Olá pessoal, tudo bem?

Hoje analisaremos um aspecto bastante importante que, comumente, é estudado essencialmente em relação às interceptações telefônicas, mas que apareceu no último informativo do STJ relacionada ao tema “da moda”: colaboração premiada!

Antes de registrar os apontamentos recentes do STJ, cumpre compreender e esclarecer o que se entende pela teoria do juízo aparente! Em uma apertada síntese, poderia definir essa teoria como aquela a partir da qual passa a se admitir e aceitar como lícitas as provas produzidas a partir de determinação de autoridade judiciária incompetente. A peculiaridade, para tanto, é que o juízo sob um “erro (escusável) quanto a sua competência”, visto que a contextualização, no momento de produção probatória, indicava que aquela autoridade efetivamente seria a competente para o referido ato.

Ficou confuso? Então vamos trabalhar um exemplo mais didático no campo doutrinária e jurisprudencial. Imaginemos que tenha sido instaurada investigação policial em face de uma organização criminosa que está praticando tráfico de drogas dentro do país (competência da justiça estadual). Necessitando de maiores informações, a polícia requer, de maneira fundamentada, a autorização para interceptação telefônica de um dos membros da organização, o que é deferido pelo Juiz de Direito até então responsável pelo caso (medidas cautelares).

Após a denúncia por parte do Ministério Público Estadual, ao longo da instrução, descobre-se que a organização atuava com o tráfico internacional e não doméstico de drogas, fato esse que indica a competência da Justiça Federal! Contudo, esse fato somente vem à baila após a instrução processual penal!

De acordo com a Lei 9.296/96, é nula a interceptação telefônica determinada por juiz incompetente, em face da violação do artigo 1º do referido dispositivo. Apesar de ser essa a solução pragmática e literal, a doutrina e jurisprudência passaram a flexibilizar esse entendimento, apontando que a verificação do juízo competente para o deferimento de determinadas medidas (como a interceptação telefônica), mormente no curso de investigação criminal, deve ser feita com base nos elementos probatórios até então existentes, aplicando-se a regra do rebus sic stantibus.

Assim, caso fato superveniente altera a determinação do órgão jurisdicional competente da ação principal, isso não significa dizer que a ordem judicial anteriormente concedida seja inválida. Essa é a Teoria do Juízo Aparente, pois se no momento da decisão judicial o contexto (com)probatório, documental e fático apontavam para a competência do juízo responsável pela decisão, as provas devem ser consideradas válidas, mesmo que, posteriormente, seja reconhecida sua incompetência!

Como asseverado acima, trata-se de possibilidade há muito admitida pelas Cortes Superiores, mormente no que tange às interceptações telefônicas e quebras de sigilo. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já afirmou que “quanto à celeuma acerca da determinação da quebra de sigilo pelo Juízo Federal de Itaperuna/RJ, que foi posteriormente declarado incompetente em razão de ter sido identificada atuação de organização criminosa (art. 1º da Resolução Conjunta n. 5/2006 do TRF da 2ª Região), há de se aplicar a teoria do juízo aparente (STF, HC 81.260/ES, Tribunal Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19.4.2002). 8. Ordem denegada, cassando a liminar deferida. (HC 110496, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 09/04/2013).

Esse é um tema que venho trabalhando muito em minhas aulas, sobretudo de provas e de interceptação telefônica, como grande aposta para concursos públicos, sendo frequente tal indagação em provas orais e subjetivas. E por que você resolveu escrever agora sobre esse tema, Pedro?

É que, lendo o último informativo 612 do STJ, achei pertinente a abordagem da teoria agora em relação às colaborações premiadas e a (in)competência do juízo que homologa o acordo mencionado!

Decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça! No julgamento da Reclamação 31.629/PR (setembro de 2017), o órgão firmou algumas importantes conclusões sobre o caso em que um investigado sem prerrogativa de foro narrou uma série de informações, trazendo inclusive a potencial participação de autoridade com prerrogativa de foro em atividades criminosas, o que suscitou a dúvida quanto à competência ou não do juízo de 1º grau para a homologação da colaboração. Vejamos algumas premissas e conclusões firmadas pela Corte Especial:

(i) A homologação de acordo de colaboração premiada por juiz de primeiro grau de jurisdição, que mencione autoridade com prerrogativa de foro no STJ, não traduz em usurpação de competência desta Corte Superior. Afinal, ao homologar o acordo de colaboração premiada, realizando o juízo de delibação do art. 4º, § 7º, da Lei n. 12.850/2013, o juiz “se limita a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo “, não existindo “emissão de qualquer juízo de valor sobre as declarações do colaborador” (STF, HC 127.483, Tribunal Pleno, DJe de 4/2/2016).

(ii) A colaboração premiada é um instrumento de cooperação processual, cuja natureza jurídica é de meio de obtenção de elementos de convicção, razão pela qual as informações prestadas pelo colaborador podem se referir até mesmo a crimes diversos daqueles que dão causa ao acordo, configurando-se, nessa situação, a hipótese da serendipidade ou descoberta fortuita de provas.

(iii) Uma das consequências admitidas e extraídas do encontro fortuito de provas incide na ideia da Teoria do Juízo Aparente, segundo a qual é legítima a obtenção de elementos relacionados a pessoa que detenha foro por prerrogativa de função por juiz que até aquele momento era competente para o processamento dos fatos. Aliás, a tese foi ratificada pela Suprema Corte, segundo a qual: “as provas colhidas ou autorizadas por juízo aparentemente competente à época da autorização ou produção podem ser ratificadas a posteriori, mesmo que venha aquele a ser considerado incompetente, ante a aplicação no processo investigativo da teoria do juízo aparente” (HC 106.152, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 24/5/2016 e HC 128.102, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 23/6/2016).

Portanto, meus caros, podem anotar: se as investigações não recaírem sobre pessoas com prerrogativa de foro e a informação de possível envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro surgir apenas no acordo de colaboração, não haverá incompetência do magistrado de primeiro grau para a sua homologação!

Particularmente, não sou fã dessa teoria e vejo muitos problemas no entendimento acima delineado pelo STJ!

Contudo, para a prova de vocês, é o que está valendo, beleza?

Espero que tenham gostado!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal

https://www.facebook.com/Profpedrocoelho/