outra na qual o mesmo instituto foi afastado – concluindo-se pela não reparação.

 

1 – Caso “Chacina da Candelária”: RESP 1334097. Reparabilidade com base no “direito ao esquecimento”.

Esse caso já foi comentado pelo professor Ubirajara. Acredito que ele está retratado na questão do CESPE, item A (gabarito): “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.”

Além disso, o Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil do CJF preconiza que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

No caso decidido pelo STJ, a vítima do dano ao direito da personalidade foi apontado como coautor da chacina da Candelária, sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, no Rio de Janeiro, mas foi absolvido por unanimidade. Ele afirmou nos autos que recusou pedido de entrevista feito pela emissora de TV condenada na decisão, mas mesmo assim, o programa chamado “linha direta”, veiculado em junho de 2006, o mencionou como um dos envolvidos na chacina, absolvido posteriormente.

Como causa de pedir da indenização, o autor afirmou que a veiculação da matéria reascendeu um contexto que ele já havia superado – a duras penas. A notícia em veículo televisivo nacional terminou por reavivar um sentimento social que existia na localidade onde residia o lesado, tendo sido obrigado a abandonar sua residência.

Aduziu que a rememoração de seu nome, como um dos envolvidos no evento em referencia, fez como que se anulasse todo seu esforço pessoal e social para superar o episódio e seguir com sua vida normal.

De acordo com o Ministro relator, Luís Felipe Salomão, para conciliar o chamado direito ao esquecimento com a liberdade de imprensa, o nome do envolvido poderia ser facilmente ocultado, bem como a sua fisionomia.

“Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem mostrou-se fidedigna com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, que, certamente, não teve reforçada sua imagem de inocentado, mas sim a de indiciado”, afirmou em seu voto.

“Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo de folha de antecedentes, assim também à exclusão dos registros da condenação no instituto de identificação, por maiores e melhores razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o mesmo direito de serem esquecidos”, acrescentou.

Aqui o chamado “Direito ao Esquecimento” funcionou como suporte teórico de reparação de uma lesão ao direito da intimidade. A ação danosa foi uma matéria jornalística veiculada em 2006 referente a fato de 1993.

 

2 – Caso “Aida Curi”: RESP 1335153. Não reparabilidade e “direito ao esquecimento”.

Nesse caso, as irmãs da falecida “Aida Curi”, assassinada em 1958, cuja veiculação do fato no programa “Linha direta” se deu quase meio século depois, tentaram a aplicação do chamado “direito ao esquecimento”.

Sem sucesso, contudo.

Temos aqui o mesmo relator no STJ, Ministro Luis Felipe Salomão, e idêntico contexto televisivo (“Linha direta”, notícia de fatos trágicos que afetam a memória dos envolvidos).

 

Voltando à questão cobrada pelo CESPE no concurso de Juiz do DF, creio que o referido julgado está inspirando o enunciado de LETRA C: “A exibição não autorizada de imagem de vítima de crime amplamente noticiado à época dos fatos, ainda que uma única vez, gera, por si só, direito de compensação por danos morais aos seus familiares.”

Este processo foi noticiado no Informativo nº 0527 e a Turma concluiu:

“7. Não fosse por isso, o reconhecimento, em tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente ao dever de indenizar. Em matéria de responsabilidade civil, a violação de direitos encontra-se na seara da ilicitude, cuja existência não dispensa também a ocorrência de dano, com nexo causal, para chegar-se, finalmente, ao dever de indenizar. No caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um “direito ao esquecimento”, na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes. 

8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança.”

DESTACO: “o reconhecimento, em tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente ao dever de indenizar.”

No caso “Aida Curi” há um diferencial para o da “Chacina da Candelária”: o fator tempo. Entre 1993 e 2006 e entre 1958 e 2008 há consequências diversas que fazem com que o direito ao esquecimento seja relativizado em favor da liberdade de imprensa (de informação).

Portanto fica a dica aos colegas que nos honram ao visitar o Blog da EBEJI: não esqueçam do “direito ao esquecimento”!

Renato Cesar Guedes Grilo.